16 Setembro 2025
"A ascese que descreve é, consequentemente, uma religiosidade 'não crente', 'sem fé' e 'sem religião': é uma 'orientação cognitiva, um estilo meditativo, uma condição intelectual' livre de dogmas e identidades, também porque é igualmente refratária às teses 'daqueles que defendem a existência de Deus' e 'daqueles que a negam de formas flagrantes e, por sua vez, fundamentalistas'", escreve Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 14-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Há uma espiritualidade que pode responder às nossas metrópoles, ao mal de viver que nelas se produz e se concentra, às “ruas lotadas de multidões, de resignação e de generalizada dor existencial”.
É a espiritualidade ascética proposta por Duccio Demetrio (1945), que não foge dos “mal-estares da vida urbana”, mas, ao contrário, vivencia a metrópole como uma “escola de ascetismo”. Em seu livro recentemente publicado (“Spiritualità metropolitane. Guida per i non credenti”, Espiritualidades Metropolitanas. Um Guia para os não crentes, Mimesis, pp. 146 e 15), o filósofo milanês vê a cidade como tão propícia ao ascetismo quanto o fora nos primeiros séculos depois de Cristo o deserto dos Padres.
A cidade, de fato, é o "deserto superlotado" de Zygmunt Bauman: "Suas extensões de asfalto, os imensos terrenos baldios das periferias, os horizontes invisíveis, as miragens aqui e ali, assemelham-se a distensões arenosas", escreve Duccio Demetrio, e "os demônios" que nos enganam "não nos esperam mais ao lado da tamareira, mas na entrada de um shopping". A metrópole é uma escola de ascetismo não apenas porque cria a necessidade de ascetismo, mas sobretudo porque exige um tipo diferente de ascetismo.
O autor fala então de "neoascetismos": de manifestações em incógnito, de indivíduos refratários a seitas e tribos, um "não-movimento silencioso, anônimo, duvidoso" sem locais de culto; escreve sobre pessoas "inquietas e errantes", sempre descontentes e minoritárias, que "escolhem a intolerável cidade para sentir o que a paisagem mais mística e bela jamais conseguiria lhes dizer". Essa "espiritualidade que cheira a concreto e não a bosques" busca "estratégias de salvação metropolitana" num frenesi urbano "encorajado pela narcose do consumo, da vaidade e das felicidades adquiríveis no supermercado", desprovido de "um sentido maior além daquele da mera sobrevivência", que nunca permite "pensar no inútil". Na introdução, o filósofo confessa que não crê em Deus e nunca acreditou em vida após a morte ou em uma "presença sobrenatural que julgue as escolhas humanas".
A ascese que descreve é, consequentemente, uma religiosidade "não crente", "sem fé" e "sem religião": é uma "orientação cognitiva, um estilo meditativo, uma condição intelectual" livre de dogmas e identidades, também porque é igualmente refratária às teses "daqueles que defendem a existência de Deus" e "daqueles que a negam de formas flagrantes e, por sua vez, fundamentalistas".
As páginas de Demetrio fazem parte das reflexões das últimas décadas sobre a emergência da espiritualidade e das espiritualidades, que são analisadas no livro publicado recentemente pelos sociólogos Giuseppe Giordan, Stefania Palmisano e Francesco Piraino (Dalla spiritualità alle spiritualità. Vent’anni di studi sociologici in Italia. 2005-2025, Carocci, pp. 224 e 25). Em sua originalidade, a espiritualidade metropolitana renova a etimologia da ascese. Do grego, askéo significa exercício, laboriosidade, artesanato; do latim ascendere significa subir "em direção ao infinitamente outro".
"Lúcido e alerta", o asceta sabe habitar as alturas da cidade, os "mais elevados jardins suspensos" aos quais os elevadores conduzem num instante, e sabe habitar seus túneis, suas "cavernas", seu "ventre", onde os olhares são embotados "pelo sono eterno das auroras das idas ou dos retornos ao entardecer", mas também porque não queremos ver "o rosto de alguém que, naquela palidez mortuária, poderia se assemelhar a nós".
Disciplinado, determinado, digno, consciente desse senso cívico, o asceta Demétrio vai "descobrindo numa calçada o desejo de existir de um tufo de grama".
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