02 Agosto 2025
"Vou dar um exemplo do poder que as histórias podem ter..." Há mais de dez anos, Mishy Harman fala sobre Israel no podcast Israel Story. Premiado pela qualidade de sua narrativa, com um vasto acervo de contos, este foi o podcast judaico mais ouvido no mundo (35 mil downloads por episódio). Até 7 de outubro de 2023. A partir daquele dia, Harman e os outros amigos com quem fundou o podcast tentaram reagir ao caos. Assim nasceu o Wartime Diaries, com mais de 100 mil downloads por episódio.
A entrevista é de Fabiana Magrì, publicada por La Stampa, 30-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mas vamos retornar ao exemplo de Harman, que afinal é uma história dentro da história. “Estive recentemente no Canadá a trabalho. E uma das etapas dessa viagem foi Montreal, sede da Universidade McGill, um polo de ativismo pró-palestino e anti-israelense. Num meio dia de folga, decidi ir sentar-me com as pessoas em uma das manifestações, sob cartazes com dizeres ‘Israel genocida’, e conversar um pouco com elas: ‘Deixem-me contar algumas das histórias que ouvi nos últimos meses.’” Por exemplo, Harman contou aos manifestantes sobre quando, “há três anos, uma jovem colona israelense de extrema direita de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, de 27 anos e mãe de seis ou sete filhos, foi esfaqueada nas costas por uma vizinha palestina de 14 anos. A garota foi presa e condenada a 12 anos, mas foi libertada em novembro de 2023, na primeira troca entre reféns israelenses e prisioneiros palestinos. Hoje, aquela mulher mora com a família justamente diante da garota que a agrediu, em uma situação paradoxal e cheia de tensão.” Além das histórias em si, Harman está interessado em destacar as reações que a narrativa gerou. "Quando você traz a discussão para um nível humano, a abordagem muda, você cria empatia, isso complica a maneira de pensar sobre Israel e a Palestina."
Normalmente, a tendência é simplificar. Você está dizendo, em vez disso, que ao buscar a complexidade se encontram respostas melhores?
Com certeza. Israel Story gira em torno da complexidade e das nuances. Mas, ao mesmo tempo, toda essa complexidade se reduz à afirmação mais simples que minha avó costumava repetir quando eu era criança: ‘Uma pessoa é uma pessoa e uma pessoa’, não importa o que aconteça.
Além de documentar o presente, qual o papel que desempenham as histórias na antecipação de uma visão para o futuro de Israel?
As histórias, ao contrário da política e do debate que nos deixam em desacordo, têm uma propriedade milagrosa: quando são boas, nos permitem, mesmo que apenas por um instante, ver o mundo através dos olhos de um outro, criando uma oportunidade de seguir em frente.
Como explica fato de muitos falarem da exposição limitada dos israelenses ao sofrimento palestino, enquanto o trauma de 7 de outubro ainda é tão vívido?
Uma das razões pelas quais a guerra pode se arrastar tanto e a devastação em Gaza é tão extensa é que estamos em grande parte protegidos do que está acontecendo a poucos quilômetros de distância. Quando olharmos para trás, no futuro, uma das grandes histórias das quais falaremos é como a mídia israelense essencialmente deixou de desempenhar seu papel e se tornou parte do esforço bélico. Ignorar a dor alheia torna muito mais fácil continuar a infligi-la. Mas acho que há um certo grau de simetria. Falta compreensão do nosso trauma, da extensão da devastação mental infantil infligida a inocentes israelenses em 7 de outubro, por exemplo. A ignorância nunca é positiva. Quando é voluntária, é uma recusa em encarar a realidade.
A quem você atribui a responsabilidade, à mídia ou às pessoas que escolhem que mídias assistir ou seguir?
Nunca acreditei que a responsabilidade pode recair apenas sobre um lado. Em primeiro lugar, é individual. Vivemos, ao que tudo indica, em uma democracia. E espero que continuemos assim. Elegemos quem decide, pagamos impostos: o que é feito com o nosso dinheiro também é feito em nosso nome. Colocar a responsabilidade em qualquer outro ator externo, seja Bibi (Netanyahu), o Hamas ou as mídias, é uma tolice. Como cidadão israelense de uma democracia, discordo do que está sendo feito em meu nome em Gaza, e não é de hoje. Mas o povo tem certos poderes e não outros. Podemos nos manifestar, podemos escrever nos jornais e podemos contar histórias. No fim, porém, precisamos eleger pessoas que estejam mais alinhadas com a nossa visão de mundo.
Você se sente em maioria ou em minoria?
Em minoria.
Está preocupado?
Sim, claro.
Qual fratura interna da sociedade israelense mais o preocupa?
Por um lado, existe um grupo em crescimento e politicamente poderoso, que acredito ainda ser uma minoria em Israel, mas infelizmente uma minoria muito barulhenta, que adere a ideias de supremacia judaica e quer viver em um Estado onde a identidade judaica seja prioritária em relação aos direitos humanos e à democracia. Por outro lado, existe uma maioria — pelo menos acredito — politicamente marginalizada e em declínio, que quer viver em um Estado com certeza judaico, mas democrático. Quem vencer essa batalha entre democracia laica e um Estado judeu semifundamentalista moldará o próximo capítulo, não apenas da história sionista, mas também da história judaica.
Está otimista também em relação às próximas eleições?
Não sei o que significa otimismo no contexto da política israelense, mas acredito que eventualmente haverá uma era pós-Bibi, alguém com maior respeito pela essência da democracia, pela independência da Suprema Corte, por uma divisão mais equitativa das responsabilidades nacionais, pelos direitos humanos, pela honestidade pessoal e menos corrupto. Todas essas coisas são importantes. Mas o que mais me interessa, quando vou votar, é a questão israelense-palestina. Acredito na necessidade e na moralidade da criação de um Estado palestino; é um interesse crucial para Israel e para os sionistas que os palestinos tenham um Estado.
O 7 de outubro alterou sua convicção?
Acho que o 7 de outubro foi uma tragédia horrível para israelenses e palestinos. Acho que o Hamas cometeu um erro enorme. Mas não me deixou menos convencido da necessidade de uma resolução pacífica com os palestinos. Muito pelo contrário. Não posso pensar que os eventos dos últimos 21 meses já tenham tornado a vida da minha filha, de 4 anos e meio, uma realidade na qual haverá ciclos intermináveis de represálias e violência. Quem iria querer isso?