12 Agosto 2025
Mesmo que a ajuda humanitária chegue aos habitantes de Gaza e outras zonas assoladas pela fome em quantidade suficiente, há risco de complicações quando a alimentação é retomada.
A reportagem é de Matthew Ward Agius, publicada por DW, 11-08-2025.
Até 8 de agosto, na última sexta-feira, 197 pessoas, incluindo 96 crianças, haviam morrido de fome em Gaza, como resultado do bloqueio e da ofensiva militar de Israel, de acordo com as autoridades de saúde do enclave palestino.
Segundo monitores de saúde apoiados pela ONU, cerca de 100 mil mulheres e crianças palestinas enfrentam desnutrição grave, e um terço da população de 2,1 milhões não come há dias.
Mas Gaza não é o único lugar assolado por uma fome catastrófica decorrente de conflitos. No Sudão, agências internacionais afirmam que 3,2 milhões de crianças menores de 5 anos vão sofrer de desnutrição aguda no próximo ano. Enquanto isso, pessoas sitiadas em El Fasher, em Darfur do Norte, já passam fome há um ano.
Na Nigéria, onde o financiamento de doadores internacionais foi cortado, a desnutrição levou à morte de 625 crianças nos primeiros seis meses de 2025. Haiti, Mali e Iêmen estão entre outros países que enfrentam fome.
Lidar com o problema, no entanto, pode ser mais difícil do que parece e requer mais do que apenas um fornecimento regular de alimentos saudáveis. Especialistas sanitários alertam que programas de realimentação para pessoas desnutridas podem ter complicações fatais se realizados sem os devidos cuidados.
"Quando os alimentos são reintroduzidos rapidamente, há uma mudança muito rápida de eletrólitos, e isso pode causar morte súbita", explica Marko Kerac, pediatra e pesquisador clínico da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido.
Em entrevista à DW, Kerac defende, portanto, que o retorno à nutrição adequada seja cuidadosamente gerenciado.
A síndrome de realimentação pode ocorrer quando pessoas desnutridas retomam a alimentação normal de forma muito rápida.
Entre as pessoas mais suscetíveis à síndrome de realimentação estão aquelas que apresentam insuficiência renal, transtornos alimentares, depressão e problemas com álcool.
O problema surge depois que o corpo desnutrido se adapta à nutrição reduzida. Com o metabolismo e as funções orgânicas desacelerados para lidar com a fome catastrófica, o corpo fica mal equipado para processar uma inundação repentina de nutrientes.
"Quando se está com a nutrição muito comprometida […], quando se está muito doente, é aí que surge o risco da síndrome de realimentação", disse Kerac.
O afluxo repentino de vitaminas e eletrólitos como potássio, fósforo e magnésio pode interromper processos orgânicos críticos e levar à arritmia (batimento cardíaco irregular), que pode ser fatal.
A inanição começa quando as pessoas não consomem calorias suficientes para atender às demandas energéticas do corpo.
A perda de nutrição adequada priva o corpo de materiais essenciais necessários para produzir hormônios e enzimas que o mantêm funcionando. Para compensar o déficit calórico, o corpo desacelera os processos metabólicos e a atividade dos órgãos.
Nos primeiros dois dias sem comida, as reservas de carboidratos do corpo se esgotam. Após três dias, o corpo começa a converter gorduras e proteínas vitais em combustível de emergência. É quando começam a se manifestar sintomas como perda de massa muscular, fadiga severa e um sistema imunológico enfraquecido.
A morte por inanição, por sua vez, costuma estar mais associada à falência de órgãos ou a uma infecção que o corpo não consegue combater devido à fraqueza.
O primeiro passo, segundo especialistas, é introduzir alimentos ou nutrientes lentamente, o que Kerac chama de "alimentos de estabilização". Isso pode incluir algo como fórmulas especiais de leite e alimentos terapêuticos prontos para uso (ATPUs).
Organizações de ajuda humanitária fornecem ATPUs como o Plumpy'Nut, uma pasta de amendoim fortificada, para ajudar a prevenir a síndrome de realimentação em regiões assoladas pela fome.
"Paradoxalmente, [ATPUs] são bastante leves em nutrientes, ainda que especialmente formulados. Eles têm baixo teor de sódio, alto teor de potássio e alto teor de fosfato", explica Kerac.
Os ATPUs são projetados para fornecer nutrição essencial especificamente para crianças gravemente desnutridas, em uma dosagem que não sobrecarrega o corpo e não traz riscos de uma síndrome de realimentação. Uma criança que recebe três sachês de Plumpy'Nut por dia pode se recuperar da desnutrição aguda grave em oito semanas.
"Os ATPUs [podem] prevenir a síndrome de realimentação em locais onde não é possível monitorar a síndrome de realimentação", afirmaram Wieger Voskuijl e Hanaa Benjeddi, pediatras do Centro Médico Universitário de Amsterdã, que prestaram serviços médicos em zonas de conflito e campos de refugiados.
Os pesquisadores também tentaram encontrar alternativas de ATPUs cujo preparo possa ser feito em locais mais próximos de áreas na África e na Ásia onde as taxas de insegurança alimentar são mais elevadas.
Esses produtos incluem ATPUs compostos de grão-de-bico, feijão-mungo, milho e lentilhas, todos cultivados localmente – algo que, além de ajudar a reduzir os custos de produção, diminui o risco de alergias.
Caso não sejam tomadas medidas para aliviar a fome nas regiões afetadas, especialistas preveem um quadro de "mortes generalizadas".
Crucial no fornecimento de ajuda alimentar a regiões com fome catastrófica é a entrega de alimentos e fundos de apoio humanitário da maneira correta, permitindo a chegada de serviços de ajuda em regiões como Gaza e Sudão, disseram Voskuijl e Benjeddi à DW.
"O ponto crucial é que prevenir a síndrome de realimentação é quase impossível em locais com alta demanda e baixa quantidade de profissionais de saúde ou de ajuda humanitária", afirmam os pediatras
Voskuijl e Benjeddi defendem ainda que os governos em regiões atingidas pela fome devem priorizar condições seguras para que as agências de ajuda humanitária retomem seu trabalho e evitem uma crise humanitária.
"E isso necessita de pressão internacional. Se olharmos para Gaza, mas também para o Sudão, esses são dois governos que estão negando esse acesso a crianças desnutridas e mulheres grávidas", afirmam.