16 Julho 2025
Os próximos cinco anos representam uma janela crítica para os BRICS, onde seu roteiro pós-Rio revela ambições transformadoras repletas de fragilidade.
O artigo é de Juan Laborda, publicado por El Salto, 12-07-2025.
A cúpula do Rio de Janeiro deveria ter sido uma celebração. Onze membros plenos, onze parceiros, 46% do PIB global (ajustado pela paridade do poder de compra, ou PPC) e 45% da população mundial sob o guarda-chuva dos BRICS. Um bloco que começou como uma sigla para Goldman Sachs e hoje desafia a ordem ocidental. Mas, por trás da foto final, os sorrisos escondiam tensões que poderiam redefinir seu futuro.
A Declaração do Rio é um monumento às contradições. Por um lado, foi uma declaração geopolítica: apoio explícito ao Brasil e à Índia como candidatos a assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Esse avanço diplomático foi visto com desconfiança pela África do Sul, já que o documento ignorou suas aspirações, ao mesmo tempo em que reconheceu o Consenso de Ezulwini (que se reserva o direito de eleger seu próprio representante na África). Aqui, a expansão do grupo revelou seu lado obscuro: Egito e Etiópia, novos membros, são os rivais naturais de Pretória nessa disputa.
Mas a cisão mais profunda foi aberta pelo Irã. Em um movimento sem precedentes, seu ministro das Relações Exteriores chamou o apoio da declaração a uma solução de dois Estados na Palestina de "irrealista". Assim, quebrou o princípio sacrossanto do consenso dos BRICS. Enquanto isso, o silêncio foi igualmente eloquente: embora as sanções unilaterais tenham sido condenadas, nenhuma menção foi feita aos Estados Unidos. Índia, Brasil e Emirados Árabes Unidos bloquearam qualquer crítica direta a Washington. Na época de Trump, a prudência superava a rebelião. Aliás, que maneira estranha de Trump recompensar o Brasil. Espero que Lula tenha aprendido a lição; um cara como Trump não recebe nem uma. Xi Jinping e Putin poderiam lhe dar duas lições sobre como lidar com Trump.
Mas, entre as sombras, há luzes estratégicas. O bloco demonstrou sua força em áreas onde o Ocidente vacila. Desdolarização prática: o sistema de pagamentos transfronteiriços entre os membros (rápido, barato e seguro) é uma realidade. A conexão UPI-CIPS (Índia-China) aponta o caminho. Resiliência alimentar: a futura plataforma de grãos com uma reserva inicial de 10 milhões de toneladas (trigo, milho, fertilizantes) é um seguro contra crises globais. Liderança climática: Com a COP30 em Belém (2025) e a candidatura da Índia à COP33 (2028), os BRICS estão sequestrando a agenda verde. Seu "Tropical Forest Forever Facility" é um mecanismo de financiamento inovador que responsabiliza os países ricos por suas promessas não cumpridas.
A Agenda Prioritária acordada pelos BRICS para o período de 2026 a 2030 avançará rumo a uma moeda de reserva comum, para a qual será realizado um estudo de viabilidade. Em relação ao comércio, o clube de países delimitará uma Zona de Livre Comércio BRICS+, para a qual um acordo-quadro será assinado em 2026. Em relação à segurança, uma força conjunta antiterrorismo será desenvolvida por meio do Grupo de Trabalho de Segurança e Cooperação (CTWG). Em resposta ao desafio tecnológico, o Instituto de Redes Futuras dos BRICS trabalhará na padronização 6G e na ética da IA. Em relação à questão climática, os BRICS continuarão a implementar o Fundo de Perdas e Danos do BRICS, acordado na COP30 deste ano.
A saúde global é outra área em progresso silencioso. A nova "Parceria Contra Doenças Socialmente Determinadas" aborda causas estruturais (pobreza, exclusão), não apenas sintomas. E o Centro de Habilidades Industriais do BRICS, em parceria com a ONUDI, oferece treinamento em habilidades da Indústria 4.0, evitando a dependência do Ocidente.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) ostenta projetos no valor total de US$ 30 bilhões, e o Acordo de Reserva Contingente (CRA) oferece uma rede de segurança de US$ 100 bilhões. Mas há um fato crucial: o NDB representa apenas 3% do financiamento multilateral global. Para ser um verdadeiro contrapeso, ele precisa urgentemente se expandir.
A expansão acelerada (cinco novos membros em 2023, Indonésia em 2024) agrava o desafio. Como podemos tomar decisões rápidas com onze países com culturas políticas opostas? Democracias como Brasil e Índia dividem a mesa com autocracias como Rússia e Irã. Rivais geopolíticos (Índia vs. China no Himalaia; Irã vs. Arábia Saudita) precisam coordenar políticas. As sanções ocidentais contra a Rússia e o Irã também estrangulam a profunda integração financeira.
Os próximos cinco anos constituem uma janela crítica para os BRICS, onde seu roteiro pós-Rio revela ambições transformadoras repletas de fragilidade. Na frente financeira, estudos de viabilidade para uma moeda de reserva comum já estão em andamento, um projeto que, se materializado, representaria o desafio mais contundente ao domínio do dólar em meio século. Esse esforço é complementado pela negociação de uma Área de Livre Comércio BRICS+, cujo acordo-quadro deverá ser finalizado em 2026. O objetivo é audacioso: integrar um mercado de 4 bilhões de consumidores, tecendo cadeias de valor que evitem bloqueios ocidentais. Paralelamente, na COP30 em Belém (2025), o bloco lançará seu Fundo de Perdas e Danos Climáticos, um mecanismo que incorpora a justiça ambiental com um selo do Sul Global, exigindo que as economias ricas assumam os custos do caos climático que aceleraram.
No entanto, os caminhos possíveis divergem drasticamente. No cenário ótimo — prefiro não colocar probabilidades —, os BRICS consolidariam uma arquitetura financeira alternativa funcional e liderariam a governança climática global, reescrevendo as regras do jogo multilateral. O cenário base, mais provavelmente, mostraria progresso na cooperação setorial — especialmente em segurança alimentar e saúde —, mas veria a moeda comum estagnar devido à desconfiança geopolítica. Enquanto isso, o cenário de risco pinta um quadro sombrio: a rivalidade estratégica entre China e Índia, agravada por tensões internas como os atritos Irã-Arábia Saudita ou aspirações conflitantes no Conselho de Segurança da ONU, poderia fragmentar o bloco em facções irreconciliáveis. O sucesso dependerá de uma habilidade sutil que até agora nos escapou: transformar retórica em ação coletiva sem que nenhum membro renuncie à sua soberania.
A Cúpula do Rio deixou claro que os BRICS não são mais um clube econômico: são um projeto civilizatório. Eles não buscam destruir a ordem liberal, mas sim demonstrar que a modernidade tem múltiplos caminhos. Sua narrativa de "soberania igualitária" e rejeição a sanções unilaterais ressoa em um mundo cansado de hegemonia.
Mas as fissuras expostas são sistêmicas. Sem mecanismos ágeis para administrar suas contradições, o bloco pode se tornar o que o Ocidente espera: um gigante com pés de barro. Seu teste decisivo será transformar a retórica em ação coletiva, sem que ninguém renuncie à sua soberania. Em 2030, saberemos se o Rio foi o canto do cisne ou o nascimento de uma nova ordem. Por enquanto, apenas uma certeza: o mundo não é mais administrado por Washington, Bruxelas ou Pequim. Ele é cozinhado em uma mesa onde, pela primeira vez, o Sul Global serve o cardápio.