O fracasso da COP30. Artigo de Carlo Petrini

Foto: Cadu Gomes/VPR

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24 Novembro 2025

"No fim, os únicos vencedores da COP30 são, mais uma vez, os lobbies do lucro", escreve Carlo Petrini, em artigo publicado por La Stampa, 23-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Carlo Petrini é fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (Giunti e Slow Food Editore), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre ecologia integral e o destino do planeta.

Eis o artigo.

Enquanto escrevo estas linhas, apesar do atraso de um dia, a COP30 em Belém ainda não terminou. Pelo que vazou das últimas versões da declaração final, a opção mais cautelosa provavelmente prevalecerá. A palavra “saída” dos combustíveis fósseis foi removida do texto e substituída pela mais branda e pouco significativa “afastamento”; aliás, já mencionada na COP de Dubai de dois anos atrás (onde está o progresso, então?). No fim, os únicos vencedores da COP30 são, mais uma vez, os lobbies do lucro. Mas o que eles ganharam senão a sua própria condenação e a nossa? A sua destruição e a nossa?

No que diz respeito à transição justa, a negociação sobre a adaptação foi uma das mais delicadas. Os negociadores trabalham na definição dos indicadores para o Objetivo Global sobre a Adaptação, um passo potencialmente histórico que impactaria a capacidade concreta dos países de desenvolver sistemas de proteção, prevenção e resiliência. Mas, sem recursos adequados, tudo corre o risco de se transformar em mais um exercício burocrático: uma lista de métricas inaplicáveis. O mesmo se aplica ao fundo para perdas e danos que, com sua atual alocação de 70 milhões de dólares, continua bem distante da escala necessária (os danos causados pelo recente furacão Melissa na Jamaica foram superiores a isso).

Os recursos faltam não por escassez, mas acima de tudo pelas profundas distorções que assolam as negociações. Basta dizer que um em cada 25 participantes era representante do mundo da indústria. Estamos falando de 1.600 pessoas do setor de combustíveis fósseis e 300 do agronegócio; números que superam em muito o número de delegados de quase todos os países presentes. Deve-se dizer que sua participação não é ilegítima, mas é desproporcional e influenciou os processos de negociação, sujeitando-os a interesses particulares em vez da busca pelo bem comum.

No que diz respeito à questão alimentar, o pavilhão "Agrizone" é um excelente exemplo disso. Patrocinado pelos gigantes do agronegócio como Bayer, Syngenta e Nestlé, foi um palco de greenwashing, que celebrou uma falsa agricultura sustentável. Digo isso porque, no Brasil, seu modelo industrial é responsável por 74% das emissões nacionais de CO2 e causa desmatamento, poluição e erosão do solo devido a pesticidas, conflitos por grilagem de terras — muitas vezes pertencentes a comunidades indígenas — e perda de biodiversidade causada pelas monoculturas destrutivas.

Além disso, há uma proposta perigosa relançada em Belém, também apoiada pelo governo italiano: quadruplicar a produção de biocombustíveis até 2035. Como 90% dos biocombustíveis provêm de culturas alimentares, um aumento exacerbaria a competição entre alimentos e energia, em um mundo ainda assolado pela praga da fome e pela instabilidade dos preços agrícolas. Além do citado acima (em negativo), a questão alimentar mais uma vez não encontrou o espaço que merece na mesa de negociações.

O percurso sobre agricultura e segurança alimentar, iniciado em Sharm el-Sheikh, foi adiado; não se tratou de soberania alimentar, nem foi abordada a ligação entre esse setor e a crise climática, da qual é simultaneamente vítima e carrasco. Uma grave lacuna tornada ainda mais evidente pelos dados do relatório da FAO publicado durante a COP. Nos últimos trinta anos, os eventos climáticos extremos causaram perdas de 3,2 bilhões de dólares ao setor agrícola. Em termos anuais, equivale a 4% do PIB alimentar global, que se desmaterializa devido a ondas de calor, secas, inundações e pragas. A África, e sobretudo a Ásia, são os continentes que sofrem os maiores danos e, infelizmente, são também aqueles que apresentam as taxas mais elevadas de pessoas que sofrem de fome.

Se quisermos encontrar algo que nos dê um vislumbre de esperança, a COP30 ofereceu um ensejo positivo: no Rio de Janeiro, 300 líderes nacionais, principalmente prefeitos e governadores, debateram o papel crucial das cidades no desafio climático. Atualmente, mais de metade da população mundial vive em áreas urbanas, responsáveis por dois terços das emissões, mas justamente as metrópoles estão mostrando o caminho.

Londres, com a zona de emissões zero, melhorou drasticamente a qualidade do ar e, em breve, outras 30 cidades ao redor do mundo replicarão o modelo.

Paris tornou obrigatório o uso de alimentos orgânicos e locais em compras públicas para construir um sistema alimentar mais sustentável.

A Cidade do Cabo reduziu pela metade seu consumo de água com um programa ambicioso que também inclui reparos gratuitos na rede de distribuição de água para famílias de baixa renda.

De acordo com a rede C40, as cidades estão reduzindo as emissões per capita cinco vezes mais rápido do que os estados, demonstrando que a transformação é possível e mensurável, e passa pela mudança dos comportamentos.

A inovação tecnológica, adorada pelos líderes nacionais, sozinha não é suficiente. É necessário construir um novo paradigma de vida neste planeta. Sem ele, nenhuma mitigação, financiamento ou adaptação poderão sustentá-lo. Isso não significa negar o progresso alcançado, mas sim reordenar as prioridades. De uma sociedade centrada na economia para uma que coloque o bem-estar no centro.

Líderes indígenas, guiados por sua cosmovisão, novamente relembraram o conceito de saúde planetária em Belém: não existe saúde humana sem ecossistemas saudáveis. Proteger a saúde do planeta não é um gesto altruísta radical chique, mas sim a única opção que temos para garantir a nossa sobrevivência como espécie humana. Ao não compreendermos isso, insistindo em acordo mais brandos, estamos cavando nossa própria sepultura.

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