07 Novembro 2025
Discurso surpreende e dá o primeiro passo para que a conferência proponha um mapa do caminho para o fim de petróleo, gás e carvão.
A informação é publicada por ClimaInfo, 07-11-2025.
Dias após o Ibama liberar, sob muita pressão do governo federal, a licença ambiental para perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas à Petrobras, o presidente Lula fez um discurso digno de uma liderança que faria exatamente o oposto do que foi feito pela sua gestão. Na abertura da Cúpula de Líderes da COP30 em Belém (PA) na 5ª feira (6/11), o presidente surpreendeu ao “tocar na ferida” da necessidade de se eliminar petróleo, gás fóssil e carvão.
“Belém honrará os legados das COP28 e 29. Acelerar a transição energética e proteger a Natureza são as duas maneiras mais efetivas de conter o aquecimento global. Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, disse Lula.
As palavras de Lula reforçam a contradição que o governo brasileiro resolveu abraçar ao liberar a licença do bloco FZA-M-59 na véspera da COP30. Não é novidade que o presidente Lula defende a exploração de combustíveis fósseis na Foz do Amazonas, ainda que sempre faça ressalvas que será feita “com respeito ao meio ambiente”. Mas a decisão, tomada a cerca de 20 dias da COP30, causou mal-estar entre ambientalistas e grupos indígenas, contrários ao projeto.
Lula admite as “dificuldades e contradições” do Brasil [mas não só dele] sobre o tema. No entanto, o presidente destaca que é preciso encarar que a urgência climática exige ação dos países. E a elaboração de um “Mapa do Caminho” para o fim dos combustíveis fósseis, nos moldes do que as presidências das COP29 e 30 fizeram para o financiamento climático, pode ser o início dessa empreitada.
“Em seu discurso, o presidente Lula afirmou que precisamos de um mapa do caminho para acabar com o desmatamento e o uso dos combustíveis fósseis. É exatamente do que precisamos e é exatamente o que esperamos que a presidência da conferência coloque como proposta sobre a mesa. O sucesso da COP30 se dará ao transformar as palavras do presidente brasileiro em resolução final”, disse o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, à Agência Brasil.
Com um discurso forte e, em alguns momentos, tocante, avalia Giovana Girardi na Agência Pública, Lula repetiu algumas expressões que ele já tinha usado há dois anos na COP28, em Dubai, e endossou o que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem defendendo veementemente como objetivo principal para Belém. Para chefes de Estado e de governo de mais de 50 países presentes na cúpula, Lula disse que as falas deles precisam ser uma bússola para os negociadores da conferência.
Apesar da sinalização positiva, Daniela Chiaretti lembra no Valor que na concepção dos países produtores de petróleo – e o Brasil é um deles -, a transição energética mencionada por Lula em seu discurso se tornou um conceito elástico, no qual cabe tudo. “É com recursos do petróleo, dizem, que vai se ‘pavimentar’ a transição. A ver, porque, até agora, não tem sido assim”, como já mostrou um levantamento de Shigueo Watanabe Jr., físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do ClimaInfo.
A proposição de um “Mapa do Caminho” para o fim dos combustíveis fósseis na COP30 estava no radar do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da presidência da Conferência. A proposta foi lembrada pelo secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, poucas horas antes do discurso de Lula – que, com seu discurso, deu um sinal verde para tratar do tema nos debates.
Giovana Girardi ressalta que o Brasil pode não estar discutindo o transitioning away proposto na COP28, mas nenhum país produtor de combustíveis fósseis o está. Mas se as nações, coletivamente, concordarem em estabelecer um roteiro para o abandono, “até as forças de mercado começam a se ajustar”.
Até porque, como pontuou o secretário-geral da ONU, António Guterres, o fim da era dos combustíveis fósseis está decretado. Se não pela urgência climática do planeta, pela própria lógica econômica, como disse em seu discurso na Cúpula de Líderes, destacado pelo Valor.
“Investir em combustíveis fósseis é apostar contra a Humanidade – e contra suas próprias economias. Isso não é apenas míope. É autodestrutivo”, reforçou Guterres.
Os discursos de Lula e Guterres na abertura da Cúpula de Líderes da COP30 foram noticiados por UOL, Capital Reset, Folha, Estadão, Projeto Colabora, Agência Brasil, Veja e g1, entre outros veículos.
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