04 Novembro 2025
Uma equipe científica conseguiu empilhar 41 camadas de semicondutores, multiplicando a densidade dos circuitos por seis, sem precisar reduzi-los.
A reportagem é de Patrícia Fernández de Lis, publicada por El País, 04-11-2025
Durante décadas, o progresso da eletrônica seguiu uma regra simples: menor é melhor. Desde a década de 1960, cada nova geração de chips tem compactado mais transistores em menos espaço, cumprindo a famosa Lei de Moore. Formulada pelo cofundador da Intel, Gordon Moore, em 1965, essa lei previa que o número de componentes em um microchip dobraria aproximadamente a cada ano. Mas essa corrida para o minúsculo está atingindo seus limites físicos. Agora, uma equipe internacional de cientistas propõe uma solução tão óbvia quanto revolucionária: se não podemos continuar reduzindo o tamanho dos chips, vamos aumentá-los.
Xiaohang Li, pesquisador da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (KAUST) na Arábia Saudita, e sua equipe projetaram um chip com 41 camadas verticais de semicondutores e materiais isolantes, aproximadamente dez vezes mais do que qualquer chip fabricado anteriormente. O trabalho, publicado recentemente na revista Nature Electronics, não só representa um marco técnico, como também abre caminho para uma nova geração de dispositivos eletrônicos flexíveis, eficientes e sustentáveis.
“Ter seis ou mais camadas de transistores empilhadas verticalmente nos permite aumentar a densidade do circuito sem diminuir o tamanho lateral dos dispositivos”, explica Li. “Com seis camadas, podemos integrar 600% mais funções lógicas na mesma área do que com uma única camada, alcançando maior desempenho e menor consumo de energia.”
A Lei de Moore começou a perder sua validade por volta de 2010 , quando os fabricantes de chips se depararam com as leis da física. Os transistores atuais têm apenas alguns nanômetros de largura, tão pequenos que os efeitos quânticos começam a interferir em seu funcionamento. “A Lei de Moore está atingindo seus limites físicos na microeletrônica de silício tradicional, mas a inovação continua em novas direções. Em vez de continuarmos a miniaturizar os transistores, estamos explorando novos materiais, novas arquiteturas e novas possibilidades, como o empilhamento”, afirma Li.
Arranha-céus de transistores
Para entender o desafio técnico enfrentado por sua equipe, Li usa uma metáfora arquitetônica: “Pense em cada camada de transistores como o andar de um arranha-céu. Se um andar for irregular, todo o prédio fica instável.” A chave para o sucesso do experimento foi dominar o que eles chamam de “rugosidade da interface”: qualquer pequena imperfeição entre as camadas pode interromper o fluxo de elétrons e reduzir drasticamente o desempenho do chip.
A inovação fundamental foi o desenvolvimento de estratégias de fabricação completamente novas. Um ponto crucial foi garantir que todas as camadas fossem depositadas à temperatura ambiente ou próxima dela, protegendo assim as camadas já fabricadas abaixo. Essa fabricação em baixa temperatura não é um mero detalhe técnico. "A maioria dos materiais flexíveis ou orgânicos não suporta altas temperaturas", explica Li. "Os processos tradicionais de semicondutores frequentemente ultrapassam os 400 °C, o que derreteria ou deformaria esses materiais", acrescenta. Manter todo o processo próximo à temperatura ambiente permite o uso de substratos de plástico ou polímero, abrindo caminho para a eletrônica flexível do futuro.
Para demonstrar a viabilidade do projeto, a equipe fabricou 600 cópias do chip, todas com desempenho semelhante. Os pesquisadores usaram esses chips empilhados para implementar operações básicas, alcançando desempenho comparável ao de chips tradicionais não empilhados, mas com consumo de energia significativamente menor: apenas 0,47 microwatts, em comparação com os típicos 210 microwatts dos dispositivos de última geração.
Primeiras aplicações
Onde veremos essa tecnologia pela primeira vez? Li se mostra otimista, mas realista: “As primeiras aplicações provavelmente serão sensores de saúde vestíveis, etiquetas inteligentes e telas flexíveis, onde o baixo consumo de energia e a flexibilidade mecânica são cruciais”. A longo prazo, a equipe vislumbra superfícies computacionais de grande área — essencialmente “peles eletrônicas” capazes de detectar, processar e se comunicar através de objetos ou estruturas inteiras. Embora esses novos chips provavelmente não alimentem supercomputadores, seu uso em dispositivos como eletrodomésticos poderia reduzir significativamente a pegada de carbono da indústria eletrônica.
“Os circuitos que desenvolvemos são projetados para esses sistemas, onde a flexibilidade mecânica, o baixo custo e a escalabilidade importam mais do que a velocidade extrema”, explica Li. O pesquisador acredita que sua pesquisa abre uma nova porta na computação: “Ela mostra que a escalabilidade de desempenho pode continuar, não apenas tornando os dispositivos menores, mas também integrando-os de forma mais inteligente e eficiente em três dimensões”.
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