Desde o início do novo século, a mineração informal tem crescido em diversas regiões do Peru, gerando grandes custos ambientais e sociais. No entanto, esse rótulo pode obscurecer a existência de realidades muito heterogêneas — que vão desde pessoas que buscam na mineração artesanal um alívio para sua situação econômica até máfias organizadas que controlam territórios. As tentativas de criar registros diferenciados, com o objetivo de separar o que é informal do que é diretamente ilegal e de formalizar a atividade, até agora não tiveram êxito.
O artigo é de Alicia Abanto, Aldo Santos e Paulo Vilca, publicado por Nueva Sociedad, set./out. 2025.
Alicia Abanto é docente na Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP). Atuou como defensora adjunta para o Meio Ambiente e os Povos Indígenas na Defensoria do Povo. Formou-se em Ciências Políticas.
Aldo Santos foi assessor parlamentar e consultor da Presidência do Conselho de Ministros em assuntos relacionados à pequena mineração e à mineração artesanal.
Paulo Vilca é pesquisador do Instituto de Estudos Peruanos (IEP). Foi vice-ministro de Governança Territorial da Presidência do Conselho de Ministros.
A mineração de pequena escala no Peru constitui um campo complexo e diverso que, progressivamente, se transformou em um dos maiores problemas políticos do país. Nos últimos anos, tem sido amplamente englobada no conjunto das economias ilegais, sendo equiparada ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas e ao desmatamento. Isso deu origem a campanhas midiáticas contra esse tipo de mineração, que buscam sua erradicação total — não apenas por seus evidentes impactos ambientais e sociais, mas também pelo risco que representa para o desenvolvimento das atividades das grandes empresas extrativas, cujas operações são prejudicadas pela crescente presença de mineradores informais, ilegais e criminosos [1]. Soma-se a isso uma preocupação cada vez mais difundida quanto à influência desses atores nas decisões do Estado: são frequentes as denúncias de suposto financiamento proveniente da mineração ilegal a certos atores políticos, em um contexto de forte deterioração democrática.
Embora em diversas regiões essa atividade funcione por meio de mecanismos semelhantes aos de outras economias ilícitas, é necessário evitar generalizações. Nem todos os mineradores cometem delitos nem atuam como organizações criminosas, e sua influência política não pode ser explicada apenas pelo financiamento. Essa visão reducionista invisibiliza a diversidade de atores, trajetórias e condições que configuram esse tipo de mineração, além de dificultar a implementação de políticas públicas eficazes.
Por outro lado, é inegável que grande parte da responsabilidade recai sobre o próprio Estado peruano, que tem atuado de forma errática e incoerente diante desse problema. As reformas fracassadas de 2012, 2016, 2020 e 2023, que buscavam avançar no processo de formalização, reduziram a já escassa credibilidade dos diferentes governos e também evidenciaram o frágil compromisso estatal com uma formalização coerente, contínua e justa de um setor visto com desconfiança pelo establishment econômico.
Neste artigo, apresentamos as diversas facetas da mineração de pequena escala, mostrando que se trata de uma realidade extremamente heterogênea, que se torna mais complexa com o passar do tempo e vem ganhando espaços de poder político. Além disso, argumentamos que o Estado peruano desenhou e implementou um processo de formalização que, além de ineficaz e contraproducente para os objetivos de inclusão, sustentabilidade e legalidade, gerou um status quo que facilita a continuidade e o crescimento de atividades mineradoras sem controle, criando um cenário propício à entrada de organizações criminosas. Por fim, sustentamos que o agravamento dessa problemática exige o estabelecimento de uma nova classificação que permita ao Estado desenhar respostas diferenciadas.
Embora a definição legal da mineração de pequena escala possa parecer clara, a realidade nos convida a questionar os aspectos ocultos dessa atividade que fazem vacilar as políticas implementadas até o momento. Ainda que exista consenso sobre a urgência de formalizar e ordenar as atividades mineradoras, os verdadeiros nós críticos surgem ao se examinar de perto as diferenças entre as formas de extração, processamento, transporte e comercialização dos minerais. Cada um desses aspectos apresenta particularidades técnicas, sociais e ambientais que não podem ser abordadas com soluções uniformes ou políticas de “tamanho único”. Somente uma análise minuciosa dessas dimensões permite desenhar políticas públicas coerentes e eficazes, capazes de equilibrar a sustentabilidade ambiental com a inclusão social e a viabilidade econômica dos pequenos produtores.
No Peru, a exploração mineral — especialmente a do ouro — se desenvolve sobre dois grandes tipos de jazidas, com características geológicas, técnicas e ambientais claramente diferenciadas: a mineração filoniana (também chamada de mineração subterrânea) e a mineração de aluvião. Essa distinção determina também o tipo de maquinário utilizado, o nível de impacto ambiental e o marco normativo aplicável.
A mineração filoniana se concentra em zonas montanhosas, principalmente na região andina, onde o ouro se encontra incrustado em veios subterrâneos [2]. Para extraí-lo, é necessário escavar túneis, galerias e chaminés que sigam a direção da veta mineral, o que torna essa uma atividade de subsolo, vertical e tecnicamente complexa [3]. O mineral extraído precisa ser triturado e processado com técnicas industriais, como a flotação ou a cianetação, que, se não forem geridas adequadamente, podem gerar graves impactos ambientais, como a drenagem ácida da mina. Por isso, esse tipo de mineração requer alta especialização técnica e um controle ambiental mais rigoroso.
Em contraste, a mineração aluvial ocorre sobre depósitos superficiais de ouro que foram transportados por processos de erosão das zonas altas para as áreas baixas. O mineral se acumula em leitos de rios, margens e planícies aluviais, formando jazidas rasas — geralmente entre 0 e 50 metros de profundidade —, onde o ouro se encontra disperso em camadas de cascalho, areia ou barro. Essa mineração é superficial e extensiva, caracterizada pela remoção massiva de sedimentos com o uso de maquinário pesado, como retroescavadeiras, dragas de sucção e motobombas [4]. Para recuperar o ouro, utiliza-se com frequência o mercúrio, o que causa graves consequências ecológicas nos solos, corpos d’água e ecossistemas circundantes. Essa forma de mineração predomina nas planícies amazônicas e costuma ter um raio de impacto muito maior, com efeitos cumulativos sobre rios, florestas e territórios indígenas [5].
A diferença geológica e operacional é fundamental para compreender as dinâmicas extrativas do país, assim como para desenhar políticas públicas diferenciadas que respondam aos riscos e desafios específicos de cada tipo de mineração.
A mineração de pequena escala tem experimentado um crescimento contínuo no Peru nas últimas duas décadas, impulsionada pela alta do preço do ouro, pela fragilidade institucional e pela falta de alternativas econômicas em várias regiões do país. No entanto, esse fenômeno não se manifesta de forma homogênea: sua dinâmica varia significativamente de acordo com o contexto geográfico, ecológico e social de cada região [6]. Compreender essas diferenças territoriais é essencial para identificar padrões que expliquem o aumento da atividade e para desenhar respostas diferenciadas no âmbito das políticas públicas. A seguir, são descritas as características mais relevantes em sete regiões emblemáticas:
a) Madre de Dios: nesta região predomina a mineração aluvial de ouro em plena floresta amazônica. Milhares de mineradores, muitos deles migrantes de outras regiões, extraem ouro dos leitos dos rios e de áreas de floresta úmida tropical. É a região mais representativa da mineração ilegal no país: vastas áreas desmatadas e corpos d’água contaminados por mercúrio evidenciam o impacto ambiental. A quase total ausência do Estado em zonas como La Pampa — próxima à Reserva Nacional Tambopata — permitiu a proliferação de acampamentos ilegais controlados por máfias [7]. A atividade está frequentemente vinculada a crimes conexos, como tráfico de pessoas, contrabando de combustível e comércio ilegal de insumos químicos. A dinâmica reflete uma “febre do ouro” recente, com enclaves surgidos desde a década de 2000 [8].
b) Puno: trata-se de uma região andina com longa tradição mineradora. Destaca-se La Rinconada, o assentamento minerador permanente mais alto do mundo, onde milhares de pessoas extraem ouro de forma informal em veios de rocha e gelo. A mineração em Puno é majoritariamente subterrânea: os mineradores perfuram as rochas das montanhas em busca de veios auríferos e processam o mineral em moinhos locais, combinando técnicas artesanais, como o uso de quimbaletes, com o uso ocasional de mercúrio. Embora também exista mineração aluvial em algumas bacias altoandinas — como o rio Ramis ou as planícies glaciais de Ananea —, o ícone regional continua sendo La Rinconada. Ali imperam condições extremas: informalidade laboral, temperaturas abaixo de zero e escassa presença estatal. Puno já havia sido identificada no início do século como uma das quatro principais zonas de mineração aurífera informal, junto a Madre de Dios, La Libertad e o Sul Médio [9]. Há registros de exploração laboral e contaminação hídrica, ainda que sem os níveis de violência criminosa observados em outras regiões.
c) Arequipa e Ica: em províncias como Caravelí e em zonas como Nasca e Palpa, há uma longa tradição de pequena mineração filoniana no deserto costeiro e na serra baixa. Muitas pessoas já praticavam essa atividade antes mesmo da chegada das empresas formais. É comum encontrar mineradores em processo de formalização operando em concessões alheias. Arequipa é uma das regiões com maior número de inscritos no Registro Integral de Formalização Mineira (Reinfo), o que demonstra a vontade de legalização por parte de muitos atores. A mineração informal convive com empresas médias em meio a diversas tensões: em 2022, um conflito por jazidas em Atico, Caravelí, resultou em episódios de violência com várias mortes [10]. Apesar disso, grande parte dos mineradores da região busca a formalização.
d) La Libertad: na serra liberteña, especialmente em províncias como Pataz, predomina a mineração aurífera subterrânea. As vetas de alto valor atraíram historicamente pequenos mineradores, mas, mais recentemente, também chamaram a atenção de grupos criminosos interessados em controlar a extração e a comercialização do ouro [11]. A atividade combina operações formais com uma multidão de mineradores informais e ilegais nos arredores. Nos últimos anos, Pataz tem sido palco de uma escalada de violência ligada ao crime organizado. Máfias como Los Buitres de Pataz, Los Pulpos e La Jauría se passam por mineradores artesanais — chegando inclusive a se registrar no Reinfo —, mas operam redes criminosas que controlam enclaves mineradores por meio de extorsão, assassinatos por encomenda e tráfico de ouro. O assassinato de 13 trabalhadores mineradores em 2025 evidenciou a gravidade da situação. La Libertad exemplifica como uma zona de mineração informal de longa data pode se converter em foco de criminalidade quando o Estado é frágil.
e) Amazonas: nessa região do norte do país, a mineração aurífera não era tradicional, mas, na última década, surgiram enclaves ilegais em rios fronteiriços e áreas remotas. Nas bacias dos rios Cenepa e Santiago — território ancestral dos povos awajún e wampís — instalaram-se mineradores ilegais provenientes de outras regiões e, em alguns casos, do Equador, para extrair ouro dos rios. Essa atividade tem causado graves impactos, contaminando corpos d’água e ameaçando áreas protegidas como o Parque Nacional Ichigkat Muja e a Reserva Comunal Tuntanain. Diante da inação estatal, as próprias comunidades indígenas organizaram ações de defesa territorial, incluindo a destruição de dragas [12]. Diferentemente de Puno ou Arequipa, onde as comunidades locais às vezes participam da mineração, em Amazonas muitas comunidades se opõem ativamente à invasão externa. Esse caso evidencia que a mineração ilegal na Amazônia não apenas causa danos ecológicos, mas também viola direitos coletivos e ameaça a segurança dos povos indígenas.
f) Loreto: segundo relatório do Natural Resource Governance Institute (NRGI), a mineração nesta região é predominantemente ilegal, com operações auríferas aluviais desenvolvidas em áreas proibidas, como territórios indígenas, áreas naturais protegidas e leitos de rios. Ao contrário de outras regiões, não há coexistência com mineração formal ou informal, o que facilita sua identificação, mas também exige respostas estatais mais firmes. O estudo revela a presença de redes criminosas que financiam, protegem e controlam essas atividades, criando cenários de captura territorial e de governança paralela [13].
Desde 2012, o Estado peruano introduziu uma diferenciação normativa explícita entre mineração informal e mineração ilegal, como parte de uma política pública voltada a ordenar o setor extrativo de pequena escala. Essa distinção foi estabelecida pelo Decreto Legislativo nº 1105, que definiu duas categorias com implicações jurídicas distintas: por um lado, criou-se um procedimento administrativo para a formalização progressiva da mineração informal; por outro, estabeleceu-se um marco legal para a persecução penal da chamada mineração ilegal. Essa separação buscava evitar a criminalização indiscriminada de milhares de mineradores artesanais e, ao mesmo tempo, sancionar com firmeza as atividades extrativas que violavam gravemente as normas ambientais, territoriais e de segurança.
Sob essa perspectiva, a mineração informal refere-se principalmente à mineração artesanal e de pequena escala que opera em zonas permitidas para a extração de minerais, mas que não cumpre integralmente as exigências legais. É praticada por mineradores que iniciaram um processo de formalização junto ao Estado — por exemplo, mediante inscrição em um registro —, mas que ainda não possuem todos os documentos ou autorizações exigidos pela legislação vigente. Esse tipo de mineração utiliza maquinário compatível com sua pequena escala, como motobombas, moinhos e ferramentas manuais, e não é considerada crime, mas sim uma infração administrativa [14]. Seu perfil é predominantemente econômico e de subsistência, com alta dependência da atividade extrativa.
Em contraste, a mineração ilegal é aquela que opera em zonas onde a atividade está expressamente proibida por lei — como corpos d’água (rios, igarapés), áreas naturais protegidas, reservas indígenas ou zonas urbanas —, ou que utiliza maquinário e insumos não autorizados para a mineração de pequena escala. Exemplos típicos são o uso de dragas em rios, retroescavadeiras em áreas proibidas ou o uso indiscriminado de mercúrio. Essas práticas não apenas violam a legislação minerária, como também configuram crimes ambientais, podendo estar associadas a redes criminosas [15]. Os operadores ilegais não podem se inscrever em nenhum processo de formalização nem obter autorização administrativa para exercer atividades extrativas. Por isso, a lei os considera “delinquentes ambientais”, sujeitos a operações de interdição (erradicação) e a penas de prisão que variam de quatro a oito anos, conforme o tipo de dano causado e a reincidência.
Além dessas categorias, o crescimento contínuo da mineração tem sido acompanhado por um fenômeno alarmante: a maior presença do crime organizado nas zonas de extração de ouro. Em regiões como La Libertad, Madre de Dios, Loreto e Amazonas, foi documentada a presença de redes criminosas que não apenas financiam as operações ilegais, mas também controlam circuitos de comercialização ilícita, exercem domínio territorial e se articulam com outras economias criminais, como o narcotráfico, o tráfico de pessoas e a lavagem de dinheiro, entre outras. Essa convergência transformou operações antes informais ou ilegais em uma mineração abertamente criminosa, que atua como vetor de violência, corrupção e desagregação institucional, gerando cenários de alta conflitividade e risco para as populações locais.
Além disso, ao contrário da mineração informal, esses atores não buscam se regularizar nem operar dentro da lei — seu objetivo é maximizar lucros por meio da violência, intimidação e corrupção.
Em várias regiões, as comunidades locais enfrentam ameaças diretas à sua integridade, aos seus meios de subsistência e à sua autonomia, em razão da presença de atores com lógicas extrativas radicalmente distintas. Dentro desse universo minerador coexistem perfis que é fundamental diferenciar: de um lado, as máfias criminosas ligadas à mineração ilegal; de outro, as comunidades locais ou mineiros tradicionais que praticam a mineração artesanal.
As máfias mineradoras são organizações criminosas que financiam e controlam operações extrativas à margem da lei. Sua atuação se caracteriza pelo uso sistemático da violência, pela corrupção institucional e por uma logística sofisticada que lhes permite se apoderar de territórios ricos em minerais. Um exemplo são as redes criminosas presentes em Pataz (La Libertad), onde grupos como Los Buitres ou La Jauría empregaram pistoleiros armados, extorquiram mineiros locais e até enfrentaram abertamente as forças de segurança. Seu objetivo é lucrar rapidamente com o ouro, sem se importar com os custos sociais, ambientais ou humanos, e costumam estar relacionadas a outras economias ilegais, como a lavagem de dinheiro, o tráfico de insumos químicos e o contrabando de combustível.
Essas redes criminosas aproveitam lacunas legais e fragilidades institucionais para operar com impunidade. Em muitos casos, inscrevem-se fraudulentamente em registros de formalização, como o Reinfo, simulando ser mineiros artesanais para escapar da perseguição penal. Assim, acabam formando um “poder paralelo” em certas zonas mineradoras, impondo suas próprias regras por meio da intimidação, do controle territorial e da violência sistemática. Essa infiltração tem enfraquecido a credibilidade do processo de formalização e colocado em risco os verdadeiros mineiros que buscam operar dentro da legalidade.
Em contraste, algumas comunidades e mineiros artesanais locais têm recorrido à mineração em pequena escala como uma estratégia de sobrevivência. Diferentemente das máfias, esses atores não buscam cometer delitos violentos, mas sustentar suas famílias aproveitando um recurso disponível em seu território. Em regiões andinas, várias comunidades praticam a mineração como atividade complementar à agricultura há décadas – ou até séculos – extraindo ouro de forma artesanal durante as épocas de menor plantio [16].
No contexto do boom do ouro e do cobre, diversas comunidades em regiões como Puno, Cusco e Apurímac continuam se voltando à mineração informal, atraídas pela renda que ela oferece diante da falta de empregos formais e do abandono estatal. Esses grupos tendem a se organizar em associações ou cooperativas e, em muitos casos, expressam vontade de se formalizar, embora enfrentem requisitos técnicos complexos [17] e pouca assistência institucional.
É importante ressaltar que esses mineiros locais não possuem grandes capitais nem estruturas armadas; sua atividade é geralmente de subsistência ou de pequena escala. Autoridades, pesquisadores e organizações sociais têm insistido na necessidade de distinguir os “verdadeiros mineiros artesanais” dos operadores ligados ao crime organizado [18]. No entanto, a incapacidade do Estado peruano de estabelecer essa diferenciação tem sido um dos principais entraves do processo de formalização: durante anos, foram elaboradas políticas sem separar mineiros de mafiosos, o que permitiu a infiltração de redes criminosas nos registros oficiais e sua atuação impune.
A preocupação com a influência dos atores da mineração de pequena escala tem crescido significativamente. Segundo uma pesquisa da Ipsos de dezembro de 2024, 71% da população acredita que a mineração ilegal financiará as campanhas eleitorais de 2026, e 68% considera que ela exerce forte influência na política [19].
De fato, nos últimos anos, a mineração de pequena escala alcançou um nível inédito de legitimidade política e recebeu apoio de setores ideológicos bastante diversos. Figuras tão distintas quanto o liberal Hernando de Soto, o nacionalista radical Antauro Humala, o ex-presidente Pedro Castillo e o ultraconservador prefeito de Lima, Rafael López Aliaga, têm manifestado apoio público aos mineiros informais, apresentando-os como atores legítimos em oposição à grande mineração. Esse consenso discursivo conferiu à pequena mineração um reconhecimento político diferente da crítica dirigida à mineração de grande escala.
Há também evidências claras de sua crescente penetração nas instituições do Estado. No Congresso, foram eleitos representantes vinculados a esse setor [20], como os ex-parlamentares Tomás Cenzano, Francisco Ccama e Amado Romero. Inclusive, o ex-presidente do Poder Legislativo no período 2024-2025, Eduardo Salhuana, atuou como assessor da Federação de Mineiros de Madre de Dios (Fedemin) e promoveu iniciativas legislativas favoráveis ao setor.
No nível regional, casos como o do governador Luis Otsuka, em Madre de Dios, mostram como líderes sindicais do setor conseguiram ascender a cargos de poder. Essa influência também se estendeu ao Poder Executivo: durante o governo de Pedro Castillo, houve reuniões no Palácio do Governo com a Confederação Nacional de Mineiros (Confemin), à qual o presidente ofereceu apoio político. O mesmo ocorreu em instituições encarregadas de garantir direitos, como a Defensoria do Povo, que sob a gestão do atual titular, Josué Gutiérrez, nomeou como defensor adjunto para temas ambientais um ex-representante de sindicatos de mineiros informais [21].
A articulação política desses atores se reflete no debate sobre a Lei da Mineração Artesanal e de Pequena Escala (Mape). Entre janeiro de 2024 e maio de 2025, registraram-se mais de 150 visitas de dirigentes mineradores ao Congresso. Esse poder de influência não apenas possibilitou a prorrogação sucessiva do Reinfo, mas também contribuiu para a criação de uma legislação moldada aos interesses do setor — como será detalhado a seguir.
A “formalização” da mineração de pequena escala no Peru tem seguido um caminho longo e acidentado no campo legal. O ponto de partida foi a Lei nº 27651, promulgada em 2002, durante o governo de Alejandro Toledo, que reconhecia a existência da mineração artesanal e estabelecia um marco legal para sua regulamentação. No entanto, essa lei não conseguiu gerar um processo efetivo de inclusão e, durante a década seguinte, a mineração em pequena escala se expandiu para outras regiões, especialmente Madre de Dios, Puno e La Libertad.
Em 2009, por meio do Decreto Supremo nº 005-2009-EM, foi criada uma série de registros oficiais destinados a reconhecer a condição legal dos pequenos produtores de mineração e dos mineradores artesanais. Esses registros deveriam distinguir entre operadores formais e informais e, assim, reduzir a ausência de informação estatal sobre o setor.
Embora a norma tenha buscado simplificar procedimentos e reduzir barreiras de acesso, na prática a adesão a esses registros não foi atraente para grande parte dos mineradores informais. Entre os principais motivos estavam a desconfiança em relação ao Estado e os obstáculos técnicos, administrativos e socioeconômicos. Como resultado, uma proporção considerável de mineradores permaneceu à margem da legalidade, revelando uma clara defasagem entre o desenho normativo e sua implementação concreta nos territórios.
Diante do primeiro ciclo de crescimento descontrolado da mineração informal no início da segunda década do século XXI, o governo de Ollanta Humala instituiu, por meio do Decreto Legislativo nº 1105, que todo minerador informal que quisesse iniciar o processo de formalização deveria apresentar uma declaração de compromissos ao governo regional correspondente. Esse documento, de caráter obrigatório e com prazos definidos, representava o ponto de partida do processo de formalização.
Assim, o Registro Nacional de Declarações de Compromissos se tornou um instrumento administrativo essencial para distinguir os mineradores informais em vias de formalização daqueles que não participavam do processo. O mais importante, contudo, é que esse registro lhes permitia evitar operações de erradicação (interdicción), além de garantir certos benefícios, como autorizações temporárias e acesso a capacitações. Esse mecanismo deveria servir de base para ações posteriores de avaliação, fiscalização e monitoramento.
A norma também estabelecia que o registro não conferia automaticamente a condição de minerador formal. O Estado, por meio dos governos regionais, deveria verificar periodicamente o cumprimento dos compromissos assumidos na declaração. Caso o minerador descumprisse algum requisito, seu registro poderia ser cancelado, o que implicava a perda do status de “em processo de formalização” e a consequente sujeição à interdição.
O Decreto Supremo nº 032-2013-EM complementou essas disposições com medidas voltadas ao fortalecimento da gestão dos registros e à aceleração do processo de formalização. Introduziu mecanismos de verificação cruzada entre as declarações de compromisso e as informações fornecidas pelos titulares de concessões, além de confirmar a criação de uma janela única para centralizar os trâmites administrativos.
Em 2014, foi criado o Registro de Saneamento Mineiro, por meio da Resolução Ministerial nº 470-2014-MEM/DM. Seu objetivo principal era identificar os mineradores informais em processo de formalização, desde que tivessem uma declaração de compromissos vigente, estivessem inscritos no Registro Nacional de Declarações de Compromissos e no Registro Único de Contribuintes.
Com o início do novo governo em 2016 — em um contexto de crescente relevância política dos mineradores informais —, alguns sindicatos do setor conseguiram a criação do Registro Integral de Formalização Mineira (Reinfo), por meio do Decreto Legislativo nº 1293. A implementação operacional do Reinfo começou em 2017, sob a gestão do Ministério de Energia e Minas, com o objetivo de oferecer uma via transitória para que os mineradores informais se adequassem à legislação vigente. No entanto, o Reinfo acabou se tornando o elemento central do modelo formalizador peruano, tendo sua vigência prorrogada pelos governos de Martín Vizcarra, Pedro Castillo e Dina Boluarte.
A criação sucessiva de registros — culminando no Reinfo —, concebidos originalmente como instrumentos administrativos (sem conferir direitos minerários nem autorizações de operação), acabou sendo utilizada na prática como um aval para continuar extraindo minerais sem cumprir os requisitos técnicos, ambientais ou trabalhistas previstos em lei. Essa distorção foi tolerada pelos sucessivos governos, que optaram por prorrogar o registro em vez de enfrentar o problema estrutural, pressionados pelos sindicatos mineradores e pela falta de vontade política.
Dessa forma, em vez de consolidar um sistema de ordenamento, o Estado acabou legitimando uma “informalidade legal”, em que dezenas de milhares de operadores inscritos no Reinfo continuam extraindo recursos sem observar padrões mínimos de sustentabilidade. A situação chegou a tal ponto que, segundo um relatório da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS Peru), até o fim de março de 2025, 78% dos inscritos no Reinfo não haviam apresentado sequer a Declaração Anual Consolidada, que consiste apenas em uma simples declaração juramentada das atividades realizadas no ano anterior.
Em 2025, o Decreto Supremo nº 012-2025-EM estabeleceu uma nova prorrogação do Reinfo até dezembro do mesmo ano, sob o compromisso de que seria a última. A decisão veio acompanhada da depuração do registro e do início de um processo de verificação para excluir operadores que não haviam avançado em sua formalização ou que usavam o Reinfo como escudo para atividades ilegais. A exclusão de 50.625 registros, ainda que tardia, representa um passo necessário para tentar recuperar a credibilidade do sistema.
Em seguida, o Poder Executivo convocou uma Mesa Técnica para a Formalização Mineira, um espaço multissetorial que reuniu representantes do Estado, sindicatos mineradores, sociedade civil e governos regionais. Após sete sessões, as partes aprovaram um documento com 11 pontos de consenso, apresentado ao Congresso da República como base para uma nova Lei de Formalização e Promoção da Pequena Mineração e Mineração Artesanal (Lei Mape). Entre os acordos, destacam-se a necessidade de estabelecer mecanismos de rastreabilidade e de criar um regime simplificado para o início de atividades mineradoras.
O documento apresentado pela Mesa Técnica não reconhece explicitamente que um registro administrativo como o Reinfo continua sendo utilizado como uma licença de operação disfarçada. E embora não trate diretamente da depuração nem do encerramento desse registro, propõe sua integração funcional a um novo Sistema Interoperável da Pequena Mineração e Mineração Artesanal (SIPMMA), o que implicaria uma mudança em seu papel operacional [22].
Em todo caso, os acordos alcançados na Mesa Técnica representam uma oportunidade para reorientar o processo em relação aos mais de 31.560 mineradores ainda registrados como vigentes no Reinfo. Contudo, o sucesso dessa tentativa dependerá da vontade política do Congresso e da capacidade do Estado de implementar uma política diferente das anteriores.
No entanto, os antecedentes não são animadores. Como se observa, a evolução normativa do processo de formalização da mineração no Peru tem sido marcada por uma intenção fictícia de controlar as atividades informais e ilegais. O Reinfo, concebido como uma ferramenta administrativa temporária, tornou-se o principal símbolo da incoerência estatal — consagrado como uma licença de fato e um escudo de falsa legalidade.
É insuficiente manter uma classificação binária entre mineração informal e mineração ilegal. A realidade atual exige uma tipologia mais precisa, capaz de distinguir entre três categorias operacionais: mineração informal, mineração ilegal e mineração criminosa. Essa diferenciação não responde apenas a critérios geográficos e legais, mas também à natureza dos atores envolvidos, suas capacidades operacionais e seus vínculos com estruturas delitivas.
Diante disso, o marco legal peruano e a atuação das autoridades competentes devem se orientar prioritariamente à perseguição do crime organizado vinculado à mineração. Nesse sentido, é essencial garantir que a futura Lei Mape (Mineração Artesanal e de Pequena Escala), cuja aprovação parece iminente, não se torne um instrumento que, por omissão ou ambiguidade, acabe encobrindo os interesses de organizações criminosas que operam sob a fachada da informalidade. Por isso, é necessário que a nova norma inclua expressamente a categoria de mineração criminosa, distinguindo-a claramente da mineração informal e ilegal, e estabeleça salvaguardas jurídicas que impeçam esses atores de se beneficiar do processo de formalização. Essa distinção é fundamental para evitar que redes criminosas com poder territorial, capacidade de cooptação institucional e vínculos com economias ilícitas continuem atuando com impunidade.
Superar a situação atual exige uma mudança de enfoque. Uma política pública diferenciada deve:
(a) acompanhar, com assistência técnica, os pequenos mineradores que buscam se formalizar;
(b) erradicar as operações ilegais em zonas proibidas; e
(c) enfrentar o crime organizado com estratégias de segurança, inteligência financeira e cooperação interinstitucional.
Somente assim será possível proteger o meio ambiente, garantir direitos coletivos e oferecer alternativas econômicas viáveis às pessoas que se dedicam à atividade, evitando que ela continue sendo cooptada por dinâmicas de ilegalidade e violência.
[1] Desde el año 2024, se ha desplegado la campaña del Colectivo País Seguro, grupo integrado por los principales gremios empresariales del país. V.
[2] Ministerio del Ambiente (MINAM): La lucha por la legalidad en la actividad minera (2011-2016). Avances concretos y retos para enfrentar la problemática de la minería ilegal y lograr la formalización de los operadores mineros, Informe Sectorial No 12, Lima, 7/2016, p. 27.
[3] José De Echave: "La minería ilegal en Perú: entre la informalidad y el delito" en Nueva Sociedad No 263, 5-6/2016, disponible en nuso.org.
[4] Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina: "La minería informal e ilegal de hoy día", 6/2022.
[5] Omayra Peña Jiménez y Paolo Sosa Villagarcia: "El Estado ante el avance de la minería ilegal: el caso de Loreto (2020-2025)", Natural Resource Governance Institute, 6/2025.
[6] A. Santos: "Minería ilegal: el laberinto de la formalización que el Gobierno no resuelve" en OjoPúblico, 1/6/2025.
[7] Mariana Quilca Catacora: "23 años de formalización minera fallida: del oro ilegal al crimen organizado y la impunidad del Reinfo" en Infobae, 11/5/2025.
[8] A. Santos: ob. cit.
[9] J. De Echave: ob. cit.
[10] Ibón Machaca: "Arequipa: organización criminal y sicariato en la región con más minería informal del país" en El Búho, 10/6/2022.
[11] Manuel Rojas Berríos: "Pataz: la tierra que reúne a la minería ilegal, el crimen organizado y la desidia de las autoridades" en Infobae, 5/5/2025.
[12] Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina: ob. cit.
[13] O. Peña Jiménez y P. Sosa Villagarcía: ob. cit.
[14] "¿En qué se diferencian la minería informal y la minería ilegal?" en Inforegión, 29/1/2024.
[15] Ibíd.
[16] Yonathan Choqque y Caroline Weill: "¿Minería informal o con participación comunal? Una discusión sobre conceptos, actores y la estigmatización de una actividad económica compleja" en Discursos del Sur N° 15, 1-7/2025.
[17] Mais de 90% dos mineradores em processo de formalização trabalham em concessões que não lhes pertencem. O Estado assumiu que os titulares dessas concessões e os operadores poderiam chegar a acordos contratuais, mas na prática isso quase nunca acontece. Enquanto essa situação persistir, a maioria dos mineradores não terá possibilidades reais de alcançar a legalidade.
[18] M. Quilca Catacora: ob. cit.
[19] Ipsos: "Estudio de percepción hacia la minería ilegal entre la opinión pública. Informe de resultados", 12/2024.
[20] Daniel Yovera: "Los vínculos de Eduardo Salhuana, candidato a la presidencia del Congreso, con la minería ilegal e informal" en Epicentro TV, 25/7/2024.
[21] Martín Hidalgo: "Defensoría del Pueblo: El pasado oculto del defensor adjunto que intentó tener tres concesiones mineras en zonas reservadas" en El Comercio, 20/7/2025.
[22] Para mayor detalle respecto de los 11 puntos aprobados en la Mesa Técnica, v. el portal de Rumbo Minero. Disponível aqui.