16 Dezembro 2025
Patrimônio Mundial da UNESCO. Ministros e colonos israelenses expropriaram 180 hectares de área outrora havia visto passar fenícios, romanos e bizantinos. Seu objetivo: reescrever a história.
A reportagem é de Riccardo Antoniucci e Filippo Maria Pontani, publicada por il Fatto Quotidiano, 12-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Começou como tantas outras vezes. Com pesquisas arqueológicas realizadas sob o sol de maio, sem um propósito preciso. Depois, em julho, chegou um panfleto do exército. Uma pequena área era isolada por "razões de segurança" (na realidade: para erguer um mastro para uma enorme bandeira do Estado judeu). Finalmente, há um mês, em plena temporada de colheita de azeitonas, veio a medida mais pesada.
A Administração Civil Israelense, autoridade que administra aproximadamente 60% dos territórios palestinos (a chamada Área C da Cisjordânia), emitiu um decreto de expropriação "temporária" de 180 hectares de terra (uma quantidade enorme, a maior desde 1967) na província de Nablus. "Para benefício da conservação do sítio, melhoria do acesso dos visitantes e desenvolvimento da área." O sítio arqueológico é o de Sebastia, um dos maiores e mais antigos da Cisjordânia e Patrimônio Mundial da UNESCO, adjacente à vila palestina de mesmo nome, que fica na Área B (uma zona de administração compartilhada onde a Anp exerce formalmente funções governamentais, mas a segurança é confiada às forças israelenses). Os habitantes palestinos vivem há décadas do turismo e, à noite, passeiam entre as colunas milenares. Agora, porém, são acusados de negligenciar a preservação dos artefatos relativos à história do povo judaico na região.
Situada em uma colina de onde se avista o Mediterrâneo em dias claros, cercada por terras férteis, mas áridas até os Romanos levarem o aqueduto, Sebastia foi refundada por Herodes, o Grande (aquele do Massacre dos Inocentes), no sítio arqueológico bem menor da antiga Samaria, capital do rei israelita Onri e seus sucessores (884-722 a.C.). Hoje, os vestígios dos antigos muros de Onri desaparecem entre as imponentes ruínas da Sebastia romana: o fórum, o estádio, a rua com colunas, o Templo de Augusto, o Templo de Proserpina e o mais belo teatro da Palestina. Um pouco mais adiante, encontra-se a igreja bizantina dedicada à Descoberta da Cabeça de João Batista, ali sepultado por Herodias, e, finalmente, a Catedral de São João, reconstruída pelos cruzados no século XII e posteriormente convertida em mesquita por Saladino. Ainda hoje, Sebastia tem um arcebispo ortodoxo grego, Atallah Hanna (Teodósio), que também defende veementemente os direitos palestinos e denuncia a limpeza étnica promovida pelo Estado judaico (tendo sido preso e interrogado diversas vezes por isso).
Diante de uma história tão estratificada e plural, é o passado israelita que mais interessou aos arqueólogos, que procuraram reconhecer ali um grande centro de poder: as muralhas de estilo fenício, os 65 fragmentos de cerâmica (òstraka) com inscrições notariais em hebraico antigo, as 200 placas de marfim historiadas (gravadas em baixo-relevo com pedras preciosas), imagens de esfinges, leões e do deus Hórus – por que não relacioná-las ao “palácio de marfim” do rei Acabe mencionado na Bíblia em 1 Reis 22,39, e talvez também ao luxo de Samaria denunciado pelo profeta Amós? Portanto, não é "o abandono do sítio arqueológico e o desinteresse dos proprietários e das autoridades palestinas pelos danos e destruição que ali ocorrem" que motiva a expropriação, mas sim, segundo especialistas e ativistas, uma agenda muito mais política e bastante comum, ligada ao plano da direita israelense de expandir os assentamentos de colonos na área que agora chamam (também nos documentos oficiais) de "Samaria". Só neste verão, mais de 60 ordens de confisco foram emitidas apenas na província de Nablus.
O caso Sebastia começou em maio de 2023, quando o governo destinou 30 milhões de shekels (cerca de 9 milhões de euros) para realizar novas escavações no local e "transformar o sítio em uma atração turística" para os israelenses. O parque já era uma atração turística há décadas, administrado por palestinos que dele obtinham sua principal fonte de renda. Mas o Ministro do Patrimônio que solicitou os fundos a Netanyahu é Amihai Eliyahu, membro do partido extremista Otzma Yeudith, de Itamar Ben-Gvir, que aplaudiu a destruição de Gaza e apoia os colonos. O Ministro da Economia, Bezalel Smotrich, também é um defensor dos assentamentos ilegais, tendo destinado mais 40 milhões de shekels para o desenvolvimento de assentamentos israelenses nos "sítios históricos" na Cisjordânia.
O plano de desenvolvimento israelense para Sebastia prevê o cercamento do local e a construção de uma nova estrada de acesso ligada à Rodovia 60, que contornará completamente a aldeia palestina, isolando-a.
A área confiscada, de 180 hectares, inclui terras agrícolas de Sebastia e da aldeia vizinha de Burqa. "Até agora, nenhuma obra de construção começou", disse o prefeito de Sebastia, Mohammed Azem, ao jornal Il Fatto. "Eles apenas enviaram um funcionário para se encontrar com os moradores e informá-los de que, a partir de agora, o acesso às suas terras está proibido." Mas as obras virão, e embora moradores e ONGs internacionais tenham lançado uma campanha internacional para salvar Sebastia, o governo israelense tem todo o poder para confiscar o local, como já fez com Herodion e o Monte Gerizim. Mas, naqueles casos, as aldeias palestinas ficavam mais distantes. "Acredito que a comunidade internacional ainda não se deu conta da gravidade da situação", afirma Carla Benelli, arqueóloga da Pro Terra Sancta: "Aqui, as casas são adjacentes ao sítio arqueológico e, se este governo permanecer no poder, a confiscação continuará."
Por esse motivo, muitos arqueólogos se manifestaram contra a decisão. Até mesmo israelenses. Não apenas a conhecida ONG Emek Shaveh, fundada para defender o direito palestino de gerir o patrimônio cultural compartilhado por todas as comunidades de fé, e que fala de "um ato que acabará com séculos de continuidade cultural entre os habitantes de Sebastia e a acrópole do sítio, prejudicará o turismo e a economia baseada nas oliveiras da cidade de Sebastia e provavelmente levará até mesmo a uma presença militar israelense permanente". Mas até mesmo a (moderada) Associação dos Arqueólogos Israelenses criticou o projeto. Aponta que viola a Convenção de Haia sobre a Proteção de Bens Arqueológicos em Caso de Conflito e a resolução da ONU de 1967 sobre os Territórios. A arqueologia está sendo usada como arma para continuar a ocupação ilegal, enquanto spot promocionais "Pela Judeia" aparecem nas redes sociais e na TV, convidando israelenses (especialmente soldados) a visitar os sítios arqueológicos na Cisjordânia e os assentamentos ilegais dos colonos. E enquanto no Knesset se debate um projeto de lei para transferir a autoridade sobre os sítios arqueológicos na Área C para um órgão controlado pelo Poder Executivo.
"O objetivo que os colonos e esse governo extremista buscam é provocar uma inversão ideológica em Israel", explica Raphael Greenberg. Professor de Arqueologia em Tel Aviv e fundador da Emek Shaveh. “Desde 1948, os assentamentos israelenses se desenvolveram no litoral, como Tel Aviv. Agora, os sionistas religiosos querem trazer as áreas montanhosas da Cisjordânia para o centro do projeto do Estado judeu. A arqueologia é um dos principais campos que seu plano contempla.”
Leia mais
- Foi assim que Netanyahu conseguiu mudar o plano de Trump para a paz em Gaza
- Todos os pontos-chave do plano de Trump. E o que ele pode fazer com o sonho de um Estado palestino
- Trump e Netanyahu fazem um acordo para forçar o Hamas a se render sem esclarecer o futuro dos palestinos
- Com Tony Blair no comando e uma missão internacional de tropas: o que se sabe sobre o novo plano de Trump para a Palestina?
- A "Riviera" de Tony Blair que assusta todo o mundo árabe. Artigo de Fabio Carminati
- “Gaza criará um centro comercial e um resort de férias”, plano de Tony Blair apresentado a Trump
- O novo plano Trump para o Oriente Médio: sim de Israel, mas em Gaza não se vê paz
- Plano de paz para Gaza: especialistas apontam 'egocentrismo de Trump' e dificuldades de aplicação
- Blair e Kushner se encontram com Trump. Uma cúpula sobre o futuro da Faixa de Gaza será realizada na Casa Branca
- Férias na Praia de Gaza. Artigo de Giuseppe Savagnone
- Trump zombou de Gaza com um polêmico vídeo criado com inteligência artificial
- Países árabes podem impedir planos de Trump para Gaza?
- Mar-a-Gaza ou Nakba? Transformar a Faixa de Gaza em Riviera é uma indignação para os árabes. Mas há quem sinta o cheiro do negócio
- Projeto "Riviera" de Trump nas ruínas de Gaza: deslocamento forçado para um centro de turismo e tecnologia
- A extrema-direita pronta a "renunciar" aos sequestrados. Witkoffs retorna a Tel Aviv