A missão da Igreja segundo o coração de João XXIII. Relembrando os propósitos do Concílio Vaticano II

Abertura do Concílio Vaticano II

Foto: Reprodução Vatican News

11 Outubro 2025

"Neste sábado, 11 de outubro 2025, celebramos 63 anos do início do Vaticano II. Nessas seis décadas, não faltaram vozes, ad intra e ad extra, para relembrar a Igreja de seguir o exemplo de Cristo: ser acolhedora e não julgadora".

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos e mestre em Teologia pela PUCRS. 

Os discursos papais proferidos durante o desenvolvimento do Concílio Vaticano II são tão interessantes quanto os documentos elaborados pelos padres conciliares. Uma frase forte emergiu na mensagem radiofônica do Papa João XXIII a todos os fiéis católicos, um mês antes da abertura do Concílio: “O mundo precisa de Cristo, mas é a Igreja que deve levar Cristo ao mundo”.

Difícil saber como essas palavras soaram aos ouvidos da época. Exercício mais difícil é saber como falam ao coração humano hoje. O fato é que o pontífice estava insistindo no desejo da Igreja de querer “ser entendida pelo que realmente é”: responsável por levar adiante, “vivificar, ensinar e pregar” o Evangelho. “Finalmente, ele se manifestou aos Onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração, porque não haviam dado crédito aos que o tinham visto ressuscitado. E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura’” (Mc 16, 14-15).

Na abertura do Concílio, em 11 de outubro 1962, o “Papa bom” relembrou que diante das “extraordinárias invenções atuais do engenho humano” e “progressos do conhecimento”, a Igreja não pode deixar “de lembrar aos seres humanos que acima das coisas visíveis está Deus, fonte de toda sabedoria e de toda beleza”. 

O Papa Paulo VI, no discurso de abertura do segundo período do Concílio, dois anos depois, em 29-09-1963, retomou a questão iniciada pelo antecessor. Naquela rodada de discussões, o tema central dos padres conciliares foi a Igreja. Paulo VI falou da necessidade de a Igreja “dizer claramente o que pensa de si mesma”. Mais adiante, o pontífice foi mais claro: “Parece ter chegado o momento de explorar melhor a verdade a respeito da Igreja de Cristo, assimilá-la e exprimi-la, não do ponto de vista dogmático, nem por intermédio de novos enunciados ou solenes definições, mas expondo com a indispensável clareza o que declara a seu respeito o magistério da Igreja”.

Foi na Constituição Dogmática Lumen Gentium, principal documento do Concílio Vaticano II, que a Igreja falou de si mesma. Entende-se como mistério e, enquanto mistério, afirma-se como sacramento, corpo místico de Cristo, sociedade visível e espiritual e povo de Deus. “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG, n. 1). Cristo é o fundamento, a cabeça deste corpo (LG, n. 7). 

Mais recentemente, o Papa Francisco, ao explicar em que consiste a fé, na Carta Encíclica Lumen fidei (2013), dedicou algumas linhas especiais à Igreja. Chamou-a de mãe. “Mãe da nossa fé”. “É uma Mãe que nos ensina a falar a linguagem da fé” (LF, n. 38), porque é ela quem “transmite aos seus filhos o conteúdo da sua memória” (LF, n. 40). Em outras ocasiões, o Papa também explicitou o sentido de Igreja como povo de Deus, tão caro ao seu ministério: “Gosto de pensar na Igreja como um povo simples e humilde que caminha na presença do Senhor. Gosto de pensar na Igreja como o povo fiel de Deus, santo e pecador, um povo chamado e convocado com a força das bem-aventuranças e de Mateus”.

Na exortação apostólica Dilexi te, “a última palavra de Francisco e a primeira de Leão”, como disse Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, a reflexão sobre a Igreja é apresentada em relação ao seu amor para com os pobres. O terceiro capítulo é dedicado a “uma Igreja para os pobres”. Recorda-se que o “modo especial” de encontrar Deus no pobre foi um dos elementos centrais da reflexão teológica dos Padres da Igreja. A opção pelos pobres na vida da Igreja, contudo, como mostra o desenvolvimento do texto, não é apenas tema de reflexão, mas prática que acompanha a missão eclesial até os dias de hoje. 

Para aqueles que ainda não compreenderam a implicação prática de seguir Cristo, a exortação é enfática: “Observar que o exercício da caridade é desprezado ou ridicularizado, como se fosse uma fixação somente de alguns e não o núcleo incandescente da missão eclesial, faz-me pensar que é preciso ler novamente o Evangelho, para não se correr o risco de o substituir pela mentalidade mundana. Se não quisermos sair da corrente viva da Igreja que brota do Evangelho e fecunda cada momento histórico, não podemos esquecer os pobres” (n. 15). A Igreja, acrescenta o documento, “se deseja ser de Cristo, deve ser Igreja das Bem-aventuranças, Igreja que dá vez aos pequeninos e caminha pobre com os pobres, lugar onde os pobres têm um espaço privilegiado (cf. Tg 2, 2-4)” (n. 21).

Ao refletir sobre os desafios da Igreja no mundo de hoje, 60 anos depois do Concílio Vaticano II, o Papa Leão acentua a centralidade da doação: “uma Igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja de que o mundo hoje precisa” (n. 120).

Neste sábado, 11 de outubro 2025, celebramos 63 anos do início do Vaticano II. Nessas seis décadas, não faltaram vozes, ad intra e ad extra, para relembrar a Igreja de seguir o exemplo de Cristo: ser acolhedora e não julgadora. A partir da minha própria experiência pessoal e caminhada de fé, é impossível discordar de tais palavras. No entanto, há um ponto a acrescentar: abrir o coração à Igreja, com disposição para entendê-la, também é um ato de acolhimento que nos distancia do julgamento.

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