"Ao contrário, não ter plano significava profundo respeito aos migrantes recém-chegados à região da Transamazônica no Pará e aos demais povos da região. Não ter um plano específico, mas sim construí-lo com o novo povo era o 'espírito de Coroatá'", recorda Felício Pontes Jr., em sua sexta carta de memória aos 20 anos do martírio de Irmã Dorothy Stang, que foi celebrado no dia 12 de fevereiro de 2025.
O martírio da Irmã Dorothy Stang será lembrado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU durante os doze meses de 2025. Em cada mês, Felício Pontes Jr., Procurador da República junto ao Ministério Público Federal, em Belém, e assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam, publicará uma carta em memória à religiosa.
Felício Pontes Jr. era amigo da irmã Dorothy e como procurador segue os seus passos, atuando nas causas defendidas pela missionária. Em entrevista à IHU On-Line, em 2009, ao lembrar do trabalho da missionária, ele a classificou como “o Anjo da Amazônia”. “Tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza”, disse na ocasião.
Os imigrantes que chegavam aos Estados Unidos pela fronteira com o México foram os prediletos de Irmã Dorothy no início de sua missão. Assim que terminou a sua formação, ela foi enviada à missão no Estado do Arizona. Iniciou como professora do ensino fundamental em uma pequena cidade perto de Phoenix, no deserto do Arizona. Seus estudantes eram crianças, cujos pais trabalhavam em condições precárias nas plantações. Irmã Dorothy se dedicava a uma tarefa extraclasse: ajudar os pais a conhecerem seus direitos e lutarem por melhores condições de vida.
Irmã Dorothy acompanhou a saga dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos até os anos de 1960. Em 1963, o Papa São João XXIII fez um apelo para que religiosas e religiosos na América do Norte enviassem 10% de cada Congregação para a América Latina. Irmã Dorothy não pensou duas vezes em se candidatar.
Ao chegar ao Brasil, em 1966, após meses de estudos do português e da cultura, foi enviada para a missão na pequena cidade de Coroatá, no Maranhão. Quando percebeu que muitas famílias faziam a marcha para a Amazônia, decidiu acompanhar os migrantes, mudando-se para a região de Marabá, no Pará. A saída do Maranhão foi assim exposta em uma carta:
"O povo sentiu que tínhamos uma missão para com os outros maranhenses, igual à que tínhamos feito em Coroatá. Quando eu cheguei em Coroatá, eu não sabia nada sobre o trabalho. O povo também não sabia. Nós todos aprendemos juntos como caminhar na estrada da libertação. Foi uma grande noite àquela em que caminhamos para a missão. A ideia era de que nós caminharíamos juntos nessa nova terra com novos povos e eu levaria comigo o espírito de Coroatá".
A carta expressa que o desconhecido não era empecilho para a nova missão. Nem mesmo chegar sem um plano preestabelecido. Ao contrário, não ter plano significava profundo respeito aos migrantes recém-chegados à região da Transamazônica no Pará e aos demais povos da região. Não ter um plano específico, mas sim construí-lo com o novo povo era o “espírito de Coroatá”.
Décadas depois, em outra carta, Irmã Dorothy deixava claro que esse “espírito de Coroatá” se tornou sua forma respeitosa de atuação. Ela disse:
"Não precisamos falar sobre os pobres. Nós precisamos apenas viver com os pobres e, assim, não haverá dúvida de como agir".
Esse talvez seja o mais simples e, ao mesmo tempo, o mais complexo desafio de uma vida missionária – que deveria ser também, em alguma medida, o pressuposto para o exercício de qualquer autoridade.
Confira a versão em áudio do Especial Irmã Dorothy Stang – 20 anos de martírio e profecia.