11 Dezembro 2025
O telefone tocou às 22h da quinta-feira, 31 de julho. Algo estava acontecendo em Ambridge, Pensilvânia. Homens armados e mascarados, carros descaracterizados e policiais uniformizados convergiam para o cruzamento das ruas Fifth e Merchant. Uma batida da imigração? No mercado latino-americano? A essa hora? Não fecham às 21h? Seguiram-se mais ligações.
A reportagem é de Kari Pohl, publicada por Global Sisters Report, 10-12-2025.
Duas irmãs que moram em Ambridge e uma terceira de um bairro próximo foram ver com os próprios olhos. Outras pessoas se reuniram, testemunhando e documentando o que aconteceu. Em poucas horas, mais de uma dúzia de pessoas foram presas ou detidas. Um homem foi retirado de um carro com crianças dentro. Quanto mais eu aprendia sobre o que aconteceu naquela noite, mais raiva e impotência eu sentia.
No dia seguinte, o promotor do condado de Beaver negou que a ação fosse uma batida do ICE, classificando-a como uma "operação de saturação" envolvendo diversas agências locais e do condado. Mesmo assim, a mídia local confirmou que o Departamento de Segurança Interna, o ICE e a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também estavam envolvidos.
Isso aconteceu em uma cidade com menos de 7 mil habitantes, no meio da noite. A história, porém, pesa muito aqui. Para contextualizar, o Condado de Beaver perdeu cerca de 20% de sua população desde a década de 1970 e, de acordo com o censo de 2020, é mais de 85% branco. Mesmo assim, nos últimos anos, Ambridge tem atraído muitos imigrantes latino-americanos, trazendo nova vida e negócios, incluindo o supermercado que mencionei.
Infelizmente, prisões e detenções em massa contra pessoas negras recém-chegadas não são novidade por aqui. O que aconteceu em Ambridge este ano me lembrou a história da deportação do Condado de Beaver em 1933. Numa noite fria de janeiro, a polícia invadiu uma festa dançante frequentada por homens e mulheres negros que haviam chegado como parte da Grande Migração para trabalhar na eclusa e barragem de Montgomery, nas proximidades. Dezenas foram espancadas, presas e levadas sob guarda armada até a fronteira com a Virgínia Ocidental, onde foram obrigadas a atravessar a divisa a pé e deixar a Pensilvânia, sob pena de dois anos de prisão caso retornassem.
Refletindo sobre isso, vejo um padrão doloroso se repetir — mensagens claras sobre quem é bem-vindo e quem não é. Assim como a deportação de 1933, o evento de 2025 ganhou as manchetes. Ambos foram demonstrações de poder e exclusão. Embora ninguém no Condado de Beaver admita ter convidado o ICE para esta última operação, de alguma forma eles sabiam que deveriam vir naquela noite.
No dia seguinte à "operação de saturação", uma de nossas irmãs se reuniu com outras e começou a liderar cultos de oração semanais em frente ao escritório do ICE em Pittsburgh. Eles continuaram durante os meses de inverno.
Fui convidada a conduzir uma das celebrações em agosto. Enquanto me preparava, pensei nos mistérios dolorosos do rosário. Observo a situação dos imigrantes — não apenas nos Estados Unidos, mas em vários (talvez até na maioria) dos países ao redor do mundo — e não posso deixar de pensar que estes tempos exigem algo mais: um rosário enraizado na própria história de migração de Jesus.
Pesquisei online, na esperança de que alguém já tivesse criado um. Como não encontrei nada, escrevi o meu próprio. Deste canto do sudoeste da Pensilvânia, convido você a rezar comigo estes mistérios da migração, com breves reflexões para guiar seu coração. Ao entrarmos no Advento, encorajo-o a também refletir sobre os seus próprios mistérios.
O primeiro mistério: A Sagrada Família busca refúgio no Egito (Mateus 2,13-15)
O aviso veio de repente — provavelmente não tiveram tempo para se despedir. Sob ameaça, fugiram de Belém na escuridão, cruzando para uma terra estrangeira onde não tinham família nem segurança. Imagine por um instante o medo e a determinação deles, fugindo da violência em busca de refúgio. Com que frequência os migrantes hoje enfrentam esse mesmo desconhecido?
O segundo mistério: Jesus é batizado no rio Jordão (Mateus 3,13-17; Marcos 1,9-11; Lucas 3,21-22; João 1,28-34)
As fronteiras sempre moldaram a experiência humana. Assim como muitos rios que marcam as fronteiras modernas entre a Costa Rica e a Nicarágua, ou entre o México e os Estados Unidos, o Rio Jordão também serviu como fronteira na época de Jesus. Batizado ali, Jesus entrou em um lugar de divisão e união, um rio fronteiriço que não era nem "aqui" nem "lá", mas que, simultaneamente, era ambos. Jesus nos lembra que, embora a migração possa envolver cruzar linhas, ela também se trata de transformação, pertencimento e, especialmente, da presença de Deus no meio do caminho. Como você já experimentou a presença de Deus em lugares ou momentos de transição ou movimento?
O terceiro mistério: Jesus atravessa para Samaria (João 4,1-43)
Na passagem do Evangelho, é mencionado que os judeus não tinham afinidades com os samaritanos, mas Jesus decidiu atravessar a Samaria mesmo assim. Lá, ele encontrou uma mulher samaritana que o convenceu a ficar não um, mas dois dias. É preciso coragem para transpor uma barreira, assim como é preciso coragem para acolher o estrangeiro. Como é ser acolhido ou estender essa acolhida a outros?
O quarto mistério: Jesus tem um encontro que muda a vida de muitas pessoas na Fenícia (Mateus 15,21-28; Marcos 7,24-30)
Na Fenícia, Jesus encontra uma mulher de fora do seu grupo. A princípio, ele resiste em ajudá-la, mas a fé e a persistência dela acabam por convencê-lo a ir além do seu próprio povo. Penso nessas ocasiões em que fui desafiado a sair da zona de conforto daquilo que eu considerava "o meu" grupo. Ao fazer isso, pude vislumbrar a imensidão do amor de Deus.
O quinto mistério: Jesus se identifica como um forasteiro (Mateus 25,31-45)
Jesus promete sua presença entre nós naqueles que sofrem — aqueles que têm fome, sede, estão presos e deslocados. Ele nos chama a vê-lo no recém-chegado e no marginalizado. Oro para que Deus continue abrindo meus olhos e que aqueles que detêm o poder também reconheçam a presença de Jesus naqueles que são tão frequentemente ignorados e até mesmo menosprezados em nosso mundo.
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