07 Agosto 2025
"Nesta reflexão lanço o neologismo “barroquismo teológico”. Antes de tudo, precisamos ter uma ideia do que seja o Barroco: “Este é o nome de um estilo de época surgido no final do século XVI, na Itália, e caracterizado por forte influência religiosa, devido ao contexto histórico marcado pela Reforma Protestante e pela Contrarreforma. No entanto, ao lado de tanta religiosidade, havia também, na época, um forte apelo aos prazeres sensoriais."
O artigo é de Pe. Matias Soares, pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, Natal-RN.
A reflexão à qual proponho-me é fruto de intuições sentidas a partir da contemplação da realidade eclesial e social. O meu foco volta-se à questão da teologia, sua missão e o lugar que, infelizmente, nem sempre ela está a ocupar nos espaços de fala e na prática pastoral da Igreja. É perceptível que em ambientes de crise de racionalidade, onde nos faltam caminhos de pesquisa e construção de saber teológico, surjam alucinações que alimentam um estilo de ser Igreja, que não diz mais nada ao homem contemporâneo. Quando observo a conjuntura social e arquitetônica das nossas cidades, fico a pensar sobre o lugar de Deus na nossa cultura contemporânea.
Podemos pontuar muitos elementos dos parâmetros civilizatórios da Era moderna que nos mostram que precisamos de outras formas de promoção do anúncio do Evangelho. É como se estivéssemos fazendo o que sempre fizemos, com as bases de uma pastoral marcada pela teologia barroca, com o pré-modernismo que não nos insere mais na mentalidade do homem de hoje. Temos um problema de metodologia, sem dúvida, mas ainda mais há uma confusão teológica. Os elementos abordados pelo Concílio Vaticano II tomaram distância das nossas narrativas, que continuam a ser apologéticas, verborrágicas e eivadas de linguagem esotérica. Basta que observemos as tipologias devocionais que estão sendo disseminadas por gurus midiáticos e portadas às paróquias.
A teologia pastoral ensinada em nossos seminários e faculdades teológicas precisa ensinar mais aprofundadamente, recepcionar e atualizar os ensinamentos do Concílio Vaticano II. Se houvesse mais atenção a estes elementos, não estaríamos em situação de risco como temos vivido em nossos dias, inclusive com situações de polarização e negação de ensinamentos legítimos, como os que foram colocados na pauta do pontificado do Papa Francisco. O sufocamento dos paradigmas conciliares, como a centralidade da Sagrada Escritura como primeiro lugar de encontro com Jesus Cristo, a dimensão missionária da Igreja, a liturgia vivida de modo ativo e consciente por todos os membros do povo de Deus, o protagonismo fiéis leigos como pertencentes ao único povo de Deus, graças ao batismo, o diálogo inter-religioso, o ecumenismo, a liberdade religiosa como pressuposto da dignidade da pessoa humana, o diálogo da Igreja com a cultura, considerando as alegrias e esperanças de todos os homens e mulheres e assim por diante..., tem sido causa de muitos malefícios para a Igreja. Quando fazemos a leitura dos documentos das Conferências latino-americanas, inferimos que a grande dificuldade de acolhê-los deve-se, antes de tudo, ao desconhecimento das linhas teológicas do Concílio Vaticano II.
Nesta reflexão lanço o neologismo “barroquismo teológico”. Antes de tudo, precisamos ter uma ideia do que seja o Barroco: “Este é o nome de um estilo de época surgido no final do século XVI, na Itália, e caracterizado por forte influência religiosa, devido ao contexto histórico marcado pela Reforma Protestante e pela Contrarreforma. No entanto, ao lado de tanta religiosidade, havia também, na época, um forte apelo aos prazeres sensoriais. Desse modo, o estilo configura-se, basicamente, na aproximação dos opostos”(disponível aqui). No Brasil, estamos acompanhando práticas pastorais, com teologias rudimentares, que tentam assumir metodologias apologéticas e aferradas ao esteticismo, que tem um pé na imaginação barroca; contudo, sem a sofisticação contextual do que o Barroco representou no seu tempo de Reforma e Contrarreforma. Uma peculiaridade dos eclesiásticos que assumem esse barroquismo teológico e pastoral é a convicta ideia de que a resolução aos desafios evangelizadores da Igreja está no conteúdo e na metodologia tridentina. Basta ouvirmos as pregações, observarmos as vestimentas eclesiásticas e a metodologia negacionista da alteridade, seja ela religiosa, ideológica e outros. O sociólogo Bauman cunhou a expressão “retropia”, que é o saudosismo e apego a um passado que pode trazer uma segurança diante do que socialmente está posto pela “época de mudanças e a mudança de época”, nas quais estamos envolvidos. O barroquismo teológico e pastoral tem essa característica “retrópica”.
A pastoralidade da Igreja, neste contexto, é desafiada a qualificar as suas potencialidades humanas. O caminho é o da formação e o do discernimento eclesial. Num ambiente carente de racionalidade, o que necessitamos buscar é o fortalecimento da experiência sinodal para que possamos encontrar estratagemas viáveis ao desenvolvimento humano e integral de todos os que estão inseridos nas conjunturas eclesiais. O barroquismo eclesiástico é atraente, porque ele cativa pelas harmonizações verbais e indumentárias. Neste sentido, ele pode encontrar amplos espaços na cultura da imagem e da superficialidade pós-moderna; mas, é carente de conteúdo porque renega os movimentos do espírito, que exigem novas formas de tornar a mensagem do Evangelho “atrativa”. Para que esta atração seja autêntica, capaz de gerar conversão humanizada, tem que está radicada na pessoa e na obra de Jesus Cristo, o Filho de Deus. O barroquismo teológico e pastoral tem desabrochado um cristianismo imaturo e infantilizado, com muitas devoções e pouca consciência do “cristianismo puro e simples” (cf. C. S. Lewis). Diante de tudo isso, o que não podemos deixar de lado é a “essência do cristianismo”.
Por fim, os avanços que estão nos inquietando pastoralmente não poderão ser enfrentados com a pastoral de conservação, com simples sacramentalização das pessoas e manutenção de estruturas obsoletas. Essa metodologia da pastoral pré-moderna e barroquista, mesmo tendo uma larga adesão de quem só sabe fazer o que ela impõe, com suas sombras de clericalismo, sem abertura ao “admirável mundo novo”, com suas inovações e propostas pós-humanistas, será sufocada com o tempo. É necessário contemplação e discernimento para que constatemos isso. Por isso, aprofundemos e estejamos em estado de prontidão para sermos obedientes à palavra do Mestre, que nos pede para lançar as redes (cf. Lc 5, 1-11). Assim o seja!