02 Outubro 2025
Aos 91 anos, Jane Goodall se despede do mundo pelo qual lutou tanto para proteger. A britânica revolucionou a ciência com seu estudo pioneiro sobre o comportamento de chimpanzés no Parque Nacional Gombe Stream, na Tanzânia, na década de 60. Desde então, a pesquisa virou uma história de amor e Goodall tornou-se uma porta-voz mundial da conservação não apenas dos primatas, mas da natureza.
A reportagem é de Duda Menegassi, publicada por ((o))eco, 01-10-2025.
A notícia da morte foi recebida pelo Jane Goodall Institute na manhã desta quarta-feira (1º). De acordo com a publicação, a primatóloga faleceu por causas naturais. Ela estava na Califórnia, Estados Unidos, no meio de uma turnê de palestras no país norte-americano.
Com apenas 26 anos, Jane foi a primeira pessoa a estudar os chimpanzés na natureza. Sem graduação na época, aprendeu tudo que podia sozinha, lendo incontáveis livros. Com um cérebro faminto e muita coragem, foi atrás do que era seu sonho desde os 10 anos, como ela mesma contava, “trabalhar com animais na África”. Sua paixão chamou atenção do paleoantropólogo Louis Leakey (1903-1972), que virou seu mentor.
Na Reserva do Gombe, descobriu que os chimpanzés usam e fazem ferramentas – algo que acreditava-se que era uma habilidade única aos humanos –, aprendeu ainda como eles criam seus filhos, como estabelecem hierarquias, socializam e se comunicam, assim como suas diferentes personalidades e emoções. Suas observações e descobertas transformaram a ciência e a forma como as pessoas enxergam os chimpanzés, ao mesmo tempo que catapultaram Goodall para o holofote do mundo.
“As descobertas da dra. Goodall como uma etologista revolucionaram a ciência e ela foi uma advogada incansável pela proteção e restauração do mundo natural”, diz a nota do instituto, fundado por ela em 1977 para garantir a continuidade e expansão do seu trabalho.
Assim que começou seus estudos na Tanzânia, a jovem primatóloga entendeu que a sobrevivência dos chimpanzés estava em risco devido à destruição do habitat e ao tráfico ilegal. Nasceu aí, não a cientista, mas a conservacionista. “Jane Goodall foi para a floresta para estudar as vidas extraordinárias dos chimpanzés e saiu da floresta para salvá-los”, narra a página do instituto.
E para salvar os chimpanzés e manter as florestas de pé, Jane entendeu – bem à frente do seu tempo – de que era preciso investir na qualidade de vida das comunidades vizinhas.
Esse virou um dos pilares do seu trabalho – e apenas um dos tantos legados deixados por Jane – executado por meio do seu Instituto, que além de restaurar habitats dos chimpanzés, atua na melhoria da saúde e educação de mulheres, no desenvolvimento sustentável das comunidades e na formação de jovens conservacionistas.
Sua fé no futuro e nos conservacionistas de amanhã foi materializada na criação do programa Roots and Shoots, em 1991. Um movimento global para empoderar a juventude e criar novas lideranças comunitárias para agir por um mundo melhor.
Até o final de sua vida, que dedicou inteiramente à causa ambiental, manteve como lema a esperança – da qual ela parecia ter um estoque inesgotável.
A palavra estampa o título do seu último livro, publicado em 2021, “O livro da esperança: um guia de sobrevivência para tempos difíceis”, no qual inspira leitores com seu otimismo contagiante a agir pela mudança que querem ver no mundo.
“A esperança é frequentemente mal-interpretada. As pessoas tendem a pensar que se trata simplesmente de um desejo passivo: espero que algo aconteça, mas não vou fazer nada para que isso aconteça. Isso é, na verdade, o oposto da esperança verdadeira, que requer ação e envolvimento”, descreve ela em um dos trechos do livro.
Em uma palestra em 2023 – na qual tive o privilégio de ouvi-la ao vivo – ela reforçou seu compromisso com o otimismo. “Eu estou completamente convencida – e não estou sozinha – de que nós temos uma janela de tempo, e se nos unirmos, colaborarmos e trabalharmos juntos para promover mudança, nós podemos ainda desacelerar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade”, disse.
Ao longo das suas seis décadas de trabalho, tocou milhões de pessoas, inspirou gerações de cientistas e transformou realidades. Goodall foi amplamente reconhecida por prêmios como o Templeton Prize (2021) e a medalha Stephen Hawking por Comunicação Científica (2022).
A história da naturalista também foi tema de dois documentários “Jane”, lançado em 2017, e o mais recente “Jane Goodall: A esperança”, de 2020.
“Conheci Jane há quase 50 anos e sempre me surpreendi com sua energia ilimitada, sua visão e seu impacto verdadeiramente global. Embora tenha começado seu trabalho estudando chimpanzés na Tanzânia e tenha sido uma das pioneiras da primatologia, ela era muito mais do que isso. Na verdade, ela estava entre os cientistas mais conhecidos da história, realmente o único nome conhecido em nossa área, e uma ativista por muitas causas diferentes, incluindo direitos dos animais e paz global. Há muito tempo ela deveria ter recebido o Prêmio Nobel da Paz, que agora deve ser concedido a ela postumamente”, comentou o primatólogo americano e amigo pessoal Russell Mittermeier. “Todos nós sentiremos a sua falta. Nunca mais haverá alguém como ela”, completa.
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