11 Setembro 2025
Ao se alinhar à extrema direita bolsonarista, o candidato mais provável da oposição para 2026 reforça a impunidade, ameaça a Justiça e mantém o Brasil preso ao passado.
O artigo é de Philipp Lichterbeck, jornalista alemão radicado no Brasil, publicado por DW, 10-09-2025.
Eis o artigo.
Em todos os países atualmente governados de forma autocrática ou ditatorial, a destruição da democracia começou com ataques ao Judiciário. Foi assim na Hungria, bem como na Turquia e na Venezuela. Hoje se assiste, praticamente ao vivo, nos Estados Unidos.
A tomada de poder por homens como Viktor Orbán, Recep Tayyip Erdogan, Nicolás Maduro e Donald Trump só foi possível porque atacaram juízes, ignoraram sentenças e, por fim, lotaram os tribunais com aliados. O Judiciário (assim como todo o aparato estatal) foi esvaziado e alinhado, e a separação de poderes – base fundamental da democracia – praticamente extinta.
Caso o governo do Brasil volte às mãos da extrema direita – seja sob Tarcísio de Freitas ou um membro do clã Bolsonaro –, o país corre o mesmo risco. O presságio ficou evidente após as manifestações bolsonaristas do último domingo. Os protestos deixaram claro, por um lado, que o nome Bolsonaro ainda possui enorme força de mobilização, e o pensamento primitivo-vulgar continua amplamente disseminado, sobretudo entre os mais abastados. Por outro lado, ficou evidente que o Judiciário é o inimigo número um da extrema direita. Ele é difamado como politizado e parcial, até mesmo como ditatorial. Isso só pode significar, em última instância, que a extrema direita pretende acabar com o Judiciário como um poder independente.
É ainda mais alarmante que o governador de São Paulo agora bata nessa mesma tecla. No domingo, ele mostrou que não é um tecnocrata moderado da direita conservadora, mas um fanático – como a atuação agressiva da Polícia Militar de São Paulo sob sua gestão já deixava transparecer.
O candidato mais provável da oposição brasileira nas eleições de 2026 deslegitimou o Supremo Tribunal Federal diante de dezenas de milhares de apoiadores e deixou claro que não aceita o equilíbrio entre os poderes. Ele incendiou o ânimo no campo da extrema direita e polarizou ainda mais o país.
Perigo para a democracia
Pouco importa se fez isso por convicção profunda ou "apenas" por cálculo oportunista para garantir o apoio de Bolsonaro e de seus seguidores fanáticos. Seu vocabulário menos ordinário e sua postura de homem humilde de classe média já não podem mais disfarçar o perigo que ele representa para a democracia brasileira.
O fato é que Tarcísio de Freitas não reconhece como legítimo o processo contra Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, alegando que o julgamento teria se baseado em depoimentos manipulados. Para chegar a tal afirmação, é preciso um grau enorme de ignorância. O processo seguiu todas as regras de um julgamento regular e deu ampla oportunidade à defesa de apresentar sua versão dos fatos.
Ficou claro, após a análise das provas e a oitiva de todas as testemunhas, que os planos de Bolsonaro para tomar o poder não eram meras cogitações, mas propostas concretas que foram discutidas, elaboradas e registradas por escrito. O próprio Bolsonaro admitiu isso. Ele pessoalmente apresentou suas intenções aos comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha – como confirmaram em juízo –, e foi graças à recusa categórica dos dois primeiros em embarcar nessa aventura que os planos não avançaram.
O processo, portanto, baseou-se em muito mais do que apenas no depoimento do ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, como afirma Tarcísio de Freitas. Mas, ao fazer essa alegação, o governador segue uma típica estratégia do bolsonarismo: mentir, omitir e se colocar como vítima quando, na realidade, é o autor.
Sinal fatal
A postura de Tarcísio é ainda mais grave porque não ataca apenas o Supremo Tribunal Federal, mas contribui para deslegitimar todo o já disfuncional sistema de Justiça brasileiro. Numa sociedade em que quase ninguém assume responsabilidade por seus atos e todos colocam o interesse próprio acima do coletivo, o bolsonarismo envia o sinal fatal de que sentenças não valem nada e podem ser revertidas.
Poucos discordariam da frase de que a impunidade no Brasil tem proporções epidêmicas. Condenados a longas penas de prisão estão pouco tempo depois em liberdade, sobretudo políticos. Cria-se a impressão fatal de que lei e ordem nada valem e de que tudo é permitido. Certo e errado tornam-se negociáveis.
A preparação de uma anistia geral para os golpistas, como agora promovem Tarcísio de Freitas e o movimento bolsonarista antes mesmo de haver sentença, tem, evidentemente, um precedente. A anistia geral após a ditadura militar. Os crimes da ditadura não foram investigados, muito menos punidos judicialmente. Não houve acerto de contas, e o pensamento totalitário-militarista sobreviveu e mantém até hoje uma continuidade que ninguém encarna melhor do que o clã Bolsonaro e seus áulicos.
Se houver uma anistia geral, o Brasil continuará andando nesse círculo vicioso e repetirá mais uma vez sua história. Infelizmente, como tantas vezes, o Brasil parece condenado a andar sempre em círculos. Cada avanço, cada tentativa de escapar desse destino, é revertido pelas forças do passado.
Leia mais
- A direita em desarranjo e as agruras de Tarcísio. Artigo de Rômulo Paes de Sousa
- Tarcísio: Caiu a máscara de “presidenciável moderado”? Artigo Luis Nassif
- Eleição 2026: ‘Escolha de Tarcísio será por descarte da direita’, avalia cientista político
- ‘Não há herdeiros políticos para candidatura de Bolsonaro’, afirma cientista político
- Com Tarcísio à frente, começa a se desenhar o projeto da extrema-direita para o futuro do Brasil
- De Bukele a Tarcísio: o terror como trunfo eleitoral
- Caiado e Tarcísio disputam com armas a herança da extrema-direita
- Falta de unidade pode enfraquecer extrema-direita nas eleições de 2026, avalia professor
- Por que o presidente mais popular da história brasileira lidera o seu mandato mais impopular?
- Bolsonaro, o STF e o contexto pré-2026: cientistas políticos analisam fotografia do cenário em torno do ex-presidente
- Eleições: um olho em 2024 e outro em 2026
- Como Lula pode evitar o desastre em 2026? Artigo de Paulo Nogueira Batista Jr
- Como os governos estaduais impactam a disputa presidencial de 2026
- Balanço da esquerda no final de 2024. Artigo de Renato Janine Ribeiro
- Xadrez da contagem regressiva para 2026. Artigo de Luís Nassif
- Com ou sem Bolsonaro, bolsonarismo será competitivo nas eleições de 2026
- O bolsonarismo após a derrota