11 Dezembro 2025
Não se pode dizer que não fomos avisados: a nova estratégia de segurança nacional de Donald Trump busca destruir a democracia liberal tal como a conhecemos.
O artigo é de Cas Mudde, professor da cátedra Stanley Wade Shelton UGAF de Assuntos Internacionais na Universidade da Geórgia, Estados Unidos, e autor de A extrema-direita hoje. O texto é publicado por The Guardian e reproduzido por El Diário, 10-12-2025.
Eis o artigo.
Donald Trump se reúne com vários líderes europeus, entre eles Keir Starmer, Giorgia Meloni, Ursula von der Leyen e Friedrich Merz, no último mês de agosto, no Salão Oval.
No mesmo dia em que Donald Trump recebeu seu prêmio da paz feito sob medida por seu novo amigo, o presidente da FIFA Johnny Infantino, seu governo publicou uma estratégia de segurança nacional igualmente marcante. O documento, relativamente curto, exala Trump e trumpismo. Começa com a afirmação, tipicamente modesta, de que o presidente salvou nossa nação e o mundo da beira da catástrofe e do desastre.
Embora a estratégia se limite, em grande parte, a formalizar as ações e declarações atuais de Trump e de seu governo, ela deve ser vista como um alerta para o mundo — e para a Europa em particular.
O documento defende uma forma agressiva de ingerência em política externa, na qual os Estados Unidos estabelecem explicitamente o objetivo de promover a grandeza europeia. Sua linguagem poderia ter sido extraída diretamente dos discursos de Viktor Orbán durante a chamada crise dos refugiados de 2015-2016: queremos que a Europa continue sendo europeia, que recupere sua confiança civilizatória. Ainda mais inquietante é que o documento afirma que o declínio econômico da Europa é eclipsado pela perspectiva real e ainda mais sombria de que sua civilização desapareça.
Propaganda ultradireitista
Toda a seção dedicada à Europa está impregnada de décadas de ideologia e propaganda da extrema-direita europeia. Culpa-se a União Europeia e as políticas migratórias por transformar o continente e criar conflitos, censurar a liberdade de expressão, reprimir a oposição política, provocar queda da natalidade, perda de identidades nacionais e da autoconfiança. Segundo o documento, se as tendências atuais continuarem, o continente será irreconhecível em 20 anos ou menos. Portanto, não é evidente que alguns países europeus tenham economias e exércitos fortes o suficiente para continuar sendo aliados confiáveis. De fato, o governo Trump acredita que, em poucas décadas no máximo, alguns membros da OTAN passarão a ter maioria não europeia.
Aprofundando esse argumento em entrevista ao Politico, Trump afirmou que isso tornaria esses países muito mais fracos.
Os Estados Unidos acreditam que é fundamental para sua segurança nacional fazer a Europa voltar a ser grande e que a extrema-direita europeia é a única força política capaz de alcançar isso.
Trata-se de argumentos com fortes conotações de duas teorias fundamentais nos círculos contemporâneos da extrema-direita. A primeira é A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, cuja tese do declínio cíclico das civilizações foi usada pela extrema-direita alemã para criticar a perversão e a fraqueza da república democrática de Weimar. A segunda é O grande substituto, publicada em 2011 pelo romancista francês Renaud Camus, que transformou antigos temores nativistas em uma teoria conspiratória explícita, acusando as elites europeias de usar a imigração para substituir as populações nativas rebeldes por um eleitorado mais dócil e dependente. Na última década, essa teoria conspiratória se tornou comum nos círculos da direita estadunidense, graças a pessoas como Steve Bannon e Tucker Carlson.
Make Europe great again
É o fervor nativista encapsulado nessas ideias que, segundo o documento, dá ao governo Trump o direito — se não o dever — de interferir nos assuntos europeus: a diplomacia dos Estados Unidos deve continuar defendendo a democracia genuína, a liberdade de expressão e a celebração sem constrangimentos do caráter e da história individuais das nações europeias. E fica claro onde vê seus aliados: os Estados Unidos incentivam seus aliados políticos na Europa a promover esse renascimento espiritual, e a crescente influência dos partidos patrióticos europeus é, sem dúvida, motivo de grande otimismo.
Em outras palavras, os Estados Unidos acreditam que é fundamental para sua segurança nacional fazer a Europa voltar a ser grande e que a extrema-direita europeia é a única força política capaz de alcançá-lo. Consequentemente, sua política geral para a Europa dá prioridade a cultivar resistência à atual trajetória do continente dentro das nações europeias (entenda-se: pela extrema-direita) e construir nações saudáveis na Europa Central, Oriental e Meridional, em particular países alinhados que querem restaurar sua antiga grandeza (entenda-se: Hungria, Itália).
Embora o documento permaneça vago sobre como isso será alcançado, está claro que uma das prioridades do governo Trump é pressionar a Europa a adotar uma política radical de liberdade de expressão, mais próxima da vigente nos Estados Unidos — especialmente quanto ao discurso de extrema-direita — e não apenas nas redes sociais. Outra prioridade é normalizar as relações com a Rússia ou, como afirma o documento, restabelecer a estabilidade estratégica com a Rússia. Ainda que o país não seja mencionado explicitamente como futuro aliado, está claro que o atual governo tampouco o considera um adversário.
O atual governo dos Estados Unidos acredita que a melhor maneira de garantir sua segurança nacional é destruir a democracia liberal na Europa.
Em um sentido mais amplo, a estratégia de segurança nacional se inspira menos nos glorificados Estados Unidos da década de 1950, frequentemente considerados o ideal por trás do lema Make America Great Again, do que na Doutrina Monroe de 1823. Articulada pelo presidente James Monroe, essa doutrina advertia as potências europeias a não interferirem no hemisfério ocidental (isto é, a América), que ele declarou como esfera de interesse dos Estados Unidos. O documento do governo Trump promete afirmar e fazer cumprir um corolário Trump da Doutrina Monroe, que implica que os Estados Unidos recrutem países ao redor do mundo que desejem ajudar a proteger os interesses nacionais estadunidenses.
Nada disso é necessariamente novo: basta lembrar o discurso de JD Vance na Conferência de Segurança de Munique de 2025, no qual o vice-presidente lançou um ataque ideológico contra o modelo democrático europeu. Mas talvez agora, com a publicação em um documento oficial, os líderes europeus finalmente compreendam que o papai está falando sério. E, se o documento lhes parecer demasiado longo ou impreciso, permitam-me resumi-lo de maneira clara e concisa: o atual governo dos Estados Unidos acredita que a melhor maneira de garantir sua segurança nacional é destruir a democracia liberal na Europa. Em outras palavras, os Estados Unidos não são apenas um aliado relutante, mas um adversário disposto. É hora de agir de acordo.
Leia mais
- Governo Trump alerta que a Europa se expõe ao “desaparecimento da civilização” e coloca o seu foco na América Latina
- De Monroe a Trump: como EUA pressionam a América Latina
- A Doutrina Monroe 200 anos depois. Artigo de Reginaldo Nasser
- Trump ressuscita o intervencionismo dos Estados Unidos na América Latina
- Como Trump vem interferindo na política de outros países
- Por que o presidente Trump está tratando a imigração ilegal como sacrilégio? Artigo de Sam Sawyer
- Venezuela: Trump desferiu mais um xeque, mas não haverá xeque-mate. Artigo de Victor Alvarez
- 5 razões que revelam por que o conflito entre EUA e Venezuela entrou na fase crítica e mais perigosa. Artigo de Boris Muñoz
- Segundo a revista 'Der Spiegel', Macron alertou os líderes europeus de que os EUA poderiam "trair" a Ucrânia na "questão territorial"
- O Comitê Nacional BRICS se pronunciou contra a ameaça de uma invasão dos EUA na Venezuela
- Medo da deportação expõe brasileiras à violência nos EUA
- Sheinbaum rejeita novamente a ajuda militar de Trump: "Da última vez que os EUA intervieram no México, tomaram metade do território"
- ‘É surreal’: brasileiros se trancam em casa para escapar de caça a imigrantes nos EUA
- Leão XIV pede aos Estados Unidos que evitem o uso da força na Venezuela e apela ao diálogo em meio à escalada das tensões com Trump
- Os Estados Unidos encerrarão o Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês) para pelo menos 350.000 haitianos a partir de fevereiro, apesar da crise humanitária no país caribenho
- Guerra no Caribe e no Pacífico: crimes e impunidade dos Estados Unidos