03 Julho 2025
Silenciadas pela história oficial, figuras como Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria têm trajetórias resgatadas
A informação é de Adele Robichez, Aline Macedo e Kaique Santos, publicada por Brasil de Fato, 02-07-2025.
No 2 de Julho, data que marca a consolidação da Independência do Brasil na Bahia, a historiadora Giovanna Trevelin, entrevistada no Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, chama atenção para o protagonismo das mulheres nas batalhas que expulsaram as tropas portuguesas do território baiano, em 1823. Segundo ela, figuras como Maria Felipa, Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Leopoldina foram essenciais no processo, mas tiveram seus nomes silenciados durante muito tempo pela história oficial.
“Falar do 2 de Julho e comemorar, celebrar ele até os dias de hoje, é expandir um pouco a nossa memória sobre esse acontecimento tão importante para a nossa história”, afirma. Especialista em história das mulheres, Trevelin explica que o 2 de Julho representa o encerramento de um processo de independência que começou bem antes do 7 de setembro de 1822, e foi marcado por conflitos no Recôncavo Baiano. “As tropas portuguesas são realmente expulsas do território brasileiro através de muitos embates promovidos por populares, principalmente mulheres negras e indígenas, que estavam à frente dessas lutas, lutando corpo a corpo contra os portugueses”, destaca.

Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica - Arquivo público do Estado da Bahia | Domenico Failutti | Acervo do Museu Paulista da USP
Ela lembra que Joana Angélica foi morta por tropas portuguesas em fevereiro de 1822, ao tentar impedir a invasão do Convento da Lapa, em Salvador. Primeira mulher a integrar o Exército Brasileiro, disfarçada de homem, Maria Quitéria tornou-se heroína da luta pela Independência. Já a marisqueira Maria Felipa, com um grupo de 40 mulheres do município de Saubara, as “vedetas”, usava estratégias de espionagem e plantas da região para imobilizar soldados e queimar embarcações inimigas.
Muitas dessas combatentes continuam sem nome ou rosto conhecidos. “Por que não conhecemos essas mulheres? Porque temos um viés da história […] que é predominantemente masculino”, critica. Como exemplo, ela cita a narrativa de que a Independência do Brasil teria ocorrido dez meses antes da data comemorada na Bahia, com o grito do imperador Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo. “É uma história predominantemente construída por historiadores homens, que detêm essa narrativa da nossa história”, indica.
O nacional-popular sempre foi o caminho da mobilização dos Silvas. A comemoração e celebração do 2 de julho complementa a luta pela libertação do Brasil. Do batismo de fogo de Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, até Lula da Silva mobilizando o Povo Brasileiro. https://t.co/313F5ueTME
— Ricardo Costa de Oliveira (@Ricardo_Cd_Oliv) July 2, 2025
Trevelin também ressalta o papel político de Leopoldina, primeira Imperatriz do Brasil, esposa de D. Pedro I, que, antes mesmo do famoso “grito do Ipiranga”, articulou junto ao Conselho de Estado a decisão de declarar a separação do Brasil de Portugal. “Ela sempre atuava nessas decisões políticas. [Ela participou] do próprio Dia do Fico [quando, em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro I declarou que permaneceria no Brasil, contrariando as ordens das Cortes portuguesas], e depois, antes do 7 de Setembro, de uma reunião com ministros para, então, escreverem a Dom Pedro para que ele declarasse a independência”, conta.
Aos poucos, mais histórias dessas e de outras mulheres vêm sendo recuperadas por historiadoras, pesquisadoras e movimentos sociais. “A partir principalmente de movimentos sociais e de uma historiografia construída também por mulheres, temos a retomada dessas histórias e desses nomes através de muita pesquisa sobre a Independência e tantos outros momentos da nossa história em que as mulheres atuaram de forma ativa”, comemora a professora.
Em celebração ao 2 de Julho, além da cerimônia militar, milhares de pessoas ocupam as ruas de Salvador em um grande cortejo popular que sai do Largo da Lapinha. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa do evento neste ano, na capital baiana. As figuras do “Caboclo” e da “Cabocla”, símbolos da presença indígena e africana nas batalhas, lideram o desfile, que reafirma a memória coletiva da independência na Bahia. Durante os conflitos que culminaram na expulsão das tropas portuguesas do país, estima-se que cerca de 2 mil pessoas tenham morrido.
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