25 Agosto 2025
“Ninguém consegue se lembrar de algo que não pensou e não falou consigo mesmo” - Hannah Arendt.
A entrevista é de Andrea Malaguti, publicada por La Stampa, 24-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na redação, assistimos às centenas de vídeos e fotografias que chegam de Gaza. Deixamos que rolem pelas telas dos computadores em silêncio. “São pinturas de Caravaggio”, diz uma colega. Os escombros, a areia, a luz violenta, um formigueiro de seres humanos empurrados para o nada. Os olhos sem expressão, as roupas esfarrapadas e os corpos esqueléticos daqueles que vivem em fuga, sem comida, sem água, sem eletricidade. Sem.
É isso: os palestinos são um povo sem. Roubados de tudo. Da alma à dignidade. No La Stampa, tememos o dia em que essas imagens deixarão de nos afetar. De nos escandalizar. “Oportet ut scandal eveniant”, “é necessário que venham escândalos”, diz o Evangelho de Mateus. Devemos manter vivo o nosso sentimento de indignação, enquanto vagamos como sonâmbulos em busca de remédios. "Ninguém consegue se lembrar de algo que não pensou e não falou consigo mesmo", diz Hannah Arendt, apontando para um pequeno dever que devemos cumprir diariamente. Gaza e Kiev, onde vidas e prédios são explodidos. Onde os mísseis de Putin destroem implacavelmente pessoas e coisas, só para depois permitir que o ditador russo se apresente em lugares como Anchorage para explicar o quão "entristecido está com o que está acontecendo com um povo irmão".
Como se não for ele quem puxa o gatilho. E faz sorrir, se alguém consegue sorrir mesmo na tragédia, pensar na pomposa falta de jeito com que Donald Trump, após invocar para si mesmo o Prêmio Nobel da Paz, diz no rádio: "Netanyahu é um herói de guerra, porque trabalhamos juntos. E eu acho que também sou um herói." Heróis de guerra indiferentes às macabras consequências de suas escolhas.
Claro, é possível fazer análises mais refinadas do que esta, que é mais uma reflexão-desabafo. Uma maneira de manter os olhos sobre quem paga os custos da loucura, não em quem a produz. Mas é difícil se conter depois de descobrir, em uma investigação do Guardian, que 83% das vítimas na Faixa de Gaza são civis. Depois que o porta-voz da ONU implorou ao governo israelense para entrar em Gaza, onde há uma carestia "induzida" — gélida palavra que significa intencional, escolhida, imposta, calculada. E depois que a bilionésima agência de notícias nos diz: "Ataque israelense em Gaza, 61 mortos, 4 crianças". Quem decide por todos é a fúria exterminadora do primeiro-ministro israelense e suas Bacantes sedentas de sangue, Smotrich, Katz, Ben-Gvir.
"Destruiremos a Cidade de Gaza". Como pode não haver vergonha em quem profere a palavra destruir?
“No ano passado, Netanyahu citou uma passagem do Antigo Testamento. Enquanto o povo fugia do Egito, mulheres e crianças na retaguarda da caravana eram atacadas e mortas pelos amalequitas. Então, a voz de Deus pediu para destruir todos os descendentes de Amaleque: mulheres, crianças, idosos, ovelhas, jumentos, aldeias. Se esse é o seu ponto de referência, é inútil nos surpreendermos pelo que está acontecendo”.
Para esclarecer minhas ideias, liguei para Gustavo Zagrebelsky (a quem devo grande parte das reflexões deste artigo), intelectual, jurista, ex-presidente do Tribunal Constitucional, uma das poucas consciências críticas no país. “Penso em mim mesmo e sei que não resistiria um dia sequer em Gaza. Eu me mataria. A luta por comida, os deslocamentos constantes, as humilhações de todo tipo. A pior violência é a privação do futuro. Infelizmente, sabemos que a história humana é dominada pelo uso da força. Quando ela produz horrores demasiado grandes, há uma espécie de despertar. Isso também aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial. Depois, lentamente, voltamos a adormecer. A crise das grandes instituições internacionais é gerada pelo ressurgimento de forças não controláveis pelo Direito”. E, então? “Devemos manter vivo o sentimento de horror, ao mesmo tempo em que nos perguntamos quais as condições que tornam o Direito eficaz”. Ter valores compartilhados? "Pode ser um exemplo. E, além disso, eu louvo as belas almas. Comparadas às almas más, têm uma grande vantagem moral: não servem para nada, mas não aumentam o sofrimento do mundo."
O Direito internacional enterrado com os habitantes de Gaza e os ucranianos. Humilhado pelo descumprimento dos mandados de prisão de Putin e Netanyahu, pelo retorno de Almasri à Líbia. Mas justificado quando se tratou, e com razão, de devolver à Alemanha o agente secreto ucraniano acusado de sabotar os gasodutos russos Nord Stream.
A Europa e Itália soltam balidos, mas não agem. Afinal, o imperativo é não perturbar o aliado estadunidense. Mas continuo apostando nessa opinião pública escandalizada. Ela não pode ficar sem respostas e certamente não ficará em silêncio diante de propostas dementes como aquela de agir em 24 horas para defender os ucranianos após uma eventual paz. Na guerra, os automatismos são apenas prova de infantilismo.
O senhor acredita na paz, professor?
Seria um discurso muito longo. Limito-me a dizer o seguinte: o abafamento de uma guerra não é necessariamente paz. Mais frequentemente, é abuso de poder.
Citando Bobbio, voltamos a uma fase selvagem da história. Foi no século XVII que os homens, com Hugo Grotius e seu De iure belli ac pacis, descobriram a necessidade do Direito internacional como instrumento de regulamentação das relações entre os Estados. E então, após a carnificina das grandes guerras novecentistas, até mesmo a necessidade da defesa dos direitos humanos, de limites intransponíveis.
Nesta nova era bárbara, a única regra que importa é a da violência, mascarada como uma resolução rápida das disputas. Voltamos a antes de 1600.
Mas não era a diplomacia "trumputiniana", após a obscura presidência Biden, que deveria nos tirar do poço das serpentes para onde nos havia arrastado o delírio progressista e bem-intencionado do mundo woke?
Continua-se a morrer. Mais do que antes. Pior do que antes. Mas em Mar-a-Lago e na Casa Branca, as fileiras dos bajuladores estão crescendo. No entanto, o estado das relações transatlânticas está em seu mínimo nível histórico.
A Europa se deixa estrangular. Concorda em comprar em três anos 750 bilhões de recursos energéticos que não pode desfrutar e diz sim a 600 bilhões de investimentos estratégicos que beneficiarão as indústrias bélicas e a dívida pública dos EUA. Estamos sendo chantageados. Mas dizemos que são acordos. Que é realpolitik. Que não pode ser feito de outra forma. Provavelmente não. Portanto, para começar do zero, seria preciso ter a coragem de dizer com Mario Draghi: "Durante anos, a União Europeia acreditou que sua dimensão econômica, com 450 milhões de consumidores, trazia consigo poder geopolítico e poder nas relações comerciais internacionais. O 2025 será lembrado como o ano em que essa ilusão evaporou".
Gabriele Segre escreveu nestas colunas: a hegemonia é a capacidade de ditar o ritmo do tempo, e o Ocidente, por décadas, impôs o seu próprio a todo o planeta. Hoje, não é assim, mas a política tem o dever de buscar caminhos (sanções, acordos entre países semelhantes, dívida e defesa comuns, tributação compartilhada) antes que se esvaia a indignação da opinião pública, única guardiã dos valores residuais que ainda nos unem. Antes que as fotos de Gaza e as mortes em Kiev deixem de nos afetar. Antes que nossos olhos e mentes se tornem cegos. A política é planejamento ou é dano. "Liberdade, democracia e paz devem ser continuamente regeneradas", explicou o presidente Mattarella no Encontro de Rimini. Ele tem razão. O senso prático deve andar junto com aquele moral. Não existe um sem o outro. Atualmente, faltam ambos, enquanto os seres humanos se tornam apenas fogo e ferro.