22 Julho 2025
"O Seminário entra na história do Fórum das Águas como um momento de sensibilização e reforço das redes de proteção da natureza situadas no território amazônico. Trata-se de uma iniciativa que visa incentivar o cuidado da casa comum e provocar uma reflexão na sociedade, tendo em vista a omissão e o comodismo dos poderes públicos frente aos desafios socioambientais gerados pelos poderes econômicos que dominam a região", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
O Segundo Seminário do Fórum das Águas, realizado no dia 25 de junho, mostrou um cenário desalentador na Amazônia, expondo os desafios socioambientais da região. O evento foi realizado no Centro de Formação da Arquidiocese de Manaus (Cefaqm), sendo impulsionado pela exposição das pesquisadoras: Adorea Albuquerque, professora do PPGEOG/UFAM, com pesquisa em recursos hídricos e saneamento ambiental; Clarice Tukano, professora de Saberes Indígenas da FACED/UFAM, membro da diretoria da AMARN; Gilmara Santos, doutoranda em Informática da ICom/UFAM, com pesquisa sobre monitoramento remoto da qualidade da água.
Esta segunda edição do seminário teve como tema “Cidades amazônicas e mudanças climáticas. O que os amazônidas podem fazer?”. Com esta abordagem, o coletivo busca provocar um debate sobre a região amazônica, levando as populações se mobilizarem para oferecer respostas sustentáveis aos perigosos impactos causados pelas crises climáticas, que resultam das intervenções inadequadas do ser humano sobre o meio ambiente. Com este debate, a organização também busca tirar os poderes públicos na inércia, levando-os a se empenharam na defesa da natureza frente às políticas antiambientais adotadas na Amazônia.
Diversos coletivos e lideranças participaram do evento, tendo a oportunidade de expressar as suas preocupações com o processo de devastação da região amazônica e com a omissão dos poderes públicos frente a este problema. Eles destacaram de forma especial as políticas públicas antiambientais aprovadas pelos poderes executivos e parlamentares da região. Ainda constataram que o poder econômico se sobrepõe aos valores da vida, da sustentabilidade e das culturas locais. Mesmo diante dos estragos já causados pelas práticas predatórias incentivadas pela economia capitalista, não se percebe iniciativas relevantes do Estado que visam à proteção e o cuidado da Amazônia.
O PL 2159/2021 é uma iniciativa preocupante forjada por setores que representam o agronegócio, os criadores de gado e os madeireiros. Infelizmente, o Projeto da Devastação tem recebido amplo apoio de parlamentares, mostrando a falta de compromisso com a proteção da natureza e o quando tais políticos têm defendido interesses de poderosos grupos em detrimento do bem comum. A aprovação deste Projeto beneficiará grandes capitalistas, afetando negativamente as florestas brasileiras e amplas áreas que precisam de proteção.
Ironicamente, os parlamentares apoiadores do Projeto de Lei 2159/21, na sua grande maioria, pertence aos estados amazônicos, como o Amazonas: Adail Filho (Republicanos), Átila Lins (PSD), Capitão Alberto Neto (PL), Fausto Júnior (União), Sidney Leite (PSD) e Silas Câmara (Republicanos). Isso indica que os nossos representantes políticos não se interessam pela proteção da Amazônia, mas defendem interesses corporativos que trabalham para a sua devastação. Não se preocupam com a qualidade de vida dos povos originários, mas se empenham em favorecer pautas que agravam as crises climáticas e o colapso ambiental.
O Projeto altera profundamente o processo de licenciamento ambiental no Brasil, permitindo a dispensa de licenças para diversas atividades predatórias. Uma das alterações mais prejudiciais é a ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a liberação de empreendimentos de médio impacto por autodeclaração, sem análise técnica prévia. O PL também desvincula o licenciamento de processos como a outorga de uso da água e a regulação fundiária, comprometendo a gestão ambiental integrada.
Estas ações predatórias afetam drasticamente as águas, gerando poluição e criando cenários temerários que prejudicam a vida das populações, a existência e a qualidade dos recursos hídricos. A professora Adorea Albuquerque demonstrou preocupação com o surgimento de ilhas de plástico nas cidades amazônicas, resultado da falta de política pública de reciclagem na região. Tais montanhas de resíduos transformam a paisagem das localidades, demonstrando a omissão dos poderes públicos e a inexistência de planejamento urbano e socioambiental.
A professora também frisou a falta de saneamento básico em Manaus, destacando a ausência dos serviços de esgotamento sanitário e a má qualidade dos serviços de abastecimento de água. Chama a atenção o fato de que tais serviços sejam realizados pela iniciativa privada, que tanto enaltece a eficiência do mercado e a qualidade dos serviços oferecidos. Na realidade, a Concessionária Águas de Manaus tem realizado um serviço precário e deficitário, sem cumprir as metas estabelecidas no contrato de concessão, assinado em julho de 2000. A irresponsabilidade da empresa, a anuência da Prefeitura de Manaus e a falta de fiscalização dos serviços colocam a capital amazonense entre as piores cidades no ranking das 100 maiores metrópoles do Brasil.
A professora Clarice Tukano, liderança indígena e docente da UFAM, também externou grande preocupação em relação às condições de vida dos povos indígenas. Juntamente com o bioma da região, estas populações têm sido agredidas, exploradas e dizimadas por empreendimentos diversos que buscam drenar as riquezas do território, semeando a destruição e a morte. Fortemente vinculados ao território, os povos indígenas sofrem na pele as iniciativas da devastação da terra e das águas. Para estas culturas, estes elementos são sagrados e devem ser respeitados como os seus próprios corpos.
A doutoranda Gilmara Santos também fez um alerta sobre a necessidade do Estado investir em tecnologias sociais de cuidado e preservação das águas. A pesquisadora está desenvolvendo junto à Universidade Federal do Amazonas uma tecnologia de monitoramento remoto das águas dos rios amazônicos. Mostrar os impactos da poluição nas águas é imprescindível para a criação de iniciativas voltadas para a preservação dos corpos hídricos. A cidade de Manaus, com a sua extensa rede de igarapés totalmente poluída, indica que os poderes públicos locais se omitem diante do desafio da proteção das águas.
O 2º Seminário do Fórum das Águas promoveu a formação de rodas de conversas que abordaram de maneira específica temas relevantes para a Amazônia: Águas, Povos Indígenas e Bem Viver, Florestas e Resíduos Sólidos. As lideranças presentes fizeram propostas concretas para serem apresentadas aos poderes públicos, tendo em vista também a COP30, que acontecerá em Belém do Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025.
O Seminário entra na história do Fórum das Águas como um momento de sensibilização e reforço das redes de proteção da natureza situadas no território amazônico. Trata-se de uma iniciativa que visa incentivar o cuidado da casa comum e provocar uma reflexão na sociedade, tendo em vista a omissão e o comodismo dos poderes públicos frente aos desafios socioambientais gerados pelos poderes econômicos que dominam a região.