16 Dezembro 2025
Relator apresentou seu voto pela derrubada da lei que instituiu o mecanismo como critério para demarcação de terras indígenas; Flávio Dino acompanhou o voto.
A reportagem é de Karina Pinheiro, publicada por ((o))eco, 15-12-2025.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta segunda-feira (15) pela inconstitucionalidade de trechos da Lei 14.701/2023, que instituiu o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O posicionamento foi apresentado no plenário virtual da Corte, onde o julgamento segue até quinta-feira (18).
Com 228 páginas, o voto integra o julgamento conjunto de ações que questionam a constitucionalidade da lei, além de outras ações diretas e uma ação declaratória de constitucionalidade. O ministro classifica o tema como de “extrema urgência e importância”, ao destacar que a indefinição jurídica em torno das demarcações tem alimentado conflitos no campo, com impactos sociais, econômicos e até mortes
No voto, Gilmar Mendes sustenta que a União incorre em omissão inconstitucional ao não cumprir o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determinou a conclusão das demarcações indígenas em até cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988. Segundo o ministro, passadas mais de três décadas, a demora administrativa, atribuída principalmente à Funai, aprofunda a insegurança jurídica tanto para povos indígenas quanto para proprietários não indígenas afetados pelos processos demarcatórios.
O ministro também critica a atuação do Congresso Nacional ao aprovar a Lei 14.701/2023, afirmando que o Legislativo adotou medidas de “backlash” ao contrariar entendimentos já firmados pelo STF no Tema 1031 da repercussão geral, que rejeitou o marco temporal como critério constitucional para o reconhecimento de terras indígenas
Outro eixo central do voto é o diálogo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Gilmar Mendes incorpora decisões internacionais que reconhecem o direito à propriedade coletiva dos povos indígenas e impõem aos Estados o dever de delimitar, demarcar e titular os territórios tradicionais, além de assegurar consulta prévia às comunidades afetadas. O ministro defende que esses parâmetros internacionais devem orientar a atuação do Estado brasileiro.
Ao final, Gilmar Mendes indica que o STF deve não apenas julgar a constitucionalidade da lei, mas também impor medidas estruturais à União para enfrentar a mora administrativa nas demarcações. Para ele, sem a efetivação concreta dos direitos previstos no artigo 231 da Constituição, o país seguirá reproduzindo um cenário de conflito permanente no campo e violação sistemática dos direitos dos povos indígenas.
Até o momento, o voto de Gilmar Mendes foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino, que foi o segundo a se manifestar no plenário virtual. Dino afirmou que os direitos territoriais indígenas são originários e independem da comprovação de ocupação das terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Segundo o ministro, são inconstitucionais não apenas leis ordinárias, mas também eventuais Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tentem impor a tese do marco temporal. Para Dino, esse tipo de iniciativa viola cláusulas pétreas e o núcleo essencial dos direitos fundamentais assegurados aos povos indígenas, além de contrariar frontalmente a jurisprudência consolidada do próprio STF.
Movimento Indígena acompanha julgamento
A leitura feita pelo movimento indígena é de que os votos reforçam entendimentos já consolidados pelo STF. Em nota, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) destacou que os posicionamentos de Gilmar Mendes e Flávio Dino reconhecem que a Lei 14.701/2023 representa uma ameaça direta aos direitos originários dos povos indígenas. Para a assessoria jurídica da entidade, os votos reafirmam que a tese do marco temporal não encontra respaldo constitucional e contraria tanto a jurisprudência do Supremo quanto compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
O CIR também enfatiza que a tentativa de fixar um marco temporal desconsidera os processos históricos de expulsão, violência e esbulho sofridos pelos povos indígenas, além de aprofundar a insegurança jurídica nos territórios. Segundo a entidade, o julgamento em curso é decisivo não apenas para a política indigenista, mas para a garantia da vida, da integridade territorial e da autodeterminação dos povos indígenas no país.
Leia mais
- Indígenas cercados: ruralistas contra-atacam. Artigo de Gabriel Vilardi
- Gilmar pede e Fachin abre plenário virtual do STF para julgar marco temporal
- Direito indígena é moeda de troca em disputa entre Congresso e STF, diz advogado indígena
- STF poderá deixar para 2026 decisão sobre marco temporal
- “Marco temporal”, o absurdo como política de Estado? Artigo de Dora Nassif
- Coiab reage à aprovação da PEC do Marco Temporal e alerta para retrocesso constitucional
- STF e direitos indígenas: quando haverá justiça aos povos originários? Artigo do Cardeal Leonardo Steiner
- O julgamento dos direitos dos povos indígenas pelo STF e a vedação de retrocesso
- Senado aprova PEC do marco temporal às vésperas do julgamento no STF
- Pela vida dos povos indígenas e pela democracia: STF julga a Lei do Marco Temporal
- Momento gravíssimo: CNBB chama atenção para votação e julgamento sobre a tese do Marco Temporal
- Alcolumbre pauta PEC do marco temporal na véspera de julgamento no STF
- Julgamento do marco temporal é adiado para próxima quarta-feira
- STF retoma julgamento do Marco Temporal e reacende disputa sobre terras indígenas
- STF marca início do julgamento sobre marco temporal para 5 de dezembro
- Conciliação no STF mantém marco temporal para demarcação de Terras Indígenas
- STF e direitos indígenas: quando haverá justiça aos povos originários? Artigo do Cardeal Leonardo Steiner
- O julgamento dos direitos dos povos indígenas pelo STF e a vedação de retrocesso
- Senado aprova PEC do marco temporal às vésperas do julgamento no STF
- Pela vida dos povos indígenas e pela democracia: STF julga a Lei do Marco Temporal
- Momento gravíssimo: CNBB chama atenção para votação e julgamento sobre a tese do Marco Temporal
- Alcolumbre pauta PEC do marco temporal na véspera de julgamento no STF
- Julgamento do marco temporal é adiado para próxima quarta-feira
- STF retoma julgamento do Marco Temporal e reacende disputa sobre terras indígenas
- STF marca início do julgamento sobre marco temporal para 5 de dezembro