A Espiritualidade do Advento. Artigo de Alvim Aran

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25 Novembro 2025

"Maria e José sofreram ao buscar abrigo para Jesus, mas foi um sofrimento passageiro. Nenhuma dor é eterna; porém, para que a esperança se torne realidade, precisamos assumir a espiritualidade da Palavra de Deus

O artigo é de Alvim Aran, filósofo e irmão formado pelo Seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus, em Diamantina MG.

Eis o artigo. 

O termo espiritualidade é rico em significado. Segundo Gustavo Gutiérrez, espiritualidade é viver segundo o Espírito de Deus, isto é, não fugir do mundo, mas entrar nele e assumi-lo à luz da Palavra. A verdadeira espiritualidade não se separa da história, mas a transforma.

Para reforçar essa compreensão, encontramos também o pensamento do padre Ignacio Ellacuría, S.J., assassinado em 1989 em El Salvador, que entendia espiritualidade como encarar a realidade tal como ela é, especialmente a realidade dos pobres e crucificados da história, e lutar por sua ressurreição histórica. Para Ellacuría, espiritualidade não é evasão, mas compromisso concreto com a vida e com a justiça.

Assim, tanto em Gutiérrez quanto em Ellacuría, a espiritualidade é encarnada, histórica, profundamente ligada ao sofrimento do povo e à ação transformadora. Esse horizonte nos introduz no sentido teológico do Advento, palavra que significa chegada. Mas, para nós católicos, trata-se de uma chegada muito particular: celebramos a vinda de Jesus, a Palavra de Deus que faz morada entre nós (cf. Jo 1,14).

Ao assumir a condição humana, a Palavra de Deus abraça toda a nossa realidade material, com suas luzes e sombras, com o que somos capazes de fazer de belo e de terrível. Contudo, ao contrário do que muitos imaginam, Jesus não vem para dominar com força ou julgar com rigidez. Ele vem como servo sofredor (Is 52, 13; 53, 12), não como rei poderoso, mas como mestre que serve, invertendo toda lógica de poder.

O Natal é, portanto, a manifestação de que Deus se coloca do lado dos pobres; por isso, é tempo de esperança, mas de uma esperança ativa, que nos move a trabalhar pelo Reino de Deus agora. O Advento é tempo de preparação: preparar o coração para acolher Aquele que vem e que nos ensina a viver segundo o Reino.

A espiritualidade do Advento é precisamente isso: dispor o coração para a chegada do Deus-Menino, que poderia ter vindo como Senhor dos senhores, mas escolheu vir como pobre, para elevar os humildes e derrubar os poderosos de seus tronos, despedindo os ricos de mãos vazias (cf. Lc 1,52-53). Em outros termos, trata-se de preparar nossa mente e nosso coração para acolher um Deus que se faz pobre e sofredor, para nos ensinar a nos colocar no lugar do outro.

Esse lugar do outro é o lugar da humildade, da compaixão, do serviço. Se Deus, que tudo podia, se esvaziou de si, quem somos nós para querer conquistar o mundo às custas do irmão? Muitas vezes esquecemos essa lógica do Evangelho e passamos por cima do próximo; ignoramos quem não tem o que comer, quem não tem um salário digno para celebrar o Natal, quem dorme nas calçadas, lugares onde Cristo continua tentando nascer.

Maria e José sofreram ao buscar abrigo para Jesus, mas foi um sofrimento passageiro. Nenhuma dor é eterna; porém, para que a esperança se torne realidade, precisamos assumir a espiritualidade da Palavra de Deus. Isso significa colocar-se a serviço e, como ensina Ellacuría, lutar pela ressurreição histórica do povo, isto é, trabalhar para que a vida vença a morte em nossas realidades concretas. Portanto, a espiritualidade do Advento consiste em viver esse tempo como processo de conversão para acolher o Deus que vem, comprometendo-se com os pobres e com a transformação da história.

Liturgicamente, estamos iniciando o Advento, que este tempo nos sirva para reflexão voltada à lógica do Reino de Deus, que possamos refletir nestes quatro domingos de maneira profunda sobre o verdadeiro poder, que não se trata de mandar, mas sim servir, se fazendo pequeno igual a Palavra de Deus se fez, pois como diz Leonardo Boff: Todo menino quer ser homem, todo homem quer ser rei, todo rei quer ser Deus, mas somente Deus quis ser menino.

Referências

GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber no próprio poço: itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes, 1984.

AZEVEDO, Wagner Fernandes. El Salvador e o sangue dos mártires [...]. Instituto Humanitas Unisinos, 2021. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/614469-ignacio-ellacuria-martires-el-salvador-%20jesuitas-uca>. Acesso em: 23 novembro 2025.

ELLACURÍA, Ignacio. Escritos Teológicos: Tomo I. San Salvador, El Salvador: UCA Editores, 2000. Colección Teología Latinoamericana Volumen 25.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.

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