03 Setembro 2025
"Gaza deve ser reconstruída tijolo por tijolo, mas todas as terras habitadas por palestinos devem ser ressuscitadas. Numa comunidade sem perspectivas, triunfam aqueles que se remoem na raiva: a convivência civil, o respeito às regras e a "medida" são frutos de uma sociedade que soube crescer", escreve Gianni Oliva, historiador italiano, em artigo publicado por La Stampa, 02-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
"Free Palestine": diante dos massacres em Gaza, o "coração" diz "Palestina Livre", a aversão instintiva pelos "muito fortes" gera uma solidariedade igualmente instintiva pelos "muito fracos". A diplomacia europeia, pressionada pela comunicação, evoca a fórmula articulada dos "dois povos, dois Estados", o princípio não atendido que já havia inspirado a deliberação das Nações Unidas de 1947. Ambos são slogans, mais ou menos prudentes ou radicais, que tranquilizam ao dizer "a solução é essa, já está pronta". Mas a história não procede nem por slogans nem por esquemas, mas por "nós" que devem ser desatados, um após o outro.
Apesar de suas boas intenções, os protestos de "Palestina Livre" pecam por simplismo, assim como as vozes diplomáticas cheiram a artifício linguístico e os resorts trumpianos a bullyng midiático. Na Palestina, tudo precisa ser construído. Isso deve ficar bem claro para todos — tomadores de decisões políticas, militantes de base e cidadãos comuns.
Em primeiro lugar, é preciso garantir protagonismo ao povo palestino, refém de lógicas externas há oitenta ano. Em 1948, quando os britânicos se retiraram após a decisão de dividir a Palestina entre Israel e Estado palestino, uma liga de países árabes entrou em guerra contra Israel em nome da defesa dos "irmãos palestinos". O resultado daquela primeira guerra árabe-israelense foi um armistício assinado em 1949, que criou uma geografia completamente diferente daquela prevista pela ONU: Israel ocupou três quartos da Palestina, enquanto a Faixa de Gaza passou para o controle egípcio, a Cisjordânia foi anexada ao Reino da Jordânia e Jerusalém foi dividida em duas. Assim, o Estado árabe da Palestina desaparecia antes mesmo de nascer, subjugado tanto pelo expansionismo israelense quanto pelas ambições de "países irmãos", antecipando a natureza instrumental que a questão assumiria nas décadas seguintes. Como escreveu o poeta palestino Mahmoud Darwich: "sabemos como nos tornamos árabes nas prisões de Israel; e sabemos como nos tornamos palestinos nas prisões árabes".
Um povo geograficamente disperso, transformado em instrumento, precisa encontrar, em primeiro lugar, a sua identidade e a sua coesão.
Em segundo lugar, o sistema de valores de referência. O que deve ser um futuro Estado palestino? Certamente caberá ao povo palestino decidir isso, respeitando sua autodeterminação. Mas, como observadores externos, não podemos presumir que não faça diferença se o modelo será um Estado laico, a teocracia obscurantista dos aiatolás, os regimes constitucionais da Jordânia e Marrocos, o absolutismo saudita ou algo mais. Não confundamos a simpatia pelas vítimas com legitimação preconceituosa: Palestina livre, mas "qual" Palestina? O Hamas não é um grupo revolucionário que tomou o poder pelas armas, mas o partido que nas eleições legislativas de 2006 (em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental) obteve a maioria absoluta dos conselheiros, 74 de 132. Nenhuma pretensão de impor o modelo democrático ocidental, mas o questionamento sobre o modelo é obrigatório.
Terceiro, a economia do futuro Estado palestino. Os modelos políticos refletem as condições internas de um país, seu desenvolvimento, seu nível de educação. Gaza deve ser reconstruída tijolo por tijolo, mas todas as terras habitadas por palestinos devem ser ressuscitadas. Numa comunidade sem perspectivas, triunfam aqueles que se remoem na raiva: a convivência civil, o respeito às regras e a "medida" são frutos de uma sociedade que soube crescer. Quem garantirá tudo isso para o futuro (espero que próximo) Estado palestino? De onde virão os recursos? Quais programas internacionais serão garantidos? Não me parece ter ouvido nada dos diplomatas que falam sobre "dois povos, dois Estados"; e não me parece que se questionam sobre isso os manifestantes de "Palestina Livre".
Em 1979, eu estava entre os jovens que exultaram com a queda do Xá Reza Phalevi: nenhum de nós se perguntou o que viria depois. E vieram Khomeini, os pasdaran da revolução, o apedrejamento das adúlteras. Não quero que o mesmo aconteça na Palestina. O futuro não é um ato de fé; é um percurso a ser construído, antes mesmo que comece.
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