27 Outubro 2025
Capacidade de negociação do governo prevaleceu sobre disputas ideológicas, aponta cientista política Priscila Lapa.
A informação é de Clivia Mesquita, publicada por Brasil de Fato, 26-10-2025.
O início das negociações entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, neste domingo (26), para solucionar o tarifaço contra importação de produtos brasileiros, enfraquece o discurso da extrema-direita que apostava no tensionamento da relação com os Estados Unidos até 2026. A análise é da cientista política Priscila Lapa.
“Era uma espécie de carta na manga [do bolsonarismo] que faria o governo sangrar até as eleições, atingindo não apenas os setores produtivos, mas a capacidade de reação do governo. No entanto, como agora as condições políticas de Lula para negociar com Trump foram modificadas, a impressão é de que o bolsonarismo sofreu um dos maiores revezes desde a sua ascensão”, afirma.
Segundo ela, a atuação do governo brasileiro se mostrou eficaz mesmo diante de um posicionamento inicialmente ideológico por parte do governo norte-americano. “Mesmo fazendo críticas ao presidente Trump, o presidente Lula foi orientado a focar nos preceitos da soberania, demonstrando que, acima de tudo, os interesses nacionais estavam em risco”, disse.
O que houve? Eis o milagre e eis o santo.
— Victor Garcia (@toninhodocall) October 26, 2025
Quem não sabe o poder do Brasil tá sem rumo no momento.
Na minha primeira manifestação sobre o caso, há 3 meses, eu descrevi exatamente esse desfecho. pic.twitter.com/w4egtWeKFU
O balanço foi de uma conversa “ótima” com Trump, disse Lula, que pautou de “forma franca e construtiva” a agenda comercial e econômica bilateral. A extrema-direita, no entanto, sofreu um forte revés com o diálogo estabelecido entre os países, avalia a cientista política, pois a capacidade de negociação do governo prevaleceu sobre disputas ideológicas.
Antes da reunião deste domingo (26), Trump havia afirmado que poderia reduzir a taxação a produtos brasileiros “sob as circunstâncias certas”. Segundo ministros presentes no encontro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não foi citado nas tratativas, o que evidencia o caráter econômico da agenda.
“Ao mesmo tempo em que Bolsonaro foi se enfraquecendo, a partir do desfecho do julgamento da trama golpista, as pesquisas de opinião foram apontando que a maior parte da população brasileira estava favorável à atuação do governo Lula”, analisa Lapa.
Diálogo
A professora de ciência política Mayra Goulart considera que o presidente estadunidense opera de forma contraditória para capturar ou desviar a atenção pública conforme seu interesse. “A questão das tarifas deixou de ser interessante para Trump, em termos de levar atenção a isso. Daí essa sinalização de que é possível desconstruir o tarifaço”, opina Goulart.
“Assim como a associação com o Jair Bolsonaro deixou de ser interessante a partir do momento que o próprio bolsonarismo entrou numa relativa crise aqui no Brasil, diante da inelegibilidade de Jair Bolsonaro.”
Para Priscila Lapa, é possível projetar um cenário de revogação de tarifas para alguns segmentos daqui para frente. Ela avalia que o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, foi uma escolha acertada para atuar na linha de frente da crise com os empresários afetados pela taxação.
No entorno de Bolsonaro, foto de Lula e Trump é vista como derrota; Planalto trata Eduardo como cabo eleitoral. Leia no blog da @AndreiaSadi https://t.co/3E3nTzKYzG #g1 pic.twitter.com/ZYz5VbJHzp
— g1 (@g1) October 27, 2025
“Outro movimento importante foi em relação ao setor produtivo: o governo não se furtou de ouvir os setores impactados, escalando o vice-presidente para essa linha de frente junto aos empresários. Assim, foi sendo criado um clima favorável à abertura das negociações”, avalia.
Nas redes sociais, Alckmin disse, neste domingo (26), que o Brasil tem bons motivos para acreditar no diálogo. “Foi mais um passo para Brasil e EUA estreitarem ainda mais seus laços de amizade. E é mais uma evidência do compromisso do governo do presidente Lula com o povo brasileiro”, escreveu.
“Obviamente que os interesses norte-americanos pautarão sempre essa relação, mas o Brasil tem fatores favoráveis para colocar na mesa de negociação. A partir de agora, terá que haver também atenção para alguns tensionamentos internacionais em que o Brasil e os Estados Unidos têm posicionamentos distintos”, completa Lapa.
Tensões na Venezuela
A escalada da tensão na Venezuela é um ponto de divergência com o governo estadunidense. Durante a reunião, Lula se prontificou a atuar como interlocutor entre os Estados Unidos e a Venezuela.
Para a professora Mayra Goulart, a pretexto de combater o crime organizado, Trump coloca um ponto de tensão na Venezuela, o que desafia a estabilidade regional e a tradição da diplomacia brasileira.
“Trump está colocando a atenção agora para a militarização da relação dele com a América Latina, e isso bate diretamente de frente com a forma como o Brasil, o Itamaraty e o presidente Lula encaram as relações da América Latina, a partir de uma perspectiva de construção de paz, de construção de uma relação de liderança do Brasil como um ente de estabilização regional. Essa é a função que o Brasil pleiteia enquanto líder.”
A ofensiva militar norte-americana avança no Mar do Caribe com navios de guerra e “demonstrações de ataque com bombardeios”. Após o deslocamento do maior navio de guerra do mundo para a região, o presidente Nicolás Maduro acusou os Estados Unidos de “fabricar uma nova guerra”.
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