Evangelho e Salmos, teologia em versos de ouro e púrpura. Artigo de Enzo Bianchi

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11 Dezembro 2025

"Ler as palavras do Antigo e do Novo Testamento em uma nova tradução é como ouvi-las pela primeira vez, novamente frescas e límpidas; é redescobri-las mesmo quando já as conhecemos de cor, dando assim a nítida impressão de que renascem aos olhos de quem as lê", escreve Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Stampa, 06-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

A Bíblia não é apenas o livro mais impresso e distribuído no mundo, mas é um livro vivo, um livro em constante transformação, em evolução e, portanto, em crescimento contínuo. A Bíblia não é um baú de textos sagrados, mas um tesouro vivo, como comprovam os manuscritos mais antigos, assim como as edições mais recentes. Os setenta e três livros que compõem a Bíblia (termo grego que significa "os livros", ou melhor, "os rolos") foram escritos em hebraico, aramaico e grego, e desde a sua origem até hoje foram traduzidos para centenas de línguas antigas e modernas. Por essa razão, cada nova tradução revitaliza a Bíblia, doa-lhe nova vida, um novo fôlego. Com cada nova tradução, a Bíblia ganha frescor, rejuvenesce, porque a Bíblia é como a jovem do Cântico dos Cânticos, eternamente jovem e sedutora.

Ler as palavras do Antigo e do Novo Testamento em uma nova tradução é como ouvi-las pela primeira vez, novamente frescas e límpidas; é redescobri-las mesmo quando já as conhecemos de cor, dando assim a nítida impressão de que renascem aos olhos de quem as lê. Se é verdade que traduzir é, de certa forma, trair — e por isso é sempre necessário retornar aos textos originais para penetrar na essência do que “está escrito” —, não é menos verdade que traduzir significa tornar eloquente um texto de milhares de anos para os homens e mulheres de cada época, significa criá-lo em culturas diferentes e distantes daquelas bíblicas, significa inseri-lo nos mais variados sistemas linguísticos. Em certos casos, porém, não é uma tradução diferente do texto que torna viva a Bíblia, mas uma nova roupagem tipográfica, uma edição inesperada, que chega de repente e, portanto, surpreende.

Esse é o efeito de Evangeli e salmi, Edizione illustrata, La Bibbia di Gerusalemme (EDB, 569 páginas, €180). Precisamos reconhecer que as Edizioni Dehoniane de Bolonha não poupam ousadia em publicar um volume importante, de grandes dimensões e consideravelmente caro, desafiando descontraidamente as leis do mercado editorial. Um volume prestigioso, cuidados nos mínimos detalhes — inclusive impresso na Lituânia, como a edição francesa —, adornado com belíssimas imagens de grande qualidade, reproduções de miniaturas extraídas dos mais importantes manuscritos medievais.

Livro "Evangeli e salmi, Edizione illustrata, La Bibbia di Gerusalemme"

Como o título sugere, o volume contém os Evangelhos, ou seja, os quatro evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas e João — e os cento e cinquenta Salmos. Publicar os Evangelhos e os Salmos juntos é muito tradicional. Os Evangelhos são os textos da Igreja por excelência, e ela sempre os venerou da mesma forma que venera o Corpo de Cristo, a Eucaristia. Inácio de Antioquia pôde escrever: "Eu me escondo nos Evangelhos como na carne de Cristo”. Ao mesmo tempo, os Salmos são a oração eterna, tanto de judeus quanto de cristãos. Foram a oração de Jesus de Nazaré, assim como a oração dos pobres do mundo, das vítimas da história. O que une os Evangelhos e os Salmos é o fato de ambos serem livros litúrgicos por excelência. De fato, Evangeli e Salmi tem a solenidade de um Evangeliário, a ponto de poder ser usado também em celebrações.

Esse livro é a edição e adaptação italiana da publicação francesa Evangelion, extraída da nova edição da Bible de Jérusalem, das Editions du Cerf, 2025. Trata-se, portanto, dos textos dos quatro Evangelhos e dos Salmos da Bíblia de Jerusalém publicada na Itália pela Edizioni Dehoniane com a tradução oficial da Conferência Episcopal Italiana em 2008. No entanto, esse volume não contém apenas o texto dos Evangelhos e dos Salmos, mas também, como ressaltam os curadores, “um aparato de notas renovadas, fruto de um rico trabalho filológico e exegético que representa um primeiro passo rumo a uma futura edição completa da Bíblia em língua italiana”. Essencialmente, as notas ao texto são aquelas da nova edição da Bible de Jérusalem, a quarta edição, publicada integralmente na França em 23 de outubro passado. O trabalho foi realizado por quarenta exegetas reconhecidos e tradutores consagrados de todo o mundo francófono, recrutados nas melhores instituições.

Em Evangeli e Salmi, as notas e introduções foram traduzidas do francês e devidamente adaptadas por um grupo de estudiosos italianos, em particular no que diz respeito às observações de crítica textual e consequentes considerações exegéticas, um esforço conjunto coordenado por Laura Bigoni, Anna Mombelli e Giulio Arinotti.

Desde o seu início, em 1948, a tradução dos textos bíblicos da Bible de Jérusalem tem sido objeto de apaixonada e aprofundada pesquisa pelos dominicanos da École Biblique et Archéologique Française de Jérusalem. Hoje, essa nova Bible de Jérusalem, recentemente publicada na França, em sua edição revisada, é fruto dessa mesma paixão. Enquanto aguardamos para ter em italiano a nova edição completa das introduções e das notas, as Edizioni Dehoniane, que desde sempre são a editora da Bíblia de Jerusalém em italiano, também anteciparam, como o editor Cerf, os Evangeli e Salmi, quase como que oferecendo uma prévia, uma amostra do que será a nova Bíblia de Jerusalém.

Em uma forma refinada e artística, o comentário exegético revisado é acompanhado por um relicário estético revitalizado. As cinquenta e três miniaturas do Ocidente latino e germânico, e do Oriente armênio e etíope, com sua clareza contemporânea e seu esplendor antigo, revelam a unidade sinfônica da Igreja por volta do ano 1000. Miniaturas que, devido à sua natureza arcaica, nos parecem obras pós-modernas. Imagens que não devem ser entendidas como simples ilustrações, mas como verdadeira exegese figurativa em ação, equivalente à exegese científica. Uma teologia através das imagens. A combinação de versos, preto sobre branco, e linhas, ouro sobre púrpura, faz desse volume um Evangelho à maneira espiritual dos manuscritos monásticos.

Permita-me apenas uma pequena ressalva. O título original da obra francesa é Evangelion, e o subtítulo é Les quatre évangiles et les psaumes illustrés. La Bible de Jérusalem. A edição francesa não hesitou em atribuir a essa obra o nome Evangelion, que é a palavra grega da qual deriva "evangelho". Eu-angelion significa literalmente "boa nova", que no cristianismo é a boa nova da vida de Jesus de Nazaré. O volume italiano utilizou o derivado grego Evangeli, evitando o mais comum Vangeli, mas o grego Evangelium teria sido o título correto, poderoso, eficaz, naquela forma singular que também teologicamente afirma que o Evangelho de Jesus Cristo vai além dos quatro evangelhos canônicos, deixando ao mais prosaico subtítulo a indicação do conteúdo. Uma obra desse calibre merecia um título menos didático.

Essa magnífica obra dos Evangeli e Salmi é uma publicação fundamental e um presente essencial para celebrar o Natal.

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