03 Setembro 2025
A oportunidade anual da Igreja Católica para ignorar a história das mulheres diáconos repete-se neste dia 3 de setembro, Festa de Santa Febe, diácona da Igreja de Cencreia.
O artigo é de Phyllis Zagano, publicado por 7Margens, 02-09-2025.
Phyllis Zagano integrou a Comissão para o Estudo do Diaconado das Mulheres (2016-2018). É investigadora na Universidade de Hofstra, Hempstead, Nova Iorque, e o seu livro mais recente é Just Church: Catholic Social Teaching, Synodality, and Women (Paulist, 2023) [Igreja justa: ensino social católico, sinodalidade e mulheres].
Eis o artigo.
Nunca ouviu falar dela? Isso é porque, em 1969, o calendário da Igreja alterou o dia festivo formal de São Gregório Magno da data da sua morte (12 de março) para a data em que ele foi eleito papa (convenientemente, 3 de setembro), ofuscando-a. Convenientemente, porque Gregório é o pregador que espalhou a mentira de que Santa Maria Madalena era prostituta. Não se pode inventar uma coisa destas.

Ícone de Santa Febe por Suzanne Massie
Agora é pior. Jornalistas furiosos, bloggers e até bispos estão espalhando ainda mais informações falsas sobre a história e a possibilidade de restaurar a tradição de ordenar mulheres como diáconas católicas. Baseando-se em cópias traduzidas de um livro com 43 anos sobre o tema, afirmam que nunca nenhuma mulher foi ordenada diácono na história da Igreja, apesar da admissão da autora de que, devido à ausência de muitos documentos históricos, não é possível qualquer determinação final.
Então, qual é o problema? Circulam diversas afirmações sobre a tentativa de interromper as discussões magisterialmente obrigatórias do Sínodo sobre a Sinodalidade sobre a restauração da prática de ordenar as mulheres como diáconas. Estas enquadram-se em duas categorias principais: 1) as mulheres não podem “representar” Cristo e 2) as ordens sagradas não podem ser divididas.
A objeção mais surpreendente é a de que as mulheres não podem representar Cristo e, portanto, não são feitas à imagem e semelhança de Deus. No entanto, o fato consolador da encarnação é que Deus se tornou humano na pessoa de Jesus Cristo.
Obviamente, a compreensão de quem representa Cristo hoje não depende das diferenças sexuais. Dizer que as mulheres não podem representar Cristo – não podem ser sinais de Cristo na e para a Igreja – é negar a sua plena humanidade. A afirmação envia um sinal terrível ao resto do mundo, especialmente às partes do mundo onde as mulheres são bens de segunda classe, vivendo dominadas por um membro da família do sexo masculino, incapazes de votar, conduzir, frequentar a escola ou mesmo decidir com quem casar.
Afirmar que as mulheres podem ser a imagem de Cristo não nega as distinções de gênero nem defende outra coisa que não seja o ensinamento católico: todos somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Limitar esta capacidade devido ao que os estudiosos chamam de “fisicalismo ingénuo” é negar o facto extraordinário da ressurreição e o ensinamento católico de que Cristo vive em todos os cristãos.
Com o retomar da discussão sobre as mulheres diáconas durante o Concílio Vaticano II, surgiu a teoria da “unicidade das ordens”. O falso argumento de que, como as mulheres não podem ser ordenadas presbíteros não podem ser ordenadas diáconas, ganhou uma nova força, mesmo dentro do Vaticano. Até o Papa Francisco apresentou uma versão disto numa entrevista televisiva menos de um ano antes de morrer. Quando uma repórter americana lhe perguntou se uma jovem poderia pensar em tornar-se diácona, respondeu com um rotundo “não” a uma diácona dentro das ordens sagradas. Porquê? Não explicou, mas, como tantos outros não especialistas fazem, voltou a falar de todas as coisas maravilhosas que as mulheres podem realizar sem serem ordenadas. Importante, porém, é que não afirmou que as mulheres não podiam ser ordenadas diáconas, apenas que não acreditava que o fossem.
As três principais ordens da Igreja Católica – o diaconato, o presbiterato e o episcopado – têm uma longa trajetória de desenvolvimento, mas uma ordem não implica necessariamente a outra.
O diaconato é um caso interessante. A Carta de São Paulo aos Romanos (57 d.C.) apresenta a primeira e única menção de uma mulher diácona por título em todas as escrituras. O seu nome é Febe, e foi incluída na lista oficial de santos da Igreja, o Martirológio Romano, no seu início. Paulo apresenta-a à Igreja nascente em Roma como diácona e pede aos romanos que a acolham e, sobretudo, a respeitem. Entende-se que ela levou a carta a Roma e interpretou a sua teologia para estes novos cristãos.
Mais tarde, os Atos dos Apóstolos (70-90 d.C.) relatam a eleição de outros sete pela comunidade, a pedido dos apóstolos. Não recebem o título de “diáconos”, apesar da sua tarefa designada de auxiliar na distribuição de alimentos às viúvas. Isto aconteceu muito tempo depois da morte e ressurreição de Cristo, fazendo do diaconato uma criação da Igreja.
Mas é Febe quem primeiro é nomeada e conhecida, diretamente, como diácona. Porque é que ela não é bem-vinda e respeitada pela Igreja de hoje?
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