28 Outubro 2025
"Muitas tribos isoladas podem ter apenas mais 10 anos de vida. É hora de acabar com esse genocídio silencioso e mudar seu destino", escreve Richard Gere, ator e ativista americano, em artigo publicado por La Repubblica, 27-10-2025.
Richard Gere apoia a campanha da Survival e faz soar o alarme: “A diversidade do planeta é necessária para todos”.
Publicamos esse artigo em apoio à campanha da Survival International e ao lançamento de seu relatório sobre tribos isoladas.
Eis o artigo.
Cresci ao longo da estrada que leva ao território da Nação Onondaga. Seis milhas ao sul de Syracuse fica o coração da Confederação Hodínöšöni, lar de um conselho milenar de chefes e de um povo que, antes da invasão europeia, vivia em 2,5 milhões de acres nas colinas do estado de Nova York. Desde o contato, o território dos Onondaga encolheu para apenas 3 mil hectares, pelos quais os indígenas lutam diariamente para proteger. Com o contato com os europeus, eles sofreram com o roubo de suas terras, doenças, violência e morte. Mas eles ainda estão lá.
Hoje, existem 196 povos e grupos indígenas isolados em todo o mundo. Ao contrário do povo Onondaga, metade deles pode não sobreviver nos próximos 10 anos se governos e corporações não pararem de desmatar suas terras, roubar seus minerais e empurrá-los para as profundezas das florestas cada vez menores, das quais depende sua própria existência. Metade. Exterminada em dez anos.
Essas são as conclusões do relatório "Povos Tribais Isolados: Fronteiras da Resistência", publicado esta semana pela Survival International, uma organização que luta pelos direitos dos povos indígenas. Segundo a pesquisa da Survival, as ameaças mais graves são a extração comercial e a exploração de recursos, que afetam 96% de todas as tribos isoladas em todo o mundo.
Essa exploração causa um genocídio silencioso, longe dos olhos do resto do mundo. E, como sempre acontece quando um povo é destruído, sua língua, cultura, religião, conhecimento botânico e cosmologia também perecem. Há muito tempo estou convencido de que a diversidade deste planeta é necessária para a nossa sobrevivência e que os diversos povos e culturas do mundo são essenciais para a saúde de todos. O fato de um povo, em qualquer lugar do mundo, poder sofrer e suportar tais abusos significa que, em última análise, todos estamos em perigo — mesmo que olhemos para o outro lado.
A decisão das tribos isoladas de rejeitar o contato com forasteiros é uma escolha ativa e contínua, tomada em resposta às circunstâncias. Elas vivem nas florestas mais remotas, às vezes em ilhas. Elas têm plena consciência do mundo exterior, mas se recusam a fazer parte dele. Para muitas delas, essa decisão decorre de memórias de contatos e invasões devastadoras no passado, com experiências repletas de violência, epidemias e morte.
No Peru, os Mashco Piro foram escravizados, espancados, abusados, torturados e enforcados por barões da borracha nas últimas duas décadas do século XIX. Aqueles que conseguiram sobreviver refugiando-se nas profundezas das nascentes do Amazonas vivem isolados desde então. Hoje, porém, madeireiros estão chegando para derrubar suas árvores centenárias. E, à medida que as motosserras se aproximam, os Mashco Piro deixam sinais simbólicos, como lanças cruzadas, ao longo das trilhas para afirmar seus direitos territoriais e alertar os intrusos. Esses avisos enviam uma mensagem clara: o contato é perigoso para os Mashco Piro — e para qualquer um que se aproxime demais. Conflitos já ceifaram vidas de ambos os lados, incluindo dois madeireiros mortos por flechas em agosto de 2024.
A perda de habitats de povos isolados é uma causa de genocídio. Mas doenças também os assombram. Para desencadear uma epidemia, basta um único estranho, uma simples tosse ou um contato passageiro. Essas pessoas não têm imunidade a doenças comuns no mundo industrializado. Doenças transmitidas por contato fazem mais do que matar: elas enfraquecem sobreviventes e comunidades, causando trauma e dor. A sabedoria ancestral dos mais velhos está se perdendo porque, com muita frequência, eles são os primeiros a morrer. Quando os britânicos colonizaram as Ilhas Andamão, na Índia, em 1850, os aproximadamente 7 mil habitantes do Grande Andamanês eram saudáveis e fortes. Mas os britânicos trouxeram consigo sarampo, gripe e sífilis (esta última, uma doença que também revela um histórico de abuso e exploração sexual). Epidemias devastadoras e violência se seguiram, dizimando mais de 99% dos habitantes do Grande Andamanês. Hoje, apenas cerca de 50 indivíduos sobrevivem.
Mas estes não são apenas eventos do passado distante. Hoje, a grande maioria das tribos isoladas vive no Brasil. Lá, entre 1967 e 1975, uma Grande Andamanês isolada foi dizimada pelo sarampo quando uma rodovia foi construída em seu território. Três quartos dos Suruí Paiter foram mortos por sarampo e tuberculose entre 1980 e 1986, quando colonizadores e construtores de estradas invadiram seu território após o primeiro contato. Como um antigo homem Awá isolado, Wamaxuá Awá, explicou à Survival: "Quando eu estava na floresta, eu tinha uma vida boa. Se eu encontrasse um dos Awá isolados na floresta agora, eu diria a ele: 'Não saia! Fique na floresta... Não há nada para você aqui fora.'"
Antonio Cotrim trabalhou para a Funai — a agência governamental brasileira para os povos indígenas — na década de 1970, quando a política governamental ainda era forçar o contato com povos isolados. Em 1972, ele declarou: "O que estamos realmente fazendo é um crime. Quando entro em contato com indígenas, sei que estou forçando uma comunidade a dar o primeiro passo em um caminho que os levará à fome, à doença, à desintegração, muitas vezes à escravidão, à perda de suas tradições e, por fim, à morte prematura em extrema pobreza."
Podemos pensar que somos melhores do que aqueles que ignoraram os genocídios que se seguiram à chegada dos europeus às Américas. Mas hoje, os povos isolados são ameaçados por um colonialismo persistente que os estereotipa como primitivos, os considera inferiores e coloca o consumo e o lucro acima do seu direito à terra e de viver como desejam. Lutei toda a minha vida pelos direitos humanos, territoriais e culturais. Acredito firmemente que os 196 grupos isolados que ainda hoje resistem constituem uma parte essencial da diversidade do planeta e do imenso patrimônio humano. Eles são nossos irmãos e irmãs. Seus direitos territoriais devem ser reconhecidos, seus territórios protegidos, e as decisões que tomam sobre suas vidas são exclusivamente deles.
O povo Onondaga tem uma tradição que respeito profundamente. Antes de tomar uma decisão importante, os líderes consideram seu impacto potencial não apenas sobre si mesmos ou seus filhos, mas também sobre as sete gerações seguintes.
Muitas tribos isoladas podem ter apenas mais 10 anos de vida. É hora de acabar com esse genocídio silencioso e mudar seu destino.
Nota
A Survival International lançará hoje em Londres seu relatório “Povos tribais isolados: fronteiras de resistência", o primeiro já feito sobre povos isolados ao redor do planeta. Três líderes indígenas e Richard Gere também estarão presentes.
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