Um chamado que quebra os paradigmas. Comentário de Ana Casarotti

Foto: canva

05 Setembro 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 14,25-33 que corresponde ao 23° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: "Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo. Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai lançar o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a caçoar, dizendo: 'Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!' Ou ainda: Qual o rei que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições de paz. Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!".

“Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus”.

Com esta breve descrição, podemos imaginar Jesus continuamente rodeado de pessoas que o seguem, talvez por motivos diferentes: para serem curadas, para ouvir suas palavras, para lhe pedir algo, levadas pela multidão, para serem testemunhas diretas, e algumas também com o desejo de segui-lo. O texto mostra que ele está diante de uma grande multidão que o acompanha e precisa falar com elas, esclarecer o que significa ser seu discípulo. Hoje em dia, podemos pensar que é bem diferente ser fã de um time ou de uma pessoa do que realmente viver o estilo de vida desse grupo, com todas as exigências que isso traz.

Muitas pessoas se consideram “seguidoras” de alguém, seja de um grupo ou de uma pessoa, mas na verdade são seguidoras virtuais. Ou seja, não acompanham o ritmo, o jeito de viver ou o treinamento dessa pessoa ou grupo. Elas fazem parte daquele grande grupo que apoia, comenta e compartilha novidades, mas seu próprio modo de vida, com todas as suas implicações, segue por um caminho diferente. Muitos se aglomeram para estar perto de seu cantor ou jogador favorito, mas a selfie que obtêm é uma imagem que não traz nenhuma implicação na vida além do espanto, do comentário social e do compromisso de “segui-lo” nas novidades que ele vai postando.

O relato evangélico nos diz que Jesus era acompanhado por grandes multidões e acrescenta: Voltando-se, ele lhes disse: "Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo".

Podemos imaginar que, ao longo do caminho, Jesus ouvia opiniões, recebia perguntas e observava diferentes comportamentos das pessoas. Talvez houvesse quem tentasse ficar perto dele, os discípulos que se sentiam especiais por fazerem parte daquele grupo, aqueles que o acompanhavam em silêncio, os que ficavam felizes por terem sido curados e comemoravam, e também os doentes que estavam prostrados à beira do caminho... uma variedade de situações caminhava com Jesus durante a jornada. E, no meio de tudo isso, ele se vira para falar algo a eles. Parece que ele quer deixar bem claro o que realmente significa ser seu seguidor. Será que ele tinha ouvido algum comentário sobre isso?

Jesus fala de uma forma bem clara, a ponto de parecer até um pouco surpreendente. Ele diz: “Se alguém vem a mim”, colocando em primeiro plano uma escolha individual. Mesmo se dirigindo a uma multidão, ele destaca aquele “alguém que quer ir a ele”, mostrando que há uma diferença entre fazer parte de um grupo qualquer e decidir por si mesmo seguir Jesus. Ele olha para todos, mas deixa bem claro que seguir é uma decisão pessoal desde o começo. No meio de tanta gente, Jesus explica quais são as condições para esse seguimento, que dependem desse desejo sincero de se aproximar dele — algo diferente de simplesmente estar ali na multidão. É como se ele estivesse conversando com aquelas pessoas que, mesmo no meio daquele grande grupo, se perguntam o que realmente significa segui-lo, como fazer isso e o que é preciso para isso acontecer.

"Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”.

Jesus apresenta com total clareza como segui-lo, quais são as condições para isso. Desapegar-se do que é mais precioso, do mundo afetivo mais próximo: pai, mãe, esposa e filhos, irmãos e irmãs, e acrescenta também da própria vida. O que isso significa? Talvez ao longo da história tenham sido feitas interpretações que, sob o lema da radicalidade, levaram ao abandono de pessoas queridas – mesmo estando em situações de vulnerabilidade – e a um apego a outros laços que às vezes não eram muito saudáveis. Jesus fala do desapego desses laços e podemos comprovar isso em sua vida. Ele não renunciou à companhia de sua mãe, que o acompanhou ao longo de toda a sua vida, até a cruz. Mas Maria o seguiu em seu caminho, moldando sua própria vida e seus interesses a partir da novidade que seu filho trazia.

Renunciar aos grandes afetos significa colocá-los em segundo lugar, o que não é o mesmo que enterrá-los em vida. É viver livre daquilo que obscurece a vida de seguimento a Ele, aquilo que leva à dependência, que não permite à pessoa tomar outro rumo, caminhar para outros lugares. Quando um vínculo afetivo passa a ter prioridade sobre a liberdade que traz seguir Jesus, é quando estas palavras de Jesus adquirem o seu sentido fundamental: desprender-se, renunciar, ceder... Jesus fala de desapegar-se da própria vida, ou seja, não buscar a fama e segui-lo porque está na moda, não ir atrás dos meus próprios interesses senão libertar-se para ter a capacidade de acolher o novo, o diverso, o diferente.

Como dizia o Papa Francisco: Acolher significa redimensionar o próprio eu, corrigir a maneira de pensar, compreender que a vida não é minha propriedade privada e que o tempo não me pertence. É um lento desapegar-se de tudo o que é meu: meu tempo, meu descanso, meus direitos, meus programas, minha agenda. Quem acolhe renuncia a si mesmo e faz com que o tu e os nós entrem na vida (“Acolher não é apenas pôr-se a trabalhar, mas abandonar o que é meu”, diz Papa Francisco à Família Vicentina.)

Com dois exemplos muito claros, aquele que vai construir uma torre e calcula se pode fazê-lo ou o rei que enfrenta outro e examina se realmente pode enfrentá-lo, Jesus deixa claro que segui-lo é uma decisão. Não é fazer parte de um grupo ou caminhar com uma multidão, mas implica uma opção de vida que a reforça dizendo: “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!"

Jesus convida assim a renunciar a tudo o que se tem, a desapegar-se daquilo que nos apropriamos. Jesus convida a uma nova liberdade que só pode ser compreendida a partir da experiência do seu Amor que preenche e transforma a nossa vida. Ele não convida a deixar de amar, mas, pelo contrário, é um chamado a um amor desapegado, onde o “eu” não ocupa o primeiro lugar. Como disse Adroaldo Palaoro:

Aquele que não é capaz de superar o 'ego' e não deixar de se preocupar com seu individualismo (centralidade em si mesmo), frustra toda sua existência; mas, aquele que, superando o egocentrismo, descobre seu verdadeiro ser des-centrado e atua em consequência, vivendo uma entrega aos outros, alcançará sua verdadeira plenitude humana. Caminho da cruz, caminho do esvaziamento do "ego".

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