O Brasil tem uma oportunidade histórica de consolidar sua democracia. O artigo de Oliver Stuenkel

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11 Setembro 2025

A condenação de Bolsonaro acabaria com uma longa tradição de impunidade para golpistas no Brasil.

O artigo é de Oliver Stuenkel, publicado por El País, 09-09-2025.

Oliver Stuenkel é pesquisador sênior do Carnegie Endowment em Washington, pesquisador da Harvard Kennedy School e professor de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas em São Paulo.

Eis o artigo.

O julgamento de Jair Bolsonaro marca um momento sem precedente na história brasileira. A Procuradoria-Geral da República o acusa de ter cometido crimes como filiação a organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, entre outros. Somadas, as acusações podem resultar em décadas de prisão. Nunca antes um ex-presidente brasileiro foi levado à Justiça por tentativa de golpe.

Desde o século XIX, a história política do Brasil tem sido marcada pela leniência para com aqueles que ameaçavam a ordem democrática. Após inúmeras conspirações fracassadas ao longo dos séculos XIX e XX, os responsáveis ​​eram geralmente perdoados ou reintegrados à vida política. E nos casos em que os golpes foram bem-sucedidos — três vezes somente no século XX, em 1930, 1937 e 1964 — os líderes não foram punidos, mas consolidaram seu poder. A tentativa de golpe de 2022-2023 é, portanto, o primeiro episódio em que o Judiciário busca criar um precedente claro: a intransigência para com aqueles que buscam subverter a ordem democrática. Depois do Plano Real (que estabilizou a economia e conteve a hiperinflação), da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) (que garantiu o acesso universal à saúde) e do Bolsa Família (que transformou a política social com transferências de renda condicionadas ), este pode ser um dos maiores passos em uma geração para tornar o Brasil um país mais justo, democrático, estável e próspero.

A condenação de Bolsonaro é considerada altamente provável por juristas. Mas o resultado judicial, por si só, não resolve a questão política. O Congresso brasileiro, dominado por grupos de direita, mantém o poder teórico de aprovar uma lei de anistia — um cenário atualmente improvável, embora políticos que apoiam Bolsonaro já estejam discutindo opções intermediárias, como permitir que Bolsonaro cumpra sua pena sob um regime menos rigoroso ou seja libertado sem recuperar seus direitos políticos. Tais hipóteses podem ser contestadas pelo Supremo Tribunal Federal, que tem a palavra final sobre a constitucionalidade de qualquer anistia.

O processo também tem uma inegável dimensão internacional. Donald Trump expressou seu apoio a Bolsonaro, em parte porque o vê como um espelho de sua própria estratégia após perder a reeleição: semear dúvidas sobre a legitimidade do processo eleitoral, mobilizar sua base com acusações de fraude inexistente e incentivar a resistência institucional. Uma condenação exemplar no Brasil enviaria uma mensagem clara para além de suas fronteiras de que as democracias podem se defender contra aqueles que buscam miná-las internamente. Seria, portanto, uma boa notícia não apenas para a democracia brasileira, mas para a democracia em geral.

Mas mesmo que Bolsonaro seja considerado culpado — um processo inevitavelmente traumático, dada sua condição de líder de fato da oposição e principal figura eleitoral até seu indiciamento criminal — o desafio não terminará aí. O Brasil terá que embarcar em um árduo caminho de recomposição social e política. A polarização continua destrutiva. Um indicador-chave será a reação dos políticos de direita: se priorizam a estratégia de exigir anistia (ou rejeitar a sentença como ilegítima) ou se optam por uma postura mais simbólica, que denota a disposição de aceitar o veredito e olhar para o futuro.

Nesse contexto, o papel do Supremo Tribunal Federal merece atenção. A Corte, que tem atuado frequentemente de forma controversa e cujo papel não deve ser idealizado por observadores internacionais, tornou-se protagonista na política brasileira, em grande parte porque o Congresso tem se mostrado incapaz de dar respostas rápidas aos principais desafios que a democracia brasileira enfrenta hoje, por exemplo, no combate às fake news na internet. Essa exposição do Supremo Tribunal Federal, no entanto, corrói a confiança de setores da população, especialmente entre os apoiadores de Bolsonaro, que percebem os juízes como inimigos. Uma vez resolvido o caso, o Supremo Tribunal Federal deve se retirar do centro da arena política e retomar seu perfil institucional como um tribunal de última instância, não um ator político que aparece nas primeiras páginas dos jornais todos os dias.

A condenação de Bolsonaro, se ocorrer, deve ser comemorada como o fim de uma era de impunidade para os golpistas. É um avanço necessário e há muito aguardado. No entanto, punir o passado não basta: o futuro da democracia brasileira dependerá da capacidade de suas instituições de conciliar, governar e entregar resultados tangíveis aos cidadãos.

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