03 Setembro 2025
"Com este olhar contemplativo, retornamos a Niceia. O Logos é o mundo de Deus".
O artigo é de Paolo Gamberini, teólogo jesuíta, publicado por Settimana News, 30-08-2025.
Eis o artigo.
Repensar o cristianismo hoje exige mais do que uma reformulação doutrinária; exige um envolvimento transformador com toda a estrutura hermenêutica por meio da qual a fé cristã foi entendida, expressa e vivida.
A tese central é que o rígido monoteísmo judaico, quando traduzido para uma estrutura teológica cristã por meio da doutrina da Trindade, evoluiu para uma forma relativa de monoteísmo. A formulação trinitária permitiu que a essência divina fosse compreendida de acordo com uma profunda relacionalidade que, em seus primórdios (teologia pré-nicena), sugeria uma estrutura mais profunda de unidade entre o divino e o mundano. No entanto, essa percepção teológica não foi plenamente realizada. O Concílio de Niceia — cujo 1.700º aniversário estamos celebrando — não atingiu plenamente seu objetivo. A teologia cristã é convidada a dar um passo adiante, não se distanciando do monoteísmo trinitário, mas indo além dele.
Nisto, o outro aniversário que celebramos este ano pode ajudar-nos: o septuagésimo aniversário da morte de Teilhard de Chardin. Em 10 de abril de 1955, de fato, morreu em Nova York o jesuíta, teólogo e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin. Sua visão cristológica oferece uma pista fundamental. Segundo Henri de Lubac, Teilhard sonhava com um novo Concílio que completaria o de Niceia. Se o primeiro havia definido a relação de Cristo com Deus na Trindade, o novo Concílio exploraria o vínculo entre Cristo e o Universo. Teilhard imaginou uma cristologia que integrasse ciência e evolução, conectando Cristo não apenas à Trindade, mas também a todo o Universo em evolução, vendo assim o cosmos como o corpo místico de Cristo [1].
Ele fala de uma "terceira natureza" de Cristo, para além da afirmação tradicional das naturezas divina e humana, nomeadamente a natureza cósmica. "Este terceiro aspecto do Verbo encarnado não foi suficientemente distinguido dos outros dois" [2]. A figura de Cristo tem sido tradicionalmente interpretada através de uma dupla lente: o homem histórico Jesus, de um lado, e o Verbo eterno, o Logos divino, do outro. Contudo, esta estrutura binária obscureceu a dimensão universal ou cósmica da cristologia. Este aspecto, embora implicitamente presente na Escritura e na tradição, não foi adequadamente integrado no imaginário teológico dos fiéis, especialmente depois de Niceia.
No entanto, este Cristo universal é de fundamental importância. É em Cristo que todas as coisas foram criadas e nele todas as coisas subsistem − in quo omnia constant [3]. Este é o Cristo que, longe de se limitar à Palestina do primeiro século, abraça a totalidade da existência e leva toda a realidade à sua consumação. No entanto, à luz dos desenvolvimentos contemporâneos na ciência, na metafísica e na espiritualidade, a teologia cristã é convidada a recorrer a "novas categorias desenvolvidas a partir de outros conhecimentos" para comunicar a verdade da fé de forma fiel à tradição, mas criticamente sintonizada com o presente [4]. A categoria que nos permite reconsiderar criticamente o teísmo niceno é a de "relação", particularmente quando entendida em sua articulação gerativa.
A distinção entre gerado do nada (creatio ex nihilo) e gerado por Deus (generatio de deo) tem sido central, especialmente no confronto entre a filosofia grega e o pensamento cristão, antes e depois de Niceia. Gerado do nada significa que algo vem a existir sem matéria preexistente. Não implica que haja um "nada" que gera, mas que primeiro não existia e depois passa a existir. Esta é a concepção típica da criação do mundo na teologia judaico-cristã: Deus não molda uma matéria eterna (como o demiurgo platônico com a chora no Timeu), mas traz à existência o que não existia antes. Aqui, acima de tudo, a dependência ontológica da criatura em relação ao Criador é enfatizada: tudo o que existe não poderia ter sido, e seu ser é radicalmente dado.
Gerado por Deus é uma linguagem que se aplica sobretudo à relação intradivina. O Concílio de Niceia quis "decidir" sobre a distinção entre creatio ex nihilo e generatio de substantia dei patris (homoousia). Teologicamente, no cristianismo, diz-se que o Filho é gerado, não criado ("gerado pelo Pai antes de todos os séculos"). Aqui, a geração é eterna, não tem antes nem depois. Não provém do nada (ex nihilo), mas da própria substância do Pai (de substantia divina).
Quando dizemos que o mundo é "gerado por Deus", devemos esclarecer: ou falamos em sentido criacionista, caso em que significa que Deus o criou ex nihilo; ou falamos em sentido emanacionista (à la Plotino), caso em que o que é gerado procede de Deus por superabundância, sem interrupção, como a luz que emana do sol. No modelo emanacionista, a substância divina é aquela da qual o mundo provém e depende (ex deo).
A distinção introduzida por Niceia (gerado, não criado) é, portanto, essencialmente esta: "do nada" diz respeito à origem das criaturas, que recebem o ser sem qualquer matéria ou princípio intrínseco; "de Deus", em vez disso, diz respeito à origem do Filho e do Espírito "da mesma essência divina" que o Pai. Deve-se ter em mente que esta origem do Pai é de "dependência", necessária e não acrescenta nada a Deus. Estas três características: (1) dependência, (2) necessidade, (3) que não acrescenta nada, qualificam tanto a geração intradivina quanto a extradivina (creatio). O que as diferencia é que, para a primeira (intradivina), o Filho é da mesma substância que o Pai (homoousia), enquanto para a segunda ele "não" é da mesma substância que o Pai.
A decisão nicena introduziu uma cisão histórica (decisão) entre Deus e o mundo. O homem Jesus foi isolado das outras criaturas, reconhecendo assim sua divindade. O resultado foi que Deus foi concebido "sem" a criatura. Essa decisão nicena, por assim dizer, preparou o terreno para a declaração de Nietzsche em Assim Falou Zaratustra, "As Ilhas Abençoadas", que diz: "Se houvesse deuses, como eu suportaria não ser um deus! Logo, não há deuses". De Niceia a Nietzsche, o passo é logicamente curto.
À questão de por que não se pode dizer que o mundo é gerado a partir da substância de Deus, a resposta tradicional é que, se o mundo fosse gerado a partir da substância de Deus, então o mundo seria o próprio Deus, ou pelo menos uma parte dele. Isso contradiria a transcendência, pois Deus não se confunde com a criação, mas permanece distinto dela. Implicaria uma forma de panteísmo ou emanacionismo, incompatível com a fé monoteísta clássica. Somente o Filho e o Espírito são "da substância de Deus". O mundo é criado ex nihilo por livre-arbítrio, não por necessidade natural. Além disso, se o mundo fosse da substância de Deus, isso significaria que Deus é dividido ou que sua substância é comunicável. Mas a substância divina é entendida como simples, indivisível, infinita: ela não pode ceder uma parte de si mesma sem ser corrompida. O mundo não pode compartilhar substância com Deus, mas apenas dependência causal.
Essas objeções, contudo, são insustentáveis, visto que também poderiam ser levantadas em relação à geração do Filho. Contudo, a teologia nicena respondeu amplamente, argumentando que a geração do Pai não implica uma diminuição da essência divina. O cerne da questão continua sendo a divisão entre Deus e o mundo, decidida em Niceia.
A contingência do mundo se baseia não tanto no livre-arbítrio divino (Ele também não poderia ter criado o mundo), mas na "dependência" do mundo em relação a Deus. Assim como o Filho foi gerado pelo Pai não por livre-arbítrio — isto é, Ele também não poderia tê-lo gerado — nem por coerção externa, mas por Sua própria vontade espontânea (necessidade "interna"), assim também o mundo não foi criado por necessidade externa nem por vontade divina. O mundo foi criado a partir da essência divina (ex essentia dei). O Filho depende do Pai, assim como o mundo depende de Deus.
A visão emanacionista, como a neoplatônica, que imagina o Um emanando o mundo como a luz do sol, poderia ser uma alternativa. O Um permanece além de todas as emanações: não se empobrece, não divide. A teologia cristã rejeitou essa imagem porque ela introduz um processo necessário: Deus não pode deixar de gerar o mundo. A contingência do mundo, contudo, não é dada pelo "potencial-não-ser" do mundo, como efeito de uma decisão livre. Em Deus, não há antes e depois — pois Ele é eterno. O poder de agir de outra forma não está presente em Deus. Sua liberdade coincide com Sua necessidade.
Objeções segundo as quais o mundo não é gerado da substância de Deus, porque isso implicaria panteísmo, divisão da substância divina e uma necessidade natural, não se sustentam. Afirmar que o mundo é criado ex nihilo não contradiz que ele foi criado ex Deo. A ideia de criação ex nihilo implica que o mundo depende inteiramente de Deus e é continuamente sustentado por Ele. Somente neste sentido preciso o mundo é contingente (cum -tangens), isto é, "acontece junto" com Deus. Assim, embora a tradição cristã enfatize a infinita diferença entre Deus e o mundo, pode-se também dizer, em certo sentido, que a criação é ex Deo, sem cair no panteísmo, significando com isso que toda a essência da criatura é de Deus "ex Deo essentia" (Tomás de Aquino, Summma theologiae, I, q. 41, art. 2, ad secundum).
Pergunta-se: afirmar que o mundo existe "ex essentia Dei" significa identificar Deus com o mundo?
Não creio. O mundo não acrescenta nada a Deus. A substância divina não precisa do mundo para ser Deus. Ao mesmo tempo, Deus e o mundo se pertencem eternamente. O que distingue Deus e o mundo é que "Deus" é Deus em absoluto, enquanto o mundo é "Deus de Deus", em termos relativos.
A ideia de que o mundo nada acrescenta a Deus salvaguarda a plenitude e a autossuficiência divinas. A substância divina é perfeita, infinita, sem falta de nada. Portanto, o mundo não acrescenta Deus em seu ser, nem lhe confere novas qualidades. Trata-se de uma dependência assimétrica: isto é, o mundo pertence a Deus, mas Deus não pertence ao mundo. O mundo é uma participação finita no ser divino, e não há criatura sem o Criador; se Deus cria, então há necessariamente um mundo, mas não porque Deus dependa do mundo. O fato de Deus ter criado o mundo não é uma decisão subsequente ou consecutiva ao seu ser Deus. Deus (x) é o ato de sua decisão eterna de criar o mundo (x + y).
Deus não é idêntico ao mundo (x ≠ y), mas o mundo está em Deus. Deus transcende o mundo, mas o inclui. Essa copertença não é recíproca. Embora o mundo esteja em Deus como manifestação e Deus esteja no mundo como presença que o sustenta, o mundo não "aumenta" nem "torna" Deus mais Deus. Isso nos permite dizer que Deus permanece imutável e perfeito. Uma fórmula sintética é esta: Deus é independente do mundo quanto ao seu ser, mas Deus e o mundo copertencem (x + y) quanto à relação de criação. O mundo é totalmente relativo a Deus; Deus é absoluto e está ligado ao mundo não totalmente, mas relativamente. Essa "copertença" identifica o ser de Deus (x = x + y) e garante que o mundo seja reconhecido como "Deus de Deus".
Deus e o mundo são as duas maneiras pelas quais a substância divina (θεός) é definida. O modo "infinito" da substância é Deus (ὁ θεός). O modo “finito” da substância é a criatura. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
(Jo 1,1).
Ângela de Foligno exclamou, maravilhada, diante da plenitude divina que via presente no mundo: Est iste mundus pregnans de Deo! "Este mundo está grávido de Deus!" A palavra latina pregnans, da qual deriva o português "grávida", origina-se de prae- (diante, em frente de) e gnascī (nascer). Etimologicamente, sugere um estado de ser antes do nascimento, um levar adiante, um conter dentro de si aquilo que ainda não está plenamente manifesto, mas é intimamente real e está em fase de formação ativa.
Dizer que o mundo está "cheio de Deus" não é meramente uma expressão poética, mas sim uma afirmação de uma fecundidade oculta no cerne da realidade. Sugere que a divindade não está ausente, mas "gestando" em si mesma, toda a criação. Este mundo, como o útero de uma mãe, carrega em si o mistério de Deus, não como um arquiteto distante, mas como uma fonte interna de vida, movimento e devir.
As palavras luminosas da Beata Ângela de Foligno (1248-1309) oferecem mais do que uma visão mística [5].
A divindade não é uma realidade externa ou isolada, mas a própria plenitude na qual o mundo vive e se move. Ver o mundo como grávido de Deus significa adotar o olhar contemplativo de Ângela, um olhar que percebe não apenas com os olhos, mas com a alma. Significa reconhecer que o que foi confessado em Niceia (homoousia) precisa ser contemplado novamente. A Trindade de Deus não apenas olha para o mundo — como diz Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais (n. 106) — mas também olha para nós. É um mistério radiante de potencial divino: a história, a humanidade e o cosmos estão todos engajados em uma dinâmica de divinização.
Com este olhar contemplativo, retornamos a Niceia. O Logos é o mundo de Deus.
Notas
[1] Cf. Henri de Lubac, Teilhard: missionário e apologista, Toulouse, Éditions Prière et Vie, 1966, 37-38.
[2] Pierre Teilhard de Chardin, "Sugestão para uma nova teologia", em Christianity and Evolution (Nova Iorque: Hartcourt, 1969), 179-180.
[3] Pierre Teilhard de Chardin, Divine Milieu (Nova York: HarperCollins, 2001), 25.
[4] Papa Francisco, Motu Proprio: Ad theologiam promovendam, https://www.vatican.va/
[5] Angela da Foligno, Memorial VI, na ed. Francesco Santi, Literatura Franciscana. O Místico, Vol. V [Milão: Mondadori, 2016], 125-127.
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