05 Agosto 2025
Ato do domingo mostra: ultradireita ainda tem poder de mobilização. Adesão ao trumpismo e ataques ao STF foram a tônica. Rachas se desenham para 2026. Em busca do voto conservador, “presidenciáveis” dividem estratégias entre o silêncio, o oportunismo e a contradição.
O artigo é de Glauco Faria, publicado por Outras Palavras, 04-08-2025.
Glauco Faria é jornalista do Outras Palavras. É ex-editor-executivo de Brasil de Fato e Revista Fórum, ex-âncora na Rádio Brasil Atual/TVT e ex-editor na Rede Brasil Atual. Coautor do livro Bernie Sanders: a revolução política além do voto (Editora Letramento).
Os atos bolsonaristas deste domingo (4) constituem outra tentativa da ultradireita brasileira de tensionamento institucional, visando ganhos político nas eleições de 2026 e tentar livrar o o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de uma condenação judicial – o que se mostra cada vez mais difícil…
O extremismo fica mais acentuado, fazendo coro ao trumpismo e apostando no embate frontal com o Judiciário como forma de mobilização. Segundo o Monitor do Debate Público do Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), a manifestação na capital paulista reuniu 37,6 mil apoiadores, mais que os 12,4 mil da concentração realizada em junho deste ano, mas menos que a de abril, estimada em 44,9 mil pessoas. Além disso, houve atos em pelo menos seis capitais e em outras cidades.
Ou seja: embora o bolsonarismo tenha “perdido a rua” nos últimos anos, ainda mantém poder ainda mantém poder de mobilização e capilaridade. A ofensiva de Trump, as medidas cautelares contra Bolsonaro e a aplicação da Lei Magnistiky contra Alexandre de Moraes deram algum fôlego novo ao bolsonarismo, sem contar que as falas e momentos das manifestações são feitos para circularem nas redes sociais, o nicho por excelência da extrema direita.
Em um novo contexto, a narrativa extremista teve que se adaptar. Nos discursos, foi feita uma adequação das ameaças do governo Trump como se fossem direcionadas ao governo, apontado como culpado pela agressão sofrida pelo país por “provocar” os EUA com o Brics e alianças com países “não alinhados ao Ocidente”, e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que teria atentado contra à liberdade de expressão – conceito sempre distorcido pelo campo – e promovido perseguições político-jurídicas.
A nova narrativa já havia sido anunciada quando a coluna do jornalista Lauro Jardim em O Globo destacou um vídeo produzido pelo PL, sintetizando como o bolsonarismo pretendia lidar com as perdas político-eleitorais diante do episódio do tarifaço promovido contra o Brasil. O vídeo encadeia fake news buscando responsabilizar o próprio governo brasileiro pela agressão sofrida pelos EUA. Lula é retratado como um presidente “raivoso” e Donald Trump como símbolo de serenidade. A peça ainda reproduz outras fake news como a suposta tentativa do governo de taxar o PIX, algo que nunca existiu, mas que causou danos à popularidade do governo no início do ano.
A adesão acrítica ao trumpismo ganhou tanta força que se tornou uma questão de fidelidade partidária na legenda. A expulsão do deputado Antônio Carlos Rodrigues (SP), após este defender Moraes e criticar Trump, escancarou o novo patamar de intolerância ideológica na sigla. Rodrigues, que tem longa relação com Moraes e chegou a classificá-lo como “um dos maiores juristas do país”, tornou-se alvo de pressão da bancada e dos filhos de Bolsonaro. Valdemar Costa Neto, presidente da sigla, cedeu.
O posicionamento do partido aprofundou o fosso entre os seus setores pseudo-moderados, que têm mais proximidade com os ideais do Centrão e são muito mais “flexíveis” ideologicamente, e o núcleo radicalizado do partido. Presente no ato bolsonarista realizado na Avenida Paulista, Valdemar reforçou que quem dá a linha do partido é a família Bolsonaro. Não só o pai, como costumava ser desde seu ingresso na sigla, mas o filho Eduardo, que dobrou a aposta no ataque às instituições brasileiras a partir dos Estados Unidos, e os irmãos que se alinham a ele.
Sem a participação de Bolsonaro, os quatro governadores cogitados para tentar preencher a ausência do ex-presidente nas urnas em 2026, presentes na manifestação realizada em São Paulo em abril, não apareceram agora. Provavelmente com intenções e objetivos diferentes, embora todos os motivos para o não comparecimento sejam questionáveis.
Ronaldo Caiado, governador de Goiás, disse ao jornal O Globo que tinha “uma reunião marcada anteriormente”, além de discordar do “timing” da manifestação. Outro postulante, o governador do Paraná, Ratinho Jr., justificou dizendo que estava em viagem pelo interior do estado. Assim como Caiado, ele busca agora uma distância “saudável” do bolsonarismo após o tarifaço, sem entrar em conflito com aqueles considerados da ala “raiz”. Já Romeu Zema não falou sobre a ausência. O governador de Minas Gerais, no entanto, foi quem abraçou o papel de candidato a preposto de Trump ao defender, em artigo e entrevista realizada na semana passada, a inacreditável proposta de saída do Brasil do Brics como uma das possíveis respostas às ameaças do presidente estadunidense.
Tarcísio fez um procedimento médico na tireoide neste domingo, teve alta no mesmo dia, mas tinha como recomendação ficar em repouso. Pode-se ler na atitude do governador o famoso “meteu um atestado”, já que ele vem se mantendo em silêncio diante do desenrolar dos episódios relacionados ao tarifaço após ser muito criticado no início, quando celebrou a atitude de Trump. Segue em sua missão, agora ainda mais difícil, de buscar a base extremista e, ao mesmo tempo, manter a confiança da elite econômico-financeira, cada vez menos confiante no bolsonarismo como uma força política que possa preservar seus privilégios.
Mas há outra leitura a ser feita na ausência de Tarcísio. Sem Bolsonaro, sua presença no ato poderia ser lida como uma espécie de unção ao governador de São Paulo como candidato do campo. O fato de Michelle também não ter ido, comparecendo a um ato em Belém (PA) é significativo nesse sentido. O trono pode estar vazio, mas ninguém pode sentar sem que o rei abdique dele.
O problema, para qualquer candidato bolsonarista, é o isolamento, não só político como em meio ao próprio eleitorado. Pesquisa Datafolha divulgada também neste domingo mostra que 61% dos brasileiros não votariam em um candidato que prometesse livrar Jair Bolsonaro da prisão caso o ex-presidente seja condenado. Um fardo difícil de carregar em um eventual segundo turno.
Por outro lado, 19% dos ouvidos votariam com certeza em um nome com essa agenda, ou seja, este segmento fatalmente veria em um candidato de direita que não abraçasse a pauta um traidor, o que poderia prejudicar sua tração no primeiro turno. Isso faz com que, para figuras como o governador fluminense Cláudio Castro (PL-RJ) e o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), possa valer a pena comparecer aos atos e acenar para um segmento mais radicalizado, que daria tração a eventuais candidaturas ao Senado, no caso de Castro, e ao governo paulista, para Nunes.
No cenário presidencial, contudo, abraçar o extremismo cada vez mais exacerbado pode afastar o eleitorado de centro ou sem definição ideológica. Este cenário, inclusive, abre a possibilidade de surgir algum candidato desempenhando um papel parecido com o que foi o de Pablo Marçal na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024: sem o apoio oficial da família Bolsonaro, mas que representa mais determinados valores do bolsonarismo e da extrema direita do que o um candidato ungido.
O panorama da direita e da extrema direita é nebuloso, não só pela radicalização, como também pelo previsível racha no campo que já se desenha. Mas as mobilizações mostram que a força política na eleição do Legislativo segue como um capital importante para este grupo. Em um contexto de Congresso Nacional “empoderado”, isso não é nada desprezível. E acende um sinal de alerta para o campo progressista: vencer a disputa presidencial e ter diante de si um Legislativo dominado pela extrema direita pode resultar em um governo paralisado ou em constante crise.