23 Agosto 2025
“A cultura política zapatista implica mudanças fundamentais em relação ao que as gerações de rebeldes aprenderam e reproduziram até agora. Não se trata de pequenas mudanças de estilo ou de palavras, mas de uma transformação radical e profunda que passa pela crítica e a autocrítica, levando a uma nova forma de ver e fazer”. A reflexão é de Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 22-08-2025. A tradução é do Cepat.
A assembleia dos mortos, dos caídos na luta, dialoga com os zapatistas vivos. Essa troca foi representada na primeira peça do Encontro de Rebeldias e resistências, “Algumas partes do todo”, no semillero de Morelia, de 2 a 16 de agosto.
Os mortos explicam aos combatentes atuais que, na história das revoluções e das lutas, a pirâmide sempre se reproduz; sempre há alguns no topo. E pedem que não repitam seus erros, porque, se o fizerem, a pirâmide continuará a existir, e com ela as mesmas opressões contra as quais se levantaram. É assim que a história do século XX é vista de baixo, de forma simples.
A cultura política zapatista implica mudanças fundamentais em relação ao que as gerações de rebeldes aprenderam e reproduziram até agora. Não se trata de pequenas mudanças de estilo ou de palavras, mas de uma transformação radical e profunda que passa pela crítica e a autocrítica, levando a uma nova forma de ver e fazer. Se considerarmos cada uma das questões que compõem a luta revolucionária, podemos compreender a profundidade das diferenças entre o zapatismo e a velha cultura política da esquerda.
Na década de 1970, um dos motes que nos impulsionava era: “Ser como o Che”. Por um lado, apelava a uma ética do compromisso militante, de arriscar o próprio corpo e dar a vida se necessário, o que ainda considero válido. Por outro, apelava a seguir seus passos, o que considero problemático porque propõe um caminho sem ter feito um balanço crítico.
Desde 1994, o EZLN se propôs a seguir um caminho próprio, traçado pelos povos organizados e não pela vanguarda, cujo protagonismo logo tiraram, talvez ao substituía-la pelo CCRI (Comitê Clandestino Revolucionário Indígena) no comando.
O lema “mandar obedecendo” implica uma ruptura completa com os modos vanguardistas que obedecem apenas às decisões da liderança de vanguarda, ou seja, masculina, branca ou mestiça, com formação universitária, eloquente e com pouca ou nenhuma disposição para ouvir os povos.
Uma revolução na luta. Mas tão outra, tão diferente, que muitos militantes não têm a capacidade ou a vontade de compreendê-la, de aceitar que as coisas não devem ser como antes. Por mais que o EZLN insista em explicar que é um movimento diferente, não é fácil para aqueles que permanecem comprometidos com a velha cultura política entender o que é a proposta zapatista e como ela funciona.
Uma primeira questão refere-se a esse diálogo entre os mortos e os vivos, que se resume na pirâmide e na necessidade de destruí-la ou derrubá-la, não de invertê-la, como apontou o Capitão Marcos em um de seus comunicados recentes.
Uma segunda questão diz respeito aos conceitos de vitória e derrota, para dar apenas um exemplo. Para a cultura antiga, a vitória é a tomada do poder ou, na versão eleitoral, a chegada ao Palácio de Governo.
Trata-se de reunir muitas pessoas, a quem chamam de “massas”, que, portanto, ficam inertes, magnetizadas pelo líder ou caudilho atual, a quem devem simplesmente seguir. Para triunfar, não é necessário apenas um grande número de pessoas, mas também a unidade e a homogeneização das próprias fileiras para que possam ser dirigidas do topo da pirâmide.
Nesta cultura, a pirâmide não só é necessária, como se torna o centro, que se resume a quem está no topo, neste ou naquele nome. Pode ser Evo Morales ou quem quer que seja, mas quando ele deixa o cargo, tudo desmorona porque ele sugou a energia coletiva, desorganizando as pessoas que colocam tudo fora de si mesmas, no chefe ou líder de plantão.
Para os povos, a vitória, o ganho, significa continuar sendo povos. Algo que não passa por entrar no palácio, tomar o poder dos outros, o que não serve para nada e enfraquece os povos. Trata-se de construir o que é próprio: saúde, educação, poder, ou como quer que chamemos essa forma de tomar decisões e aplicá-las.
Em terceiro lugar, o diálogo com os mortos implica um balanço das revoluções passadas. Todas elas começaram com a crise dos Estados-nação, e todas os tornaram mais fortes, mais poderosos, enquanto suas sociedades se tornaram mais frágeis e dependentes. Em suma, mais pirâmides, mais altas, mais impressionantes. Esta é a triste realidade de todas as revoluções, embora também tenham trazido coisas positivas para os povos.
Há muito mais coisas que se resumem nos sete princípios zapatistas. A cultura da vanguarda é muito semelhante à cultura da esquerda eleitoral: ela consiste em tomar o poder. É por isso que transitaram tão facilmente da guerrilha para as eleições. O zapatismo representa algo diferente. Rejeita a homogeneidade como tentativa de dominação fascista; rejeita a unidade porque ela é alcançada sob a liderança de alguém, individual ou coletivo. Nada mais, nada menos.