11 Dezembro 2025
Em 5 de novembro de 2025, o governo Trump publicou o documento National Security Strategy 2025: o que essa estratégia significa para a Guatemala? Que riscos reais implica para nossa frágil democracia? Que oportunidades podem emergir se o país agir com inteligência estratégica? Que cenários se desenham se continuarmos sendo um ator passivo?
O artigo é de Víctor M. Ruano P., presbítero da Diocese de Jutiapa, publicado por Religión Digital, 09-12-2025.
Introdução
Em 5 de novembro de 2025, o governo Trump publicou o documento National Security Strategy 2025. Trata-se de um documento programático de apenas 33 páginas que redefine de maneira explícita a política externa, de segurança, econômica e energética dos Estados Unidos, com implicações diretas para a América Latina e, de maneira particularmente delicada, para a América Central.
Ao analisar o texto — em uma versão em espanhol não autorizada — surgiram perguntas inevitáveis: o que essa Estratégia significa para a Guatemala? Que riscos reais implica para nossa frágil democracia? Que oportunidades podem emergir se o país agir com inteligência estratégica? Que cenários se avizinham se continuarmos sendo um ator passivo?
A presente análise oferece uma leitura crítica desde a Guatemala, tomando como base o que o documento afirma explicitamente — e o que deixa implícito — sobre o Hemisfério Ocidental, migração, combate aos cartéis, reindustrialização, nearshoring e energia. Não se trata de um exercício acadêmico neutro, mas de uma leitura política situada, a partir de um país historicamente subordinado, empobrecido e atravessado por redes de corrupção e impunidade.
Como a Guatemala aparece na Estratégia de Segurança Nacional?
Embora a Guatemala não seja mencionada de forma explícita, o documento define com absoluta clareza o que os Estados Unidos esperam do Hemisfério Ocidental. Na prática, volta-se a colocar o país no lugar histórico do “quintal”, agora sob uma versão reforçada da Doutrina Monroe, que pode ser chamada, sem exagero, de “Corolário Trump”. Quatro eixos são especialmente relevantes:
- Reafirmação da Doutrina Monroe, sob a premissa de que nenhuma potência extra-hemisférica deve ter presença estratégica, econômica ou militar na região.
- Bloqueio ativo da China, Rússia e outros atores em portos, infraestrutura logística, telecomunicações, energia e recursos estratégicos.
- “Externalização” da segurança fronteiriça, recrutando países que funcionem como muralhas de contenção migratória, policial e militar.
- Aumento do deslocamento militar dos Estados Unidos no hemisfério — naval, aéreo, guarda-costeira e operações dirigidas — incluindo o uso de força letal contra cartéis.
Dentro dessa lógica, a Guatemala é vista fundamentalmente como país de trânsito migratório, elo nas rotas do narcotráfico e do crime organizado, território funcional para o nearshoring e peça geoeconômica na disputa com a China. Não como parceiro com direitos, mas como espaço estratégico a ser controlado.
Quais são os riscos específicos para a Guatemala?
Risco de perda de autonomia e aumento da ingerência dos Estados Unidos. Com o “Corolário Trump”, qualquer aproximação estratégica da Guatemala com China, Rússia ou outros atores — em portos, telecomunicações, energia, mineração, tecnologia — poderá ser lida como ameaça à segurança hemisférica.
Os principais riscos são: condicionamento de ajuda, vistos, cooperação e acesso a mercados; pressão direta para reverter contratos estratégicos; redução de margens de manobra na política externa. Assim, a neutralidade ou o “não alinhamento ativo” tornam-se mais difíceis, deixando o país vulnerável a sanções e represálias.
Em um país com instituições frágeis e capturadas por redes de corrupção, isso pode significar decisões geopolíticas tomadas por elites pequenas, sob forte pressão externa, sem participação pública.
Guatemala como “muro de contenção” migratório. A Estratégia afirma que a migração massiva deve terminar e que a fronteira é o eixo central da segurança nacional. Isso implica mais acordos para que a Guatemala funcione como país tampão, com retenção de migrantes, controles mais duros, centros de processamento e devoluções aceleradas. Implica também exportar modelos de controle para o México e o istmo centro-americano e reduzir o espaço para políticas humanitárias.
Os riscos concretos incluem violações de direitos humanos, maior vulnerabilidade de mulheres e crianças e fortalecimento de economias ilegais em torno da migração.
O ponto de fundo é que as causas estruturais — corrupção, pobreza, violência e crise climática — ficam fora da agenda. A prioridade é o controle, não a transformação.
Risco de militarização interna crescente. A Estratégia propõe “deslocamentos dirigidos” com uso de força letal para deter cartéis. Aplicado à Guatemala, isso reforçaria a lógica da “guerra contra o narcotráfico”, ampliaria o papel das Forças Armadas na segurança interna e aumentaria a cooperação em inteligência com pouca transparência.
Em contexto de impunidade, isso pode gerar abusos, repressão à sociedade civil e perseguição de líderes comunitários e jornalistas sob acusações de vínculos criminais.
Reindustrialização e nearshoring: oportunidade ou armadilha? A Estratégia defende a relocalização de cadeias produtivas no hemisfério. A Guatemala poderia tornar-se plataforma de manufatura, logística e fornecimento de matérias-primas. Porém, sem regulação firme, isso reforçaria um modelo de maquila ampliada, com baixos salários, pouca inovação, competição fiscal predatória e expansão de projetos extrativos que geram conflitos socioambientais.
Negacionismo climático. A Estratégia rejeita políticas de “câmbio climático” e “emissões zero”, propondo expandir petróleo, gás, carvão e nuclear. Para a Guatemala, altamente vulnerável, isso significa maior exposição a desastres, perda de meios de vida e aumento da migração.
Quais são as oportunidades para a Guatemala?
Negociar a partir da integração regional. Atuar junto a Belize, El Salvador, Honduras, México, Costa Rica, Panamá e República Dominicana, assim como no SICA e CELAC, permitiria à Guatemala negociar melhores condições para investimentos, exigir compromissos anticorrupção e pactuar mecanismos regionais para proteção de migrantes.
Usar a agenda de segurança para fortalecer o Estado de direito. A Guatemala poderia condicionar cooperação militar e migratória a reformas policiais, judiciais e anticorrupção, com transparência e supervisão da sociedade civil.
Modelos de desenvolvimento mais inteligentes. Aproveitar o nearshoring para promover cadeias produtivas locais, formação técnica, polos tecnológicos, agroindústria de valor agregado e setores ambientais voltados à adaptação climática e energia renovável.
Quais são os cenários possíveis para a Guatemala?
Cenário 1: Alinhamento acrítico. Atender sem questionamento às demandas dos Estados Unidos. Resultado: ganhos de curto prazo, mas maior dependência, conflitos sociais, erosão democrática e vulnerabilidade climática.
Cenário 2: Alinhamento negociado e seletivo. Impor limites em direitos humanos, evitar militarização, exigir combate à corrupção, diversificar parceiros. É o cenário mais difícil, porém mais benéfico para autonomia e bem-estar social.
Cenário 3: Resistência desordenada. Afastar-se abruptamente dos Estados Unidos sem propostas alternativas, aproximando-se de China ou Rússia de maneira improvisada. Resultado: sanções, isolamento e fragilidade interna.
O que a Guatemala deveria fazer para não ser objeto passivo?
Ter diagnóstico realista sobre o papel dos Estados Unidos. Fortalecer o Estado de direito e a justiça independente. Promover integração regional efetiva. Colocar a crise climática no centro das negociações. Incluir sociedade civil, povos indígenas, academia, igrejas, mulheres e juventudes no debate estratégico.
Leia mais
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