05 Julho 2025
"Ele abriu uma nova perspectiva ao falar com as palavras mais clássicas, mas mais uma vez nutridas pela sabedoria de toda a tradição. Essa é também a nossa tarefa: reler a tradição de forma integral, para recuperar o seu sentido ecumênico".
O artigo é de Andrea Grillo, publicado por Come se non, 03-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Aqui tudo quer ser concórdia e harmonia, que converte os corações, modera as ganâncias. Tudo quer se converter em edificação: o Evangelho vivido, a mansidão praticada, a santa justiça penetrada pela caridade e feita circular entre homem e homem, entre povo e povo.” João XXIII, Corpus Christi, 1962
Em seu recente discurso sobre o tema da teologia eucarística, M. Perroni fez mais de uma afirmação importante. De particular interesse, para mim, foi sua referência a uma versão “ecumênica” do Corpus Christi. Poderíamos trabalhar nisso?
Embora bastante original, a ideia me parece tudo menos infundada. Precisamente a partir da história da instituição da Festa do Corpus Christi. De fato, uma tarefa ecumênica, no sentido mais autêntico, consiste em redescobrir uma comunhão que a história perdeu. O sentido realmente “católico” da festa, no sentido de universal e compartilhado, pode ser recuperado nas suas intenções originais, assim como aparecem na Bula Transiturus, de 1264. Se retornarmos àquele texto, de fato, descobrimos uma série de dados ecumenicamente decisivos:
a) A festa nasce de uma tarefa eclesial não cumprida: ou seja, garantir que todo o povo de Deus tenha acesso à comunhão eucarística, para remediar um defeito litúrgico da Quinta-feira Santa, na qual a prevalência de ritos e cerimônias diferentes (bênção dos óleos, reconciliação dos penitentes) havia colocado a centralidade da comunhão eucarística em segundo plano;
b) A maior ênfase, no texto que institui a festa, é posta na dimensão da refeição de comunhão. Embora uma redução da comunhão a “uso do sacramento” já tenha sido afirmada no plano teológico (que será uma deriva católica cada vez mais acentuada tanto em relação ao Oriente cristão quanto em relação ao Ocidente não católico), as afirmações centrais do texto alimentam uma visão profundamente ecumênica da comunhão.
c) Uma celebração adequada da comunhão eclesial é amplamente recomendada, mas não há menção explícita nem de uma procissão nem da exibição da hóstia. Como veremos, esses dois aspectos foram introduzidos posteriormente, em Roma, respectivamente por João XXII (1316), que introduziu a procissão, e depois por Nicolau V (1446), que introduziu a exibição da hóstia, quase 200 anos após a instituição da festa.
Como acontece na história, o desenvolvimento unilateral de uma instituição antiga, se não for adequadamente corrigido em seu progresso histórico, até faz esquecer as intenções com as quais uma instituição nasceu. Se a festa se transformou, já 50 anos após sua instituição, em uma manifestação de poder público, em uma apresentação solene do senhorio de Cristo sobre a cidade, e então, após a Reforma Protestante, em uma contemporânea afirmação apologética de uma teologia da presença diferente da protestante, essa evolução constitui um fato histórico que não pode ser facilmente contornado. No entanto, não se trata de uma dimensão originária da festa, mas sim de um seu desenvolvimento histórico legítimo, que não somos obrigados a confundir com sua intenção originária. O que foi legítimo em uma época não é um aspecto necessário em épocas subsequentes.
Examinemos mais detalhadamente alguns aspectos do documento do Papa Urbano IV, a partir do qual tudo começou:
– ele coloca no centro o valor da Eucaristia como um “dom” que tem seu centro na refeição.
– limita a dimensão apologética ao mínimo (a citação do erro herético é marginal e não afeta a forma da festa)
– valoriza a celebração com a comunhão do povo
– apresenta um elemento de reparação interno ao evento eclesial, para remediar a “distração” na Missa in Coena Christi da Quinta-feira Santa
– isso corresponde à conclusão do texto, sobre a remissão da pena, ligada aos momentos litúrgicos da festa e da oitava.
Como dizia, essa intuição inicial da “Fete-Dieu”, como os francófonos a chamam, teve um desfecho bastante complexo. É singular que o texto de 1264, promovido pelo Papa Urbano IV, não tenha tido qualquer recepção. A situação mudou apenas em 1309, com Clemente V, e depois em 1316, com o Papa João XXII, com a instituição da procissão, até então não prevista. Essa passagem, feita por um papa de Avignon, de fato transformou a festa, mesmo que ainda não lhe tenha dado a forma que conhecemos hoje. Vejamos os dois elementos mais qualificadores da história subsequente:
a) a festa nasceu para conduzir o povo à comunhão eucarística, reparando o descaso em relação à Missa in Coena Christi. Portanto, trata-se de uma festa que faz os cristãos "entrarem" no centro vivo de sua relação com Cristo, por meio do rito da comunhão. A procissão, por sua vez, muda a direção: leva os cristãos a sair da Igreja e entrar na cidade. Mais ainda, como se pode ver em muitos desenvolvimentos históricos entre os séculos XIV e XVI (em Roma, Veneza, Gênova, mas também na Inglaterra e na França) a festa de Corpus Christi adquire um caráter cada vez mais civil, mobiliza todo poder, estrutura a própria forma de poder.
b) A partir da Contrarreforma, a festa também se carrega de uma profunda apologética antiprotestante: torna-se afirmação da doutrina católica sobre a Eucaristia em comparação com a leitura protestante da Santa Ceia. Nesse desenvolvimento, inevitavelmente, a adoração da “presença real” se sobrepõe à procissão em evidente conflito com a comunhão protestante. De fato, se uma das frentes conflitantes continuará sendo a contraposição entre “consagração” e “comunhão” como “lugar de presença”, é evidente que a procissão com o Santíssimo Sacramento se torna, indiretamente, uma negação da relevância da comunhão. Assim, paradoxalmente, uma festa nascida para recuperar a comunhão tornou-se, não raro, um momento de contraste à comunhão. Por outro lado, é um aspecto importante que a exibição da hóstia, em procissão papal em Roma, tenha começado somente com o Papa Nicolau V, em 1447: poderíamos dizer que se trata de uma invenção moderna.
Esses elementos de uma história de quase oito séculos, se analisados sem discernimento, podem nos fazer perceber a festa de Corpus Christi em uma perspectiva muito unilateral. Certamente foi uma poderosa inculturação, que mobilizou com força energias laicais, coirmandades, formas de arte e costumes (tapetes de flores e teatros!). A recuperação de uma teologia eucarística mais rica, mais fundamentada na Escritura e nos Padres, pode tornar nosso olhar capaz de novas leituras, de novas inculturações. Apesar das evidentes dificuldades com que toda tradição (católica, evangélica ou oriental) pode sair de suas próprias “palavras de ordem”, parece-me possível encontrar, justamente na origem da Festa, alguns elementos que hoje se tornam “ideias ecumênicas” decisivas:
– O texto da Bula Transiturus reconhece um valor comum a todas as tradições cristãs: o fato decisivo do rito da comunhão, como plenitude eclesial da presença de Cristo na sua Igreja. Esse é um ponto completamente compartilhado teologicamente, que especialmente os católicos lutam para admitir, devido à profunda interferência do conflito com os evangélicos, que deslocou a atenção da comunhão para a consagração, da celebração para a adoração.
– A forma histórica, que só tomou forma a partir de meados do século XV, isto é, a procissão com a exibição do Santíssimo Sacramento, é um desenvolvimento possível, mas não necessário, da intuição originária sobre a festa. Se traduzirmos isso em termos teológicos, podemos dizer: a figura mais alta da presença do Corpo de Cristo não é a do efeito intermediário (verdade do corpo e do sangue sob as espécies do pão e do vinho), mas a do dom da graça (unidade e caridade da Igreja) que se realiza na comunhão. O Corpo de Cristo último, na Eucaristia, não é o pão e o vinho consagrados, mas o Corpo de Cristo eclesial, como resultado da comunhão.
– O desenvolvimento histórico elaborou de forma original essa “destinação eclesial” do Corpo de Cristo, preferindo uma espécie de polarização: de um lado, o Corpo de Cristo sacramental, quase isolado em sua evidência separada, de outro, o Corpo de Cristo eclesial, identificado com a estrutura do poder eclesial e citadino. Trazer o Corpo de Cristo para o meio da cidade tem sido interpretado por meio de uma separação: aquela entre sacramento e igreja. Essa separação tem raízes teológicas, que devemos ter a coragem de discutir.
– A leitura ecumênica dessa solução poderia reservar surpresas: obrigaria cada confissão a uma elaboração mais refinada da teologia eucarística, saindo de simplificações históricas que isolaram a presença de Cristo e a identidade eclesial, devido a uma maneira de pensar a Eucaristia em que um efeito dela é pensado como contido nela, enquanto o outro não. Essa opção teológica do passado, possível, real, mas não necessária, teve consequências não apenas sacramentais, mas eclesiais e políticas. Hoje, talvez uma leitura mais completa do mistério eucarístico possa evitar a criação de um descompasso entre a comunidade que comunicou com o Corpo de Cristo, e se tornou Corpo de Cristo, e o restante da partícula após a comunhão, não por reserva, mas por procissão. Aqui há um grave problema de identidade da Igreja, que exige uma solução ecumênica: sem negar nenhuma tradição, mas harmonizando as prioridades de forma diferente. Deixando-se enriquecer pelas diferenças que rotulamos como erros e que fazem parte da nossa história comum, para serem redescobertas mais profundamente. Obviamente, não se trata de uma questão simples: mas é uma profecia eclesial e, como todas as profecias, olha para o futuro e não se deixa assustar pelas mil objeções razoáveis, que podem bloquear qualquer movimento de reconciliação, antes mesmo de começar.
À luz da tradição do Corpus Christi, João XXIII proferiu em 1959 e 1962 dois maravilhosos discursos sobre a Igreja e a unidade. Ele abriu uma nova perspectiva ao falar com as palavras mais clássicas, mas mais uma vez nutridas pela sabedoria de toda a tradição. Essa é também a nossa tarefa: reler a tradição de forma integral, para recuperar o seu sentido ecumênico. Também aquele da festa do Corpus Christi, que precisa de um verdadeiro ressourcement, de um autêntico "retorno às fontes", para ser plena e verdadeiramente si mesma.