14 Agosto 2025
Com a mais recente onda de ataques terroristas em Cabo Delgado, província no norte de Moçambique que desde 2017 enfrenta uma rebelião armada, chegou também uma nova onda de raptos de crianças na região. O alerta foi lançado nos últimos dias por representantes políticos e religiosos, que pedem ações urgentes para resgatar e reintegrar os menores sequestrados e para impedir que novos raptos se sucedam.
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 29-04-2025.
“Esta guerra sem rumo só mata, mata, mata, e tira a pouca esperança que o povo, principalmente as crianças, tinham. Essas crianças [raptadas] devem ser devolvidas, devem ser procuradas onde quer que se encontrem, para serem devolvidas aos seus pais porque essas crianças merecem sonhar, essas crianças merecem ter um futuro melhor”, afirma o padre Kwiriwi Fonseca, da diocese de Pemba, em mensagem enviada para a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, em Lisboa, e divulgada na passagem sexta-feira, 8 de agosto.
No mesmo dia, o governador da província de Cabo Delgado, Valige Tauabo, alertava para a nova onda de sequestros e enviava uma mensagem diretamente a todos os pais: “As crianças não podem sair sozinhas porque os terroristas podem sequestrá-las e, assim, chantagear as nossas forças, porque sabem que estas não vão disparar contra as crianças. Por isso, temos de ficar atentos”.
Segundo Valige, o uso de crianças pelos terroristas durante as incursões armadas é uma estratégia que limita a atuação das forças nacionais e aliadas no combate aos extremistas, particularmente numa altura de recrudescimento dos ataques por grupos extremistas que operam em Cabo Delgado e que, só desde o fim de julho, já provocaram mais de 57 mil deslocados no sul da província.
“Temos de aconselhar e conversar com os nossos filhos porque os terroristas podem aproveitar-se deles para semear o mal nas nossas comunidades. Temos de ser vigilantes”, apelou o governador, durante uma visita a uma das aldeias afetadas pelos conflitos.
Segundo o mais recente relatório da organização Human Rights Watch (HRW), esta onda de raptos começou já em janeiro, com o sequestro de quatro meninas e três meninos durante um ataque à aldeia de Mumu, no distrito de Mocímboa da Praia. O grupo insurgente libertou duas crianças durante a sua retirada subsequente, mas cinco continuam desaparecidas.
Em maio e junho de 2025, a HRW entrevistou nove pessoas em Moçambique, incluindo residentes de Cabo Delgado, jornalistas, ativistas e um funcionário da ONU, e todos eles expressaram preocupação com o ressurgimento dos sequestros. “Nos últimos dias, 120 ou mais crianças foram sequestradas”, disse Abudo Gafuro, diretor executivo da Kwendeleya, uma organização nacional que monitoriza ataques terroristas e presta apoio às vítimas.
Quando os combatentes dos grupos terroristas “entram ou atacam certas áreas, tendem a raptar crianças,” explicou Augusta Iaquite, coordenadora da Associação de Mulheres com Carreira Jurídica em Cabo Delgado, citada pela HRW. “Eles levam-nas para treinar e mais tarde transformam-nas nos seus próprios combatentes”.
Por outro lado, aquelas que regressaram a casa têm tido dificuldades em reintegrar-se nas suas comunidades. “O governo de Moçambique precisa de tomar medidas concretas para proteger as crianças e impedir que os grupos armados as utilizem como instrumentos de conflito,” defendeu Ashwanee Budoo-Scholtz, diretora adjunta para a África da Human Rights Watch. “É necessário garantir que existam medidas de reintegração robustas para que as crianças não sejam ainda mais marginalizadas quando regressarem à comunidade”.
O padre Kwiriwi Fonseca deixa por seu lado outro pedido: que o mundo não se esqueça da tragédia provocada pela violência terrorista iniciada em outubro de 2017, e agravada pelos ciclones que também têm fustigado esta região nos últimos anos, com enorme destruição de habitações, de infraestruturas e de campos agrícolas.
“A crise humanitária provocada por esta guerra, que dura já quase oito anos, tende a ser menosprezada, silenciada. O silêncio incomoda-nos numa altura em que milhares e milhares de irmãos de Cabo Delgado, principalmente [na região] de Chiúre, viram os ataques aumentarem a crise, viram as suas casas a ser queimadas, viram os seus filhos a ser raptados, e eles viram-se [na situação] de deslocados de guerra nas várias partes da província, nas várias partes do país, também em Nampula, que é uma província vizinha”, refere o presbítero na sua mensagem à AIS.
“Estou aqui para poder denunciar veementemente esta guerra que deve acabar, porque Moçambique precisa de paz. Nós queremos a paz, nós queremos a paz…”, insiste, terminando com o apelo: “Por favor, continuem a apoiar o povo de Cabo Delgado, continuem a apoiar aqueles que estão a lutar pela paz”.