11 Dezembro 2025
O relatório mais recente do Laboratório Mundial da Desigualdade revela uma disparidade crescente, agravada pelas mudanças climáticas e com uma “persistente desigualdade de gênero”.
A reportagem é de Raquel Villaécija, publicada por El País, 10-12-2025.
Os 10% mais ricos da população mundial detêm 75% da riqueza global e recebem 53% da renda total. Essa é apenas uma das conclusões do relatório do Laboratório Mundial da Desigualdade sobre a desigualdade global, que revela um crescente abismo na distribuição de riqueza em todo o mundo.
O estudo, que envolveu 200 pesquisadores e foi liderado pelos economistas Ricardo Gómez Carrera, Thomas Piketty, Lucas Chancel e Rowaida Moshrif, oferece uma visão abrangente das desigualdades globais, levando em consideração não apenas as disparidades de renda e riqueza, mas também outros fatores de influência, como clima e gênero. Esta é a terceira edição do relatório, após as de 2018 e 2022.
“As desigualdades afetam todas as áreas da vida econômica e social. Os dados revelam uma concentração extrema de riqueza em uma pequena parcela da população”, resumiu o economista mexicano Ricardo Gómez Carrera durante a apresentação do estudo.
Os ricos estão ficando mais ricos e os pobres, mais pobres. Hoje, os 0,001% mais ricos da população mundial — menos de 60 mil bilionários — controlam três vezes mais riqueza do que metade da humanidade. A riqueza dessa minoria cresceu, em média, 8% ao ano desde a década de 1990. Essa tendência "continuou a aumentar, evidenciando a persistência da desigualdade", indica a pesquisa.
Ele destaca dois elementos que contribuem para o aumento dessa disparidade: as mudanças climáticas e a desigualdade de gênero. “Tentamos ressaltar que existem outras formas de desigualdade, como as entre homens e mulheres ou as ligadas ao clima, que são problemas persistentes que as sociedades não têm enfrentado de frente”, aponta Lucas Chancel.
Em relação às mudanças climáticas, o documento revela que as contribuições para combater seus efeitos são extremamente desiguais, especialmente considerando que os 10% mais ricos do mundo são responsáveis por 77% das emissões globais. "São eles que melhor conseguem se proteger de desastres naturais", afirmam os economistas. Apenas 3% das emissões provêm dos pobres, "justamente aqueles mais expostos às catástrofes climáticas" e menos preparados para enfrentá-las. "A desigualdade social global e a questão climática não podem ser separadas. Esses níveis de análise devem ser integrados para encontrarmos soluções", declara Thomas Piketty.
A disparidade salarial entre gêneros é outra questão crucial, visto que as mulheres realizam a maior parte do trabalho não remunerado. Essas horas extras não valorizadas foram levadas em consideração na elaboração das conclusões. As mulheres recebem um quarto da renda total gerada pelo trabalho, "um número que não mudou desde 1990", observa o estudo.
Se o trabalho não remunerado for levado em consideração, as mulheres ganham 32% do salário por hora dos homens. Se o trabalho doméstico for excluído, seus rendimentos chegariam a 61% dos salários dos homens. Esses números "revelam não apenas a persistente discriminação, mas também ineficiências na forma como as sociedades valorizam e distribuem o trabalho", observam os autores.
“Isso limita as oportunidades de emprego para as mulheres, restringindo sua participação na vida política”, por exemplo. “Não se trata apenas de igualdade, mas de ineficiência estrutural. Economias que desvalorizam o trabalho de metade da população comprometem sua própria capacidade de crescimento e resiliência”, indica o estudo.
Segundo Ricardo Gómez Carrera, “embora alguns progressos tenham sido feitos na Europa e nas Américas, muitas regiões ainda estão longe de alcançar a igualdade”. Regionalmente, os países mais ricos — como a Europa, o Japão, a China e os Estados Unidos — apresentam menor desigualdade nesse aspecto. A disparidade aumenta na África, no Oriente Médio e na América Latina.
“O que precisamos são ações políticas para reduzir essas desigualdades. Se focarmos nos governos e nas políticas de redistribuição, elas podem ser reduzidas”, afirma Carrera. O economista francês Thomas Piketty insiste que “investimentos mais inclusivos em educação e saúde” podem reduzir essa disparidade.
O acesso ao capital humano continua extremamente desigual, como demonstra o fato de que o gasto médio com educação por criança na África Subsaariana é de € 200, em comparação com € 7.400 na Europa ou € 9.000 na América do Norte. Essa disparidade “condiciona as chances de sucesso das futuras gerações”.
Diante dessa situação, a organização apela à cooperação global para alcançar uma tributação progressiva. “Essas desigualdades atingirão níveis que exigem atenção urgente até 2025. Apenas uma minoria se beneficia das vantagens da globalização e do crescimento econômico, enquanto o restante luta para ter acesso a itens de primeira necessidade. As desigualdades são extremas e persistentes.”
Eles acreditam que os governos podem corrigir a situação com medidas concretas e apoiam propostas como um imposto mínimo sobre a riqueza dos bilionários, o que demonstra a quantidade de receita que poderia ser mobilizada para financiar a educação ou combater as mudanças climáticas. Como Lucas Chancel destaca, "é uma questão de escolhas políticas".
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