03 Setembro 2025
Um míssil lançado do céu sobre uma multidão aglomerada na esperança de receber um saco de farinha, uma garrafa de leite, uma lata de grão-de-bico: é o enésimo massacre de pessoas famintas na Faixa, ocorrido ontem perto da passagem de Zikim, no norte, onde a fome assola e Israel prometeu reduzir o fluxo de ajuda humanitária em preparação para o ataque final à Cidade de Gaza, último reduto do Hamas.
A reportagem é de Luca Foschi, publicada por Avvenire, 02-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No total são 98 os habitantes de Gaza mortos nas últimas 24 horas, nove por causas ligadas à desnutrição. Sobre a catástrofe paira o espectro do plano distópico de reconstrução da Faixa, o "Trust para a Reconstrução, Aceleração Econômica e Transformação de Gaza" — ou, para usar os slogans tão caros ao presidente estadunidense Trump, o "Great Trust", apresentado pelo documento de 38 páginas revelado domingo pelo Washington Post, que transforma morte, carestias e escombros num paraíso tecnológico e financeiro, por dez anos nas mãos de uma administração fiduciária estadunidense. Os palestinos receberiam 5.000 dólares e incentivos para deixar o país voluntariamente. Em dez anos, estima o plano, o investimento inicial de 100 bilhões de dólares teria um retorno no mínimo quadruplicado. O plano foi elaborado pelos próprios israelenses da famigerada Fundação Humanitária de Gaza (GHF), que atualmente administra os centros para a distribuição de ajuda humanitária nas áreas ao sul do enclave, onde todos os dias morre pelo menos uma dúzia de pessoas. "Gaza não está à venda, é parte integrante da grande pátria palestina", respondeu secamente ontem Bassem Naim, membro do gabinete político do Hamas.
Talvez o epítome do que está acontecendo na guerra de Gaza desde 18 de agosto esteja na reunião do gabinete de segurança realizada no domingo dentro dos muros protegidos de Kirya, o Pentágono israelense: o Chefe do Estado-maior, Eyal Zamir, pediu que na ordem do dia fosse incluída e votada a proposta de cessar-fogo do Egito e Catar, aceita pelo Hamas, O texto garantiria a libertação de todos os 49 reféns. O Primeiro-Ministro Netanyahu recusou. Durante aquelas que foram descritas como seis horas tempestuosas, os ministros de extrema-direita tomaram a palavra, pedindo ao primeiro-ministro para votar para que a proposta fosse oficialmente rejeitada. Netanyahu ofereceu-lhes a mesma resposta dada a Zamir. Se as reconstruções vazadas para a imprensa israelense forem fiéis, as distâncias entre exército e executivo, e entre os ministros do partido do primeiro-ministro, o Likud, e os ministros de extrema-direita, levariam mais uma vez à tática usada no cerco da Cidade de Gaza: esmagar lentamente as últimas brigadas do Hamas e o milhão de moradores famintos até chegar a um acordo total que se assemelhe a uma rendição. Do lado de fora da Kirya, na Hostages square, os familiares dos reféns gritavam nos megafones, representando a maioria da população: "Não se levantem até que se chegue a um acordo para o retorno para casa de todos".
Também é incerto o futuro dos protestos em massa que envolveram milhões de israelenses nas últimas semanas. A Procuradora-Geral Gali Baharav-Miara informou ontem com uma nota o Ministro da Segurança Ben-Gvir que sua anunciada lei para impor às manifestações uma autorização prévia da polícia, é ilegítima. "O decreto, desprovido de uma consulta às autoridades policiais e ao Ministério Público israelense, constitui uma clara violação do documento de princípio", escreveu Beharav-Miara, afirmando ainda que a publicação da lei excederia os limites da autoridade ministerial. "A hipótese de que minha autoridade sobre esse assunto seja suspensa é absolutamente ilegal", afirmou o ministro, acrescentando que o decreto é vinculativo e alertando que, se a Procuradora-Geral não apresentar uma nova posição em 24 horas, o decreto terá efeito imediato.
Leia mais
- “O massacre dos famintos”: Eles foram à Faixa de Gaza para receber ajuda humanitária e acabaram baleados
- "Lançar farinha de paraquedas é inútil e perigoso; precisamos de mil caminhões por dia". Entrevista com Amjad Shawa, trabalhador humanitário
- A ONU tentará aproveitar a pausa nos ataques anunciada por Israel para ajudar a população faminta em Gaza
- Médicos Sem Fronteiras e mais de 100 organizações internacionais denunciam o uso da fome como arma de guerra em Gaza
- “Pessoas estão desmaiando de fome nas ruas”: correspondente da RFI relata crise humanitária em Gaza
- Ajuda humanitária não chega à população de Gaza
- Gaza, entre a fome e o cerco. Artigo de Loay Abu Alsaud
- O que é fome?
- Israel condena Gaza à fome: "Comemos folhas de árvores ou capim"
- Gaza tem cada vez mais fome: “Se consigo comida, é uma vez por dia”
- “Morre-se de fome na Faixa. Netanyahu aniquila os palestinos”
- Gaza: contarei como são a fome e a sede infligidas por Israel. Mas o mundo observa e fica em silêncio
- "Faltam palavras para descrever o dia a dia dos palestinos", diz ex-presidente da Médicos Sem Fronteiras
- Gaza, Israel aprova conquista e ocupação total. Entrada de ajuda adiada
- Gaza, 40 dias sem ajuda: “De todas as tragédias, a fome é a mais brutal”
- “O mundo assiste a um genocídio ao vivo em Gaza”, diz Anistia Internacional
- Israel mata 100 em Gaza nas últimas 48 horas
- Israel e a água: uma arma de guerra e uma ferramenta de colonização na Palestina
- A fome como instrumento de guerra: o risco de uma catástrofe global
- Escândalos, denúncias e ameaças do Hamas: fracassa o plano dos EUA para entregar ajuda
- A polêmica fundação que atua em Gaza com aval de Israel
- Recém-nascidos e outros pacientes em Gaza correm risco de morte por falta de combustível em hospitais, alerta Médicos Sem Fronteiras
- Um massacre de crianças está em curso em Gaza, um precedente perigoso para toda a humanidade
- Em Gaza não há presentes, se as crianças pudessem escrever ao Papai Noel apenas pediriam para morrer
- Israel completa o cerco a um dos últimos hospitais no norte de Gaza e detém a maioria dos seus médicos
- Norte de Gaza ficou sem hospitais operacionais devido a ataques israelenses
- Gaza, o gelo e a sede
- “Os crimes contra a humanidade em Gaza não são menos graves do que um genocídio”. Entrevista com Marcello Flores
- O objetivo militar impossível de Israel – eliminar o Hamas – encurrala civis, mulheres e crianças diante do horror em Gaza. Entrevista especial com Bruno Huberman
- O frio agrava o desastre humanitário em Gaza com a morte de vários bebês por hipotermia