O Evangelho deste domingo “nos faz trilhar pelas sendas em que Jesus continua seu ensinamento aos discípulos, usando uma série de pequenas parábolas e exortações sobre a vigilância e a prontidão. Ele começa com uma palavra de consolo, de encorajamento: ‘Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino’ ”.
A reflexão é de Marta Maria Godoy, osb, monja beneditina, no Mosteiro da Santíssima Trindade, em Santa Cruz do Sul. Ela possui formação inicial em Letras e Sociologia (graduada e pós-graduada), mestrado em Teologia pela EST (S. Leopoldo, RS). Atua na Pastoral Carcerária do RS.
1ª Leitura - Sb 18,6-9
Salmo - Sl 32,1.12.18-19.20.22 (R.12b)
2ª Leitura - Hb 11,1-2.8-19
Evangelho - Lc 12,32-48
Esse domingo nos apresenta um chamado à vigilância, à prontidão e à fé diante da vinda do Senhor. As leituras nos convidam a refletir sobre a transitoriedade dos bens terrenos e a importância de estarmos focados no tesouro que verdadeiramente importa: o Reino de Deus - sua construção na vida cotidiana, no hoje da nossa existência, e a certeza escatológica do céu.
Esta passagem do Livro da Sabedoria recorda a noite da primeira Páscoa, a noite da libertação do povo de Israel no Egito. A leitura estabelece um paralelo direto com a vida cristã. Assim como os israelitas vigiaram à espera do anjo libertador, nós somos chamados a viver em estado de vigilância, aguardando a vinda definitiva de nosso Salvador, Jesus Cristo. A fé nas promessas de Deus deve nos sustentar e nos dar coragem, transformando nossa espera não em um tempo de ansiedade, mas de esperança ativa e confiante.
O refrão deste salmo 32 (33), "Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança!", ecoa a alegria do povo eleito. É um cântico de louvor e confiança na providência de Deus. O salmista afirma que o Senhor "do alto céu tudo observa" e que Ele "molda os corações e compreende todos os atos". É a presença de Deus que nunca falha!
Vale salientar que o salmo ainda reforça a mensagem da primeira leitura: nossa segurança não está no poderio militar ("Não vence o rei por suas tropas numerosas") ou na força humana. (Enquanto escrevo esse texto, em muitas partes do mundo, imensas populações inocentes são dizimadas por guerras iniciadas e alimentadas por governos insanos e perversos). Pois este salmo nos convida a depositar nossa esperança no Senhor, que cuida daqueles que o temem e espera em seu amor. A vigilância cristã, contudo, não é solitária; ela é sustentada pela certeza de que somos - a humanidade inteira - escolhidos e escolhidas por Deus e sobre os quais Ele vela constantemente.
Este trecho da Carta aos Hebreus é uma célebre catequese sobre a fé, apresentando a figura de Abraão como o modelo por excelência do crente. O autor define a fé como "um modo de já possuir o que se espera, um meio de conhecer o que não se vê". A fé de Abraão é demonstrada em ações concretas: ele partiu sem saber para onde ia, viveu como estrangeiro na terra prometida e, no teste supremo, não hesitou em oferecer seu filho Isaac, confiando que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dos mortos.
A leitura nos mostra que a fé não é um sentimento vago e abstrato, mas uma adesão total e confiante à Palavra de Deus, que se traduz em ouvir o que Deus tem a nos dizer e cultivar a perseverança e a resiliência, mesmo diante das dificuldades.
O Evangelho, texto sobre o qual desejo me deter mais nesta reflexão, nos faz trilhar pelas sendas em que Jesus continua seu ensinamento aos discípulos, usando uma série de pequenas parábolas e exortações sobre a vigilância e a prontidão. Ele começa com uma palavra de consolo, de encorajamento: "Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino". Esta parte do Evangelho de Lucas traz uma coleção de exortações e pequenas parábolas que giram em torno de três temas centrais: desapego, vigilância e responsabilidade fiel. Jesus está preparando seus discípulos para viverem no mundo sem pertencerem a ele, com o coração e a mente focados na realidade do Reino.
Este é o ponto de partida: a nossa vigilância não nasce do medo, da punição, mas da alegria de saber que um tesouro imenso nos foi prometido: a certeza de que somos amados e cuidados por um Pai que nos deu o maior presente possível - o seu próprio Reino, desde a Criação, com sua manutenção a nós confiada, toda a construção da História, até o destino final, a vida eterna (como disse o Papa Leão 14: “Somos feitos para o céu.”). E, embora hoje já não sejamos mais um “pequenino rebanho”, o recado continua a nos interpelar com insistência, haja vista as realidades que presenciamos no mundo de hoje, perto ou longe de nós! E Jesus segue nos acompanhando história afora, nos instruindo a vender os bens e dar esmola, a olhar o entorno, perscrutando as necessidades… acumulando, assim, um "tesouro no céu", pois "onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração". Diante disso cabe a pergunta - onde se encontra verdadeiramente nosso coração? Onde está nosso tesouro?
A exortação à prontidão é ilustrada com a imagem dos empregados que esperam o retorno do seu senhor de uma festa de casamento, com "os rins cingidos e as lâmpadas acesas". O senhor que os encontrar vigilantes os servirá, numa inversão de papéis que revela a surpreendente generosidade de Deus.
A parábola termina com um alerta sobre a responsabilidade: "a quem muito foi dado, muito será pedido". A vigilância não é passiva; ela implica cumprir fielmente as tarefas que nos foram confiadas. Mas quais tarefas Jesus nos confiou? Nos Evangelhos há inúmeras delas, contudo em Mt 25, 34-40 encontramos uma bela síntese…
É a partir dessa segurança que o chamado ao desapego faz sentido. A ordem para "vender os bens e dar esmola" não é um convite à miséria, mas uma lição sobre prioridades. Jesus nos ensina que o acúmulo de bens terrenos gera ansiedade e nos prende a este mundo. Ao praticar a caridade, estamos, na verdade, investindo em um "tesouro inesgotável no céu". A frase final é a chave psicológica e espiritual de tudo: "Onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração". Jesus nos convida a colocar nosso coração, nosso afeto e nossa segurança última em Deus, não nas coisas.
A parábola dos servos que esperam o senhor voltar da festa de casamento tem um clímax surpreendente: o senhor, ao encontrá-los vigilantes, é quem os servirá. Isso revela a natureza radical e generosa de Deus. A nossa fidelidade será recompensada de uma forma que inverte todas as lógicas de poder humanas. A segunda imagem, a do "ladrão na noite", reforça a imprevisibilidade da vinda do Senhor, tornando a vigilância constante não uma opção, mas uma necessidade.
Pedro, sempre prático, pergunta se a lição é para todos ou apenas para os líderes (os apóstolos). A resposta de Jesus, através da parábola do administrador, esclarece que, embora a vigilância seja para todos, a responsabilidade é proporcional à função e ao conhecimento de cada um.
Esta passagem do Evangelho de Lucas é um guia prático para a vida cristã. "Vigiar" não significa ficar parado olhando para o céu, mas viver o presente com intensidade e fidelidade, fazendo o Evangelho acontecer, com o coração livre da ansiedade das posses e pronto para a ação. É um chamado para sermos servos e administradores fiéis em nossas tarefas diárias — em nossa família, em nosso trabalho, em nossa comunidade —, sabendo que é na qualidade do nosso serviço de hoje que demonstramos nossa prontidão para o encontro definitivo com o Senhor.
Um Domingo com a paz de Jesus para todas e todos!