Christiana Figueres sobre Acordo de Paris: ‘A transformação energética está mais adiantada do que a gente imaginava ser possível há 10 anos'

Foto: Pixabay

16 Dezembro 2025

Nesta sexta-feira (12), o tratado que estabeleceu o marco global para limitar o aquecimento completa dez anos. Em entrevista exclusiva, a ex-secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e diplomata costarriquenha conversou com a InfoAmazonia sobre a implementação do acordo, que liderou à época, e sobre a relevância das conferências do clima.

Chegar a um acordo climático entre todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, não é algo que se conquiste da noite para o dia. Esse resultado exigiu anos de trabalho coletivo, incontáveis idas e vindas nas negociações e a dedicação de muitas pessoas para torná-lo possível. Christiana Figueres foi uma delas: uma das principais “arquitetas” do Acordo de Paris, que completa 10 anos nesta sexta-feira (12).

Nascida na Costa Rica e formada em antropologia, ela assumiu, em 2010, o cargo de secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), em um momento difícil para a diplomacia climática internacional.

Um ano antes, na Conferência das Partes (COP) em Copenhague, na Dinamarca, os governos nacionais haviam fracassado em chegar a um acordo global para enfrentar a crise climática. Longe de abandonar o objetivo, Figueres retomou o trabalho e iniciou um processo minucioso com os países para buscar um consenso.

Já em 12 de dezembro de 2015, emocionada, sorridente e de braços erguidos, a diplomata comemorou aquilo que, no início, achou que não veria em vida: o momento em que o mundo chegava a um entendimento em torno de um acordo climático global, juridicamente vinculante, para enfrentar a mudança do clima.

Dez anos depois, em meio às discussões da COP30 realizadas em novembro passado, em Belém do Pará, Figueres conversou com a InfoAmazonia sobre os avanços na implementação do acordo, a importância das COPs, o que ainda precisa melhorar e como encontrar otimismo para se engajar na ação climática.

A entrevista é de Tais Gadea Lara, publicada por InfoAmazonia, 12-12-2025.

Eis a entrevista.

Nesta sexta-feira se completam dez anos do Acordo de Paris e, no seu livro O Futuro que Escolhermos, você fala da necessidade de trabalhar com os países para construir uma visão de futuro em que um acordo climático global fosse possível. Em relação àquela visão de futuro, em que aspectos estamos hoje em melhor situação na implementação do acordo?

Estamos muito melhor do que poderíamos ter imaginado em relação a todo o progresso tecnológico, especialmente no setor energético — em solar, eólica, baterias — e no setor de transportes, sobretudo no transporte leve.

Todas as previsões feitas há dez anos ficaram para trás. Inclusive a Agência Internacional de Energia, sediada em Paris e principal autoridade em energia, teve de revisar e corrigir suas projeções, porque sempre estimava menos do que, na prática, foi alcançado.

Então, vimos que todas essas tecnologias estão em uma curva exponencial de desenvolvimento, de aprimoramento e de redução de custos. A transformação energética está mais adiantada do que a gente imaginava ser possível há 10 anos.

Em relação àquela visão de dez anos atrás, em que aspectos estamos pior na implementação do Acordo de Paris ou em que ainda falta avançar?

Em outros setores, não estamos tão bem. Estamos apenas começando a transformação da indústria de energia pesada, como cimento, aço e ferro. Tudo isso que consome muita energia e que, historicamente, têm usado grandes quantidades de combustíveis fósseis. Só agora começamos a ver essa transformação.

Também estamos muito atrasados em alguns setores que a presidência da COP30 trouxe para a mesa: o uso do solo, a agricultura sustentável, a restauração florestal, a proteção das florestas e, claro, a produção de alimentos. Esses são os setores que estão atrasados, mas que, evidentemente, se equilibram com aqueles que já avançaram bastante.

Agora, apesar desse desenvolvimento, sabemos que estamos colocando em risco a possibilidade de nos manter abaixo do limite de 1,5 ºC e que é muito provável que venhamos a ultrapassar esse patamar temporariamente, por alguns anos, até que as tecnologias nos permitam voltar a reduzir esse aumento de temperatura.

As COPs, o lugar em que esteve por anos

Para completar o processo de trabalho que levou ao acordo, Figueres foi reeleita em 2013 como secretária executiva da UNFCCC para um segundo mandato de três anos. Mas esses dois períodos (2010/2013; 2013;2016) não foram os únicos em que esteve vinculada às COP.

Desde 1995, ela percorre os corredores e as salas de discussão das conferências. Foi negociadora da Costa Rica e integrou o Comitê Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, voltado aos mercados de carbono.

Depois de concluir o cargo de secretária executiva, nunca se mostrou alheia à política climática internacional. Pelo contrário, buscou aportar sua experiência e seu olhar crítico para ajudar a aprimorá-la.

Há muitas críticas às COPs: dizem que ‘não servem para nada’ ou ‘são realizadas há 30 anos e continuamos assim’. Por que as COP são, sim, importantes?

As COPs servem para definir a pauta a cada ano. Isso é importante. Cada ano de ação é decisivo, e cada décimo de grau centígrado tem consequências enormes para o bem-estar humano e para o restante da natureza. Por isso, é fundamental seguir estabelecendo a agenda das COPs, revisando e monitorando para saber quanto progredimos e quanto ainda falta fazer.

Ainda nessa linha, o que você considera que as COP deveriam melhorar no curto prazo?

As COPs vêm evoluindo ao longo dos últimos dez anos. Ou seja, não é que agora seja preciso inventar algo completamente novo, não. O propósito primordial das COPs era chegar a um acordo multilateral, juridicamente vinculante, que definisse a rota rumo à descarbonização da economia global. Isso já aconteceu. Foi alcançado em 2015, e foi para isso que as COPs foram concebidas.

Tendo cumprido esse objetivo, as COPs vêm mudando seu desenho e seu propósito. Neste ano, já vemos uma evolução muito clara, porque ninguém mais vem aqui buscar um acordo multilateral, juridicamente vinculante, entre todas as partes. Isso simplesmente já está dado.

Agora, a COP é um momento em que convergem inúmeras vozes e atores para mostrar o que estão fazendo, quais são suas dificuldades e que tipos de colaboração são necessários para seguir avançando.

Nessa evolução, nas últimas COPs houve uma quantidade crescente de declarações que não fazem parte do Acordo de Paris em si, mas que complementam a ação climática. Você considera que essas declarações são algo positivo ou que podem desviar o avanço da implementação do acordo?

Não, isso é justamente a implementação. Vamos lembrar que os governos federais, os governos nacionais, reportam suas emissões e o que está sendo feito para reduzi-las, mas não são eles que as controlam. Os principais “donos” dessas emissões são, sobretudo, as empresas do setor privado.

Essas declarações não têm um marco de acompanhamento e implementação. Como garantir que realmente sejam cumpridas?

Essa pergunta parte da ideia de que a única forma de monitorar o progresso é acompanhar cada uma dessas iniciativas individualmente, e não é assim. Felizmente, há tantas iniciativas que já nem é possível fazer uma planilha de Excel que as enumere. Se pudéssemos fazer isso, estaríamos diante de um problema sério, porque significaria que são limitadas. Há tantas iniciativas, colaborações, projetos, esforços, que eles simplesmente já são ilimitados. Isso é exatamente o que precisamos.

Aqui não se trata de transformar uma única empresa, uma cidade, um bairro. Trata-se de transformar a economia global como um todo, em todos os seus setores. Por isso, não se trata de monitorar cada iniciativa isoladamente.

 

A atmosfera não está “olhando” para nenhum desses projetos em separado, e sim para o total de emissões que chegam até ela. É isso que temos de observar. Por isso é importante perceber, por exemplo, que o setor energético já passa por uma transformação acelerada. Sabemos disso graças aos dados que agregam todas as colaborações, iniciativas e investimentos que ocorrem nesse setor.

Não precisamos contar cada grão de areia. Precisamos contar a praia inteira — e saber que estamos avançando em nível macro.

10 anos depois de Paris: a COP30 na região amazônica

Depois de três anos acompanhando a conferência à distância, em 2025 Figueres esteve em Belém, a primeira COP na Amazônia. A ex-diplomata participou de diferentes atividades paralelas e apresentou uma análise diária em uma edição especial de seu podcast Outrage + Optimism, em que é coapresentadora.

No ano passado, Figueres esteve entre os muitos signatários de uma carta que trazia recomendações concretas de reforma para as COPs. Entre elas, a proposta de melhorar o processo de seleção da presidência da conferência. “Precisamos de critérios de elegibilidade rigorosos para excluir os países que não apoiam a eliminação gradual dos combustíveis fósseis ou a transição que deixe esses combustíveis para trás”, dizia o documento.

O que muda em relação a este possível conflito de interesses com o Brasil, que continua sendo o principal produtor de petróleo na região das Américas, em comparação com outras presidências anteriores altamente dependentes de combustíveis fósseis?

É preciso entender como se dá o processo de seleção do país que preside cada COP. Não são o conjunto dos países, nem o setor privado, nem a sociedade civil que fazem essa escolha. Isso é definido porque a presidência da COP vai sendo rotativa entre as cinco regiões das Nações Unidas.

Por exemplo, em 2025, a América Latina era a região anfitriã da COP. Os únicos países com voz para escolher quem presidiria eram os latino-americanos, nenhum outro. E assim acontece todos os anos, em cada região.

Existe uma espécie de mito de que há uma mão nefasta mundial que escolhe qual será a presidência, e não é assim.

O contexto geopolítico mundial é, obviamente, complexo, mas há uma particularidade: a América Latina não tem conseguido se unir em torno da ação climática como região. Você acredita que é possível que haja mais unidade para defender interesses comuns?

Eu não concordo inteiramente com você. Assim parece que, em todos os anos anteriores ao Acordo de Paris, a América Latina esteve bastante unida.

Existia um grupo de países chamado AILAC [Associação Independente da América Latina e do Caribe], formado por governos de alta ambição climática na região. Temos, é claro, também todas as ilhas do Caribe ao nosso lado. Ali me parece que houve um grupo bastante forte, que pressionava por mais ambição.

Não participo mais das negociações, mas entendo que a AILAC continua existindo. Talvez não seja com uma voz tão forte quanto no passado, mas isso sempre pode mudar.

Se neste momento você ainda fosse a secretária executiva da Convenção, o que consideraria um bom resultado da COP30? (pergunta feita antes do encerramento da conferência)

Creio que o bom resultado já começou a aparecer. A presidência entendeu há muito tempo que não se trata de chegar a um novo acordo jurídico. Trata-se de usar o microfone e a atenção midiática que a COP recebe para transmitir uma mensagem, baseada em evidências e não simplesmente em ideologia, de que estamos avançando muito, ao mesmo tempo em que reconhecemos que ainda estamos atrasados. Essas duas realidades coexistem.

O futuro que escolhermos e o otimismo obstinado

Em 2020, Figueres apresentou no livro O Futuro que Escolhermos um detalhado bastidor de como foi possível alcançar o Acordo de Paris, os obstáculos no caminho e as estratégias colocadas em prática para atingir esse objetivo. Mas não ficou apenas nisso.

Ao lado do estrategista político Tom Rivett-Carnac — que a assessorou durante seus anos na Convenção e com quem hoje apresenta um podcast —, ela propõe na obra um conjunto de ações individuais, coletivas e sistêmicas para construir o caminho rumo a um futuro mais sustentável, distante do cenário de impactos climáticos mais drásticos que precisamos evitar. Claro que isso está longe de ser simples.

“A história do processo de cinco anos até Paris se assemelha, em muitos sentidos, ao processo que agora precisamos desencadear. Hoje em dia, a maioria das pessoas acredita que é impossível transformar nossa economia em uma década”, dizem no livro, e acrescentam: “nossa única opção é direcionar toda a nossa atenção para as ações imediatas que podemos empreender para mudar de rumo. Isso começa pela nossa própria forma de encarar o desafio, por nossa atitude decidida e por nossa capacidade de influenciar os demais com a mesma convicção, por mais difícil que seja. É isso que constitui o otimismo obstinado”.

No livro, você fala em stubborn optimism (otimismo obstinado). Como cultivar esse otimismo no contexto atual, marcado por desinformação e negacionismo, e como transmiti-lo a outras pessoas?

Isso é algo tão simples e tão difícil quanto escolher a atitude mental a cada dia. Eu me levanto todas as manhãs e não estou cega às notícias — elas estão aí, e eu quero estar informada sobre tudo o que está acontecendo. Mas eu escolho qual será a minha atitude.

Posso, claro, ler apenas as notícias devastadoras, voltar para a cama e dizer: “então não vou fazer nada”. Se essa é a atitude, como estamos ajudando o planeta? Como estamos fazendo a nossa parte? Eu decido, todos os dias, me levantar com a disposição de fazer tudo o que for possível para ter um impacto positivo.

Há garantia de que isso vai funcionar? Não, não há garantia. Mas isso não diminui a necessidade de manter a atitude de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance.

Quando minhas filhas eram muito mais jovens, eu não tinha nenhuma garantia de que se tornariam pessoas espetaculares, mas fui a melhor mãe que consegui ser, todos os dias da minha vida. Também não tenho nenhuma garantia de que um bebê de 11 meses, meu neto, vá se tornar um homem extraordinário. Mas isso não reduz o meu compromisso de exercer toda a influência possível para que isso aconteça. O mesmo vale para o planeta.

Para começar, sabemos que não vamos “resolver” completamente a mudança do clima. Temos alguma garantia de que conseguiremos evitar o pior? Não, não existe essa garantia, assim como não há garantias sobre quase nada na vida. A única certeza é que vamos morrer. Fora isso, não há garantias.

Então, na ausência de garantias e de certezas, a saída é assumir a responsabilidade e dizer: “vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance, a partir do meu espaço de atuação, para que tenhamos um mundo melhor”. É, simplesmente, responsabilidade individual.

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