24 Junho 2025
O artigo é de Jesús Martínez Gordo, doutor em Teologia Fundamental e sacerdote da Diocese de Bilbao, professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, publicado por Religión Digital, 22-06-2025.
Na Eucaristia, Jesus se faz presente em duas realidades do nosso mundo (pão e vinho). Ao fazê-lo, Ele antecipa, àqueles que comem o pão e bebem o vinho, a plenitude da Vida (através do pão) à qual somos chamados, e a Alegria (através do vinho) que esperamos desfrutar infinitamente. Aqueles de nós que comem o pão da Vida e bebem o cálice da Alegria o fazem porque reconhecem a presença sacramental do Nazareno na Eucaristia.
Ao contrário dessa presença sacramental, a identificação de Jesus com os pobres é singular e única, por sua livre escolha. E este é um ponto crucial a ter sempre em mente, especialmente quando — como acontece frequentemente — encontramos espiritualidades que buscam se relacionar e encontrar Jesus apenas no pão e no vinho eucarísticos, e não em sua "carne", que é o último crucificado do nosso tempo.
Nós, cristãos — pelo menos nós, católicos — não podemos esquecer a máxima clássica de que Deus não está vinculado única e exclusivamente aos sacramentos; que Ele é livre para se identificar, como atestam os Evangelhos, com os pobres. Há um arsenal de testemunhos ao longo da história desse encontro e relacionamento pessoal com Deus nos "outros Cristos", os Cristos crucificados de todos os tempos e da nossa época.
Entre outros testemunhos, a lenda de São Martinho de Tours (316-397) é importante. Por ser tão conhecida, demonstra não apenas a identificação de Jesus com os pobres na carne, mas também a aceitação dessa identificação nas comunidades cristãs de seu tempo e nas da posteridade: como soldado, encontrou um mendigo seminu em pleno inverno. Não tendo nada para lhe dar, pegou sua espada e cortou seu manto ao meio, dando-lhe um dos pedaços. Naquela noite, o Nazareno lhe apareceu em sonho, vestido com o manto que havia dado ao mendigo, dizendo: "Martinho, hoje me cobriste com o teu manto".
E temos também o conselho de São Vicente de Paulo (1581-1660) às Filhas da Caridade, convidando-as — em sintonia com o melhor do Evangelho e da tradição latina — a “deixar Deus”, isto é, a oração e até a Eucaristia, “por Deus”, isto é, a cuidar dele nos pobres.
Na Igreja Latina, sem negar a importância da liturgia, da Eucaristia, dos ícones e da oração silenciosa, estes são relevantes se forem acolhidos e vividos como sacramentos que inspiram e sustentam os pobres no seu abraço com Ele e na tarefa de transformar as estruturas que provocam a sua dor e o seu desprezo.
Este é o cerne da festa de Corpus Christi, para além de outras devoções como, por exemplo, a adoração ao Santíssimo Sacramento ou as Horas Santas, que não podem nos distrair do fato de que a Eucaristia é alimento para que todos possamos viver uma vida digna. E, ao mesmo tempo, uma bebida que alegra o coração e nos move à esperança, porque a tornamos possível para as pessoas com quem convivemos e para aquelas que encontramos ao longo do nosso caminho.
Participar da Eucaristia não é compatível com tradições espirituais absolutizantes que distraem do encontro com Deus na carne dos "outros Cristos", que são os pobres que mendigam na entrada da Igreja, os migrantes ou os massacrados do nosso tempo, não só na Palestina e na Ucrânia, mas também em tantas guerras que, embora não apareçam nas nossas telas de televisão, continuam a existir.