Koelemeijer "Mística e livre, vou lhes apresentar a verdadeira Etty Hillesum". Entrevista com Judith Koelemeijer

Mais Lidos

  • Lira mensageira. Drummond e o grupo modernistamineiro é o mais recente livro de um dos principais pesquisadores da cultura no Brasil

    Drummond e o modernismo mineiro. A incontornável relação entre as elites políticas e os intelectuais modernistas. Entrevista especial com Sergio Miceli

    LER MAIS
  • Nova carta apostólica do Papa Leão é publicada

    LER MAIS
  • Esquerda vai às ruas no domingo (14) contra PL da Dosimetria, que beneficia golpistas do 8 de janeiro; veja lista de atos

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

13 Dezembro 2025

Para Judith Koelemeijer, é natural falar de Etty Hillesum como uma amiga perdida. Isso acontece com muitos que conhecem o extraordinário diário dessa judia holandesa que foi morta com apenas 29 anos em Auschwitz: um testemunho de vida, mas também uma reflexão filosófica sobre as razões do amor e sobre a descoberta de Deus, que continua a conquistar leitores desde sua publicação (na Itália, na década de 1990, pela editora Adelphi).

A entrevista é de Lara Crinò, publicada por La Repubblica, 14-11-2025.

Mas Koelemeijer hoje conhece Hillesum muito melhor do que ninguém. Porque a escritora e jornalista holandesa, que está chegando à Itália, dedicou-lhe uma biografia monumental, intitulada Etty Hillesum: Il racconto della sua vita (A história de sua vida). Fruto de anos de pesquisa, que a levaram não apenas aos arquivos de toda a Holanda, mas também ao redor do mundo, lhe revelou que os amigos de Etty que sobreviveram à guerra, judeus e não judeus, jamais a esqueceram: muitos preservaram suas cartas e fotografias por toda a vida, que mais tarde foram repassadas a seus descendentes. Fragmentos redescobertos que, nas páginas de Koelemeijer, criam um retrato mais nítido de Etty, capaz de nos falar de vida, esperança e amor, mesmo nos momentos de mais profundo desespero.

Eis a entrevista.

Hillesum tem muitos leitores na Itália. Às vezes, porém, prevalece uma visão idealizada dela, como a de uma espécie de santa leiga morta no campo de concentração. Não sabem quem ela era antes da guerra, nem como sua obra sobreviveu. Você parte justamente da imagem de seus cadernos trancados em uma gaveta. Como foi?

Em 1943, Etty entregou seu diário a Maria Tuinzing, uma amiga que morava na mesma casa. Disse-lhe que, caso não retornasse de Westerbork, o campo de trânsito onde havia sido mantida anteriormente, deveria guardá-lo e entregá-lo a outro amigo, o escritor Klaas Smelik. Maria atendeu ao pedido, mas Smelik não conseguiu encontrar uma editora após a guerra.

Livro "Etty Hillesum: Il racconto della sua vita" de Judith Koelemeijer

Algo semelhante, como deve saber, também aconteceu com Primo Levi.

Naquela época, o público não estava preparado: havia espaço apenas para uma narrativa simples, com os bons de um lado e os maus do outro. Não para a complexidade de Hillesum, que escreveu que o ódio, mesmo contra os alemães, não era correto. Foi o filho do escritor, também chamado Klaas, quem contatou o editor Jan Geurt Gaarlandt. Gaarlandt estudou teologia e se interessou exatamente pelo aspecto filosófico dos escritos de Hillesum, assim decidiu publicar o Diário em 1981. Foi ele quem me pediu para escrever a biografia de Etty em 2012, porque percebeu que ainda havia muitas perguntas sem resposta.

Você já conhecia Hillesum?

Como estudante, li o Diário, que se tornou muito popular após sua primeira publicação na Holanda, na década de 1980. Me identifiquei com seu desejo de se tornar escritora, com sua vida sentimental turbulenta. Me senti extremamente próxima dela, mesmo que ela tenha vivido em outra época e em circunstâncias tão trágicas. Quando recebi a incumbência de escrever a biografia, tomei nas mãos o Diário novamente. E foi interessante, porque, como uma jovem da mesma idade que Etty, quando o li pela primeira vez, pensei que entendia tudo. Mas agora eu estava muito mais velha e tinha muito mais perguntas. Havia muitas coisas que eu não entendia.

É interessante: relendo-a, a escrita de Hillesum se tornava mais obscura em vez de mais clara?

Sim. Havia questões de tipo factual. Quem era a mãe russa de Etty? Ninguém nunca havia tentado entender. Quem eram seus amigos, um grupo de jovens antifascistas de esquerda? E, em um nível espiritual, uma pergunta mais difícil de responder: por que ela não se escondeu? Por que essa dedicação à ideia de compartilhar o destino de seu povo, quando havia recebido várias ofertas para se salvar?

Hillesum era leiga, morava longe da família e tinha dois amores: um por um homem judeu e outro por um não judeu. Mas, no fim, escolheu se devotar ao seu povo perseguido. Por quê?

Em seu diário, Etty não expressa nenhuma ligação com a religião ou as tradições judaicas. Mas minha hipótese é que na realidade ela se sentia extremamente ligada à sua infância, à fé de sua mãe, que fugira dos pogroms na Rússia, e de seu pai, que vinha do coração da comunidade judaica de Amsterdã. Sob a pressão das circunstâncias, por causa dos nazistas, ela se reconectou com suas origens judaicas.

Às vezes, surge a tentação de comparar sua história à de Anne Frank. Ambas judias, ambas viveram em Amsterdã, ambas vítimas do Holocausto.

A semelhança reside no fato de terem escrito um diário, mas há muitas diferenças. Etty era uma mulher, não uma menina. E além disso, decidiu não se esconder, mas estar entre as pessoas o máximo de tempo possível. Trabalhava para o Conselho Judaico e viajavam frequentemente para o campo de Westerbork. Anne e Etty têm em comum a enorme necessidade de escrever para se manterem em contato com a realidade e consigo mesmas em um momento muito ameaçador. Elas querem se analisar, crescer, acompanhar seu desenvolvimento interior e também se expressar como escritoras.

Tanto Anne quanto Etty são muito livres espiritualmente.

Elas eram ávidas leitoras e decidiram se tornar o tema do que escreviam, algo raro antes do século XX. Hillesum, sendo uma mulher adulta, é consciente de si, muito liberal em nível erótico, sem complexos nem sentimentos de culpa. Muito fiel a si mesma. Seu círculo de amigos, nas décadas de 1930 e 1940 em Amsterdã, era uma espécie de subcultura. As mulheres eram politicamente engajadas, colaborando com seus amigos homens em todos os tipos de protestos e reuniões políticas. Uma subcultura um tanto esquecida após a guerra, que descobri ao pesquisar sobre a sua vida.

O que mais lhe surpreendeu em Etty nessa longa jornada?

Descobrir que ela vinha de uma família problemática, seus irmãos tinham problemas mentais e que, antes da guerra, ela própria era insegura e um pouco neurótica. Não conseguiu terminar os estudos e não se sentia em casa em lugar nenhum. Mesmo assim, paradoxalmente, durante a tragédia do nazismo, Etty se torna Etty. E isso lhe permite suportar uma situação pavorosa.

É por isso que seu "Diário" continua sendo tão atual?

Muitas pessoas falam da liberdade interior de Hillesum como se fosse algo natural. Eu quis contar, em vez disso, como a vida dela foi uma luta para alcançar essa liberdade. E como isso explica as decisões que ela tomou, justamente por estar em paz consigo mesma. O que há de mais atual do que isso, descobrir como um ser humano se tornou plenamente consciente de suas próprias capacidades, mostrando-nos que sempre temos a possibilidade de escolher quem queremos ser?

Leia mais