O culto floresce e se encontra um jardim litúrgico. Artigo de Gianfranco Ravasi

Foto: Jan Canty/Unsplash

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10 Dezembro 2025

"Poderíamos concluir reconhecendo que os dois lemas populares antitéticos de "Diga com flores" (criado pela Sociedade Americana de Floristas) e o realista, porém cristão, "Não flores, mas obras de bem”, ambos têm espaço cativo no culto católico", escreve Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 07-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Amada por imperadores, bispos e poetas, listada como Patrimônio Mundial da Unesco, a cidade bávara de Bamberg cativa com sua esplêndida catedral medieval de quatro torres — que abriga o túmulo do santo casal Henrique II e Cunegunda e o famoso “Cavaleiro”, uma notável estátua do século XIII — e com seus palácios barrocos e casas de pescadores às margens do rio Regnitz. Outro ponto imperdível é o Michaelsberg, a fortaleza beneditina, agora lar para idosos. Em seu interior, aberta ao público, encontra-se a Igreja de São Miguel. Ao cruzar a soleira, uma imensa extensão de vegetação se revela: as três naves e o transepto são decorados com um herbário de seiscentas espécies de flores, frutos, arbustos e ervas aromáticas, idealmente entrelaçadas com simbolismo ligado à tradição bíblica e espiritual. Assim nasceu a definição de Himmelsgarten, “jardim do céu”. Em homenagem a essa obra-prima, Micaela Soranzo, uma apaixonada estudiosa de arquitetura e iconografia religiosa, implicitamente a adotou como título para seu ensaio original sobre "decoração floral e liturgia". No próprio relato bíblico da criação, a ordem divina é explícita: "Cubra-se a terra de vegetação: plantas que deem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espécies" (Gênesis 1,1). Eis então que a Bíblia se colore com uma espécie de alfabeto verde: acácia, bálsamo, cedro, ervas variadas, figo, trigo, lírio-do-campo, tão caro a Jesus (Mateus 6,28-29), incenso, linho, romã, murta, nardo, cevada e vários vegetais, palmeira, carvalho, amora, arruda, mostarda, sicômoro, terebinto, oliveira, videira e até cizânia (e a lista não está completa).

"Il giardino del cielo: Arredo floreale e liturgia", de Micaela Soranzo (Ancora, 2025).

A atenção de Soranzo se concentra nas flores nas igrejas. Quem não se lembra dos arranjos florais, às vezes de mau gosto, preparados para Celebrações de casamento, sem falar das coroas de flores e dos caixões fúnebres? O que chama a atenção no ensaio é a análise cuidadosa da simbiose, nem sempre correta, entre os lugares e tempos litúrgicos e as decorações florais, levando em consideração também a escassa normativa eclesial sobre o assunto.

Só para exemplificar, pensamos na coroa do Advento, na árvore de Natal, nas palmeirais e oliveiras, nas pétalas derramadas no Pentecostes como as chamas de fogo do Espírito Santo e do florescimento que acompanha os sacramentos.

Um capítulo curioso é dedicado ao uso de flores artificiais, tema que há tempo suscita debates acalorados.

A decoração de altares com flores de plástico é desconcertante, embora caiba mencionar a presença, muito diferente, mas ainda assim problemática, de flores feitas de seda, porcelana, papel, metais preciosos, por vezes obra não só de artesãos, mas também de verdadeiros artistas. Não falta no livro uma sequência fotográfica que revela sugestivas soluções florais destinadas a adornar altares, púlpitos, tabernáculos ou o espaço sagrado. Há uma importante primeira seção no ensaio que reconstrói meticulosamente a entrada das flores na história do culto. Aqui, fica evidente a sensibilidade da autora, que tem em seu background uma constante pesquisa iconográfica religiosa na história da arte. Considere-se que ela realizou nada menos que sete volumes em uma série pela mesma editora milanesa Àncora, sob o título A arte segundo a Bíblia. Afinal, basta folhear o Cântico dos Cânticos para encontrar um catálogo floral capaz de estimular a criatividade figurativa. Mas ainda, a entrada messiânica, salvífica e escatológica consegue fazer o deserto florescer. Em um oráculo divino, o profeta Isaías proclamava: “Plantarei no deserto o cedro, a acácia, e a murta, e a oliveira; porei no ermo juntamente a faia, o pinheiro e o álamo” (41,19).

Para seu mapa diacrônico, Soranzo parte de longe: Egito, Grécia antiga, Roma e os etruscos com o túmulo da “flor de lótus” em Tarquínia, símbolo da ressurreição e da eternidade. A epifania floral cristã começa nas catacumbas, cujos afrescos se abrem para jardins edênicos que evocam o "paraíso", um termo bíblico raro de origem iraniana antiga que se refere a um jardim florido. Em seguida, nos aguardam os mosaicos bizantinos e de Ravena, antes de entrarmos na Alta Idade Média, no período românico e no gótico (a Catedral de Reims ostenta trezentas espécies de vegetais diferentes!). Depois vem o Renascimento com suas árvores, guirlandas e coroas, seguido pelos jardins celestiais do Barroco, e assim por diante até o século XX e à contemporaneidade: curiosa é a interação entre o templo e a vegetação externa através dos vitrais da igreja de Riola (Bolonha), projetada por Alvar Aalto.

A lista compilada pela estudiosa pode parecer uma coleção didática de itens de dicionário. No entanto, é um material precioso para construir alguns modelos simbólicos sagrados e para nos introduzir no jogo espiritual entre o aparato floral e a liturgia, que é a finalidade da seção seguinte do ensaio. Poderíamos concluir reconhecendo que os dois lemas populares antitéticos de "Diga com flores" (criado pela Sociedade Americana de Floristas) e o realista, porém cristão, "Não flores, mas obras de bem”, ambos têm espaço cativo no culto católico.

Referências

Micaela Soranzo, Il Giardino del Cielo, Àncora, 226 páginas, €25

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