Buscar o tesouro que somos. Comentário de Adroaldo Palaoro

Foto: canva

08 Agosto 2025

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 19º Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Lucas 12,32-48.

Eis o texto.

“Porque onde está o vosso tesouro, aí também estará o vosso coração” (Lc 12,34)

Lucas conservou em seu evangelho algumas expressões, cheias de afeto e carinho, dirigidas por Jesus a seus seguidores e seguidoras. Com frequência, costumam passar desapercebidas. No entanto, lidas hoje a partir de nossas comunidades cristãs, elas revelam uma surpreendente atualidade. É o que precisamos escutar de Jesus nestes tempos difíceis para a vivência do seu seguimento.

“Não tenhais medo, pequenino rebanho” é uma destas expressões. Jesus olha seu pequeno grupo de seguidores com imensa ternura. São poucos; têm vocação de minoria; não devem pensar em grandezas. Assim Jesus os imagina sempre: como um pouco de “fermento” oculto na massa, uma pequena “luz” em meio à obscuridade, uma pitada de “sal” para dar sabor à vida.

Como discípulos de Jesus devemos aprender a viver em minoria. É um erro fomentar uma Igreja poderosa e forte; é um engano buscar poder mundano ou pretender dominar a sociedade. O Evangelho não se impõe pela força; ele deve ser contagiado por aqueles que vivem ao estilo de Jesus, tornando a vida mais humana.

“Vendei vossos bens e deis esmola”. Os seguidores de Jesus são um pequeno rebanho, mas nunca devem se constituir como uma seita fechada em seus próprios interesses; não devem viver de costas às necessidades de ninguém. Serão comunidades de portas abertas; compartirão seus bens com aqueles que mais precisam de ajuda e solidariedade; darão esmola, ou seja, viverão a “misericórdia”.

O relato deste domingo prossegue com uma forte expressão: “foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”. Sem esta consciência de que somos portadores deste dom de Deus é quase impossível situar-nos na confiança e no compromisso com tudo o que ele supõe.

O Deus de Jesus é dom total, incondicional e permanente. Jesus recorda isso com frequência; seus seguidores não devem sentir-se órfãos, pois tem a Deus como Pai. Ele nos confiou seu projeto do Reino; é um grande “tesouro”, o melhor que temos em nossas comunidades: a missão de tornar a vida mais humana e a esperança de encaminhar a história para sua plenitude salvífica.

Este é o “tesouro” que nos dignifica e nos convoca à responsabilidade de fazê-lo chegar aos outros.

Os grandes sábios da humanidade sempre utilizaram a imagem do “tesouro escondido” para revelar a compreensão – encontro – de nossa verdadeira identidade. Falaram também da urgência de despertar do sonho no qual estamos adormecidos e de recordar nossa verdade esquecida.

Jesus também, com grande sabedoria, revela o sentido de nossa vida: buscar, nas profundezas de nosso ser, o tesouro que nos plenifica.

Todo ser humano aspira e busca esse tesouro. De fato, é esse desejo que nos move, nos faz iniciar a busca e percorrer diferentes caminhos, atraídos sempre por seu sentido de plenitude.

No entanto, nessa busca pode acontecer de tudo: nos distraímos e terminamos enredados; nos conformamos com pequenas “bijuterias” e esquecemos o tesouro real; calamos a voz do desejo, entupindo-nos com múltiplos ruídos; dizemos a nós mesmos que o desejo é impossível de ser realizado e que é necessário sermos “práticos” e não vivermos de “contos” ilusórios...; não é fácil superar a armadilha que nos incita a buscar o tesouro em “algo” fora, longe ou no futuro. Começamos a crer que a plenitude de vida se encontra fora de nós e aí começamos a corrida que não conduz a lugar nenhum.

O tesouro é o Deus mesmo presente em cada um de nós. É a verdadeira realidade que somos.

O Reino, que é Deus, está em nós (“O Reino está dentro de vós”, disse Jesus). Essa presença é o valor supremo. Quem encontra seu tesouro, não despreza outros valores.

Deus não se contrapõe a nenhum valor, senão que potencia o valor de tudo o que é bom.

O que há de Deus em nós é o fundamento de todos os outros valores. Ter acesso ao nosso “eu” mais profundo significa “buscar e encontrar a Deus” exatamente em nossas paixões, em nossos traumas, em nossas feridas, em nossos instintos, em nossa impotência e fragilidade... Ali podemos nos interrogar o que é que Deus deseja nos revelar por meio deles e, como justamente através deles, Ele deseja nos conduzir ao tesouro no chão de nossa vida, à essência que nos dignifica.

O tesouro significa o “investimento” que Deus fez em cada ser humano; por isso, cada um é único e original, com potencialidades especiais e recursos oblativos.

O tesouro não é algo acidental que podemos ter ou não ter; é nossa essência. Não é fruto de uma descoberta racional, mas de uma experiência profunda e viva.

O tesouro sempre está aí, nas profundezas de nosso ser, mas nem sempre somos capazes de reconhecê-lo. Não se trata de conquistá-lo, mas simplesmente de descobri-lo. É despertar-nos para aquilo que realmente somos: o que é mais nobre, mais profundo, o que dá sentido e valor à vida.

Na verdade, o tesouro está escondido, porque perdemos o caminho do interior e vivemos na superfície de nós mesmos; é preciso “descer” para redescobri-lo. Não se trata de confiar naquilo que nós podemos alcançar, mas naquilo que Deus já nos deu (Reino). Deus foi o primeiro que confiou em nós, no exato momento que nos criou e decidiu “investir” o melhor em cada um. A única coisa que Ele espera é que nós mesmos descubramos esse dom e vivamos a partir dele.

Por isso, é preciso viver sempre em atitude de busca. Mais do que estar vigilantes, é preciso estar despertos. Não porque pode chegar o juízo final quando menos esperamos, mas porque a tomada de consciência da identidade que somos exige uma atenção ao que está mais além dos sentidos e não é nada fácil descobrir.

Como manter viva a esperança? Como não cair na frustração, no cansaço ou no desalento? Onde encontrar um princípio humanizador, capaz de nos libertar da superficialidade ou do vazio interior?

Para despertar é preciso tomar consciência da luz presente em nosso interior e alimentá-la; nós nos tornamos mais “lúcidos” (portadores de luz) quando tomamos consciência da superficialidade de nossa vida, do ativismo, da vida “normótica” e sem direção...; a verdade abre espaço em nós quando reconhecemos nossos enganos; a paz chega ao nosso coração quando des-velamos a desordem em que vivemos.

Usando a imagem da “lâmpada acesa”, Jesus nos provoca a despertar de nossa indiferença, passividade ou do descuido com o qual vivemos nosso discipulado. É a luz interior que deve ser alimentada para inspirar nossos critérios de ação, força que impulsiona nosso compromisso e esperança que anima nosso viver diário. Somos chamados a sermos pessoas “ardentes”, “luz que acende outras luzes”, ou seja, pessoas que experimentam a vida como crescimento constante. Sempre buscamos algo mais, algo melhor; a vida é inesgotável: uma descoberta na qual sempre podemos avançar.

Para meditar na oração:

Para viver despertos é importante viver com mais calma, cuidar do silêncio e estar mais atentos aos chamados do coração. Só quem ama e serve, vive intensamente, com alegria e vitalidade, despertado para o essencial.

Uma certeza podemos ter: o Espírito está sempre pronto a criar, recriar, a transformar, a renovar e “fazer novas todas as coisas”, abrindo-nos a um novo tempo com a feliz esperança de “novos céus e nova terra”, num mundo novo e pleno de vida.

- Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.

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