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O papado, um corpo estranho na tradição de Jesus. Artigo de Eduardo Hoornaert

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02 Junho 2025

Estamos acostumados a comparar posicionamentos pessoais de papas e aparentemente damos bastante importância a isso. Sugiro aqui que desviemos, por uns instantes, o olhar da pessoa para seu ‘assento’, para a Sedes Apostolica, ou seja, para a estrutura que lhe confere poder: o papado.

O artigo é de Eduardo Hoornaert, historiador, ex-professor e membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA).

Eis o artigo.

Pensando bem, o papado é um corpo estranho na genuína tradição de Jesus. Nos evangelhos aparece uma clara linha divisória entre o princípio fraternal, fundamental na mensagem de Jesus, e o multimilenar princípio dinástico, vigente nas sociedades humanas pelo menos desde a revolução neolítica, uns dez mil anos atrás. O termo grego dunasteia indica um tipo de organização social em que uma pessoa ou um grupo ‘governa’ a sociedade. A ideia da radical fraternidade universal, claramente manifestada por Jesus, é tão inusitada que até hoje nos parece estranha. É um ‘clarão’ que durou dois ou três anos, mas que irradia uma luz tão intensa que nos alcança em nossos dias, embora penetre com dificuldade na espessura de pensamentos e tradições multimilenárias. Os historiadores nos ensinam que expressões e situações, ‘consagradas’ por uma longa história, tendem a se tornar incontestes. É o caso do papado que, baseado no antiquíssimo princípio dinástico, se infiltrou na tradição cristã e nela ganhou credibilidade ao longo dos séculos.

Essas palavras, bem sei, apelam para um amplo leque de estudos. Aqui me limito a traçar, em breves apontamentos de ordem histórica, umas linhas acerca da congênita incongruência do papado em relação ao projeto original de Jesus de Nazaré.

1. O princípio fraternal

Jesus é taxativo: o evangelho segue o ‘princípio fraternal’. O Evangelho de Mateus relata: A mãe dos filhos de Zebedeu avança com seus dois filhos e se lança aos pés de Jesus. Ela tem um pedido a fazer. Jesus pergunta: O que você quer? E ela: Na hora de seu Reino, eu peço, faça que meus filhos, aqui presentes, estejam sentados, um à sua direita e outro à esquerda (Mt 20, 20-24). Sentindo a seriedade do pedido, Jesus reage: As nações, vocês sabem, sofrem a tirania de seus chefes e estão sob o domínio dos poderosos. Vocês agirão de modo diferente. Quem, entre vocês, quer ser chefe, que se ponha a serviço de seus irmãos. E quem ambiciona ser o primeiro, que seja o servidor de seus irmãos. Assim, o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20, 25-28). E, alhures, no mesmo Evangelho de Mateus: Vocês recusem de serem chamados ‘Mestres’. Vocês não têm senão um Mestre. São todos irmãos (Mt 23, 2-8). E, como a luta pelo poder transforma as pessoas em ‘lobos’, os discípulos serão ovelhas em meio de lobos (Mt 10, 16), em busca de um Reino sem poder, sem Mestres a ocupar os primeiros lugares.

Marcos conta a mesma história de seu jeito. Tiago e João, filhos de Zebedeu, se aproximaram de Jesus e lhe disseram: ‘Mestre, concede-nos tomar assento na tua glória, um à direita e outro à esquerda’. Tendo ouvido isso, os outros dez se revoltaram contra Tiago e João. Jesus chamou todos perto de si e disse: ‘Vocês sabem que, entre os pagãos, os que passam como chefes dominam os demais e que os grandes exercem autoridade. Entre vocês é diferente: quem quer se tornar grande será seu servo. Quem quer ser o primeiro entre vocês será o escravo de todos. Pois o filho de homem não veio para ser servido, mas para servir, dar sua vida e pagar por todos (Mc 10, 35-45).

2. A ‘fraternidade’ nos anos 50

Nos anos 50, o outsider Paulo é acolhido, embora com alguma dificuldade, na fraternidade (‘adelfotès’ em grego) apostólica, representada pelo trio Tiago (irmão de Jesus), Pedro e João. Com um toque de ironia, Paulo chama os três de colunas e critica certo ar de ‘importância’ que os envolve, mas, afinal, eles se comportam com irmãos, não como ‘líderes’ ou ‘mandantes’. De qualquer modo, podemos dizer que, vinte anos após sua morte, o princípio fraternal de Jesus está sendo seguido no movimento que ele criou.

Paulo expressa em termos contundentes como entender essa fraternidade, quando escreve, por volta do ano 50, aos militantes em Corinto:

Entre vocês poucos sábios,
Poucos poderosos, poucos nobres.
Pelo contrário, o que é louco no mundo,
Deus o escolheu para dar vergonha aos sábios;
O que há de fraco no mundo,
Deus o escolheu para dar vergonha à força,
o que há de mais ‘comum’ no mundo,
o que todos desprezam,
Deus escolheu o que não é nada
E deixou de lado o que pretende ‘ser’ (1Cor 1, 26-29).

3. A situação nos anos 150

Cem anos depois, a situação não é mais a mesma. Na terceira Visão do Pastor de Hermas, um escrito elaborado por volta de 150, aparecem as seguintes palavras: Eu me dirijo agora aos chefes da igreja e aos que ocupam os primeiros assentos etc. (veja meu livro Hermas no Topo do Mundo, edição Paulus, São Paulo, 2002, p. 67). As palavras de Jesus: ‘Vocês recusem de ocupar os primeiros assentos. São todos irmãos’ já desaparecem do horizonte. Lembro aqui que o Pastor de Hermas é o primeiro texto cristão de certa envergadura que interpreta a mensagem de Jesus a partir da situação vivida por seus discípulos/as em Roma e que foi lido em alta voz durante séculos em inúmeras comunidades cristãs. É significativo que esse texto, implicitamente, assinala a curtíssima vigência da proposta de Jesus. Hermas constata que o concurso pelos primeiros assentos na assembleia está de volta, criando reivindicações e disputas. Ele sonha com uma igreja segundo os ditames de Jesus, como testemunham suas Visões, suas Comparações e seus Sonhos, mas sabe que essa igreja não existe mais.

4. A ascensão do homem celibatário

É dentro de um contexto parecido com o de Hermas que se situa a ascensão do homem celibatário, seja ele solteiro, seja ele viúvo, a cargos sempre mais importantes no seio de núcleos cristãos. Vale observar aqui que muitos textos da antiga tradição cristã, que aparecem como expressões de divergências especificamente teológicas, na realidade ocultam disputas pelo poder.

Aqui me inspiro no livro intitulado Corpo e Sociedade: o Homem, a Mulher e a Renúncia sexual no Início do Cristianismo (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1990), da autoria do historiador irlandês Peter Brown. Esse livro descreve a luta, por parte de homens celibatários, no sentido de ocupar os primeiros assentos nas congregações, já em meados do século II dC, nos tempos de Hermas. Se, como dizem os historiadores, a condição fundamental para o surgimento da igreja cristã, tal qual a conhecemos hoje, foi uma vigorosa divisão entre clero e laicato, é preciso apontar de imediato que essa divisão é de caráter fundamentalmente político. É uma luta por poder. Afinal, a ascensão do clericalismo, no cristianismo, demonstra a dificuldade em se seguir ditames fraternais na estruturação das comunidades. Os clérigos cristãos estão por demais conscientes da sua superioridade intelectual e moral diante de suas ‘ovelhas’ para poder dialogar de verdade com os segmentos mais ‘ignorantes’ de suas congregações.

Esse é o ponto de inserção do celibato na história do cristianismo. Certamente, um dos cuidados do movimento cristão, nessa conjuntura, consiste em impedir o crescimento de uma ‘aristocracia’ eclesial independente, baseada em benfeitorias feitas em comunidades que, via de regra, são pobres. Os próprios coordenadores dessas comunidades se beneficiariam de privilégios, que pretenderiam passar aos seus descendentes. Ora, o celibato trava esse processo hereditário.

No século IV, o bispo Epifânio de Salamina (Chipre) escreve que o celibato é o fundamento da igreja (Migne, Patrologia Grega, 42, p. 829). A radicalidade evangélica, que na época de Jesus tinha evidentes contornos sociais, e, afinal de contas, pouco se ocupava com problemas de controle do corpo, vai se expressar de modo privilegiado e mesmo normativo, no cristianismo, no controle do corpo e de seus mais íntimos impulsos. Doravante, tudo passa pelo corpo e seu controle. O princípio monacal, o controle do corpo, o corpo isolado de impulsos sexuais: eis o que traça o roteiro do poder na igreja a partir do século III.

5. Rivalidades entre líderes metropolitas

O fluxo da história dos cristianismos nos primeiros séculos fecunda, em primeiro lugar, o mundo mediterrâneo oriental e terras circunvizinhas, ou seja, o Império Romano Oriental, onde a ideia imperial romana continua vivendo vigorosamente, em torno do centro bizantino, por mais de um milênio, tão vigorosamente que consegue resistir ao avanço muçulmano até o século XV. Esse mundo cristão oriental cria um mundo onde as culturas gregas, semitas e inclusive eslavas vivem em relativa harmonia, onde o mundo monástico convive com o mundo episcopal com independência, onde os patriarcas têm ampla liberdade de ação e onde a relação com os usos populares da religião é menos traumática que no Ocidente. Os superdogmas cristológicos e trinitários, dos quais se ocupam os relatos sobre os Concílios orientais nos séculos IV e V, de certo modo camuflam a luta subjacente pelo poder, por parte de líderes que representam o movimento cristão em grandes cidades como Antioquia na Síria, Alexandria no Egito ou Constantinopla. Eis uma típica contenda ‘dinástica’ e ela se manifesta no Concílio de Niceia em 325, nas leis do imperador Teodósio dos anos 380 e nas ulteriores planificações do imperador Justiniano.

6. A camuflagem ‘apostólica’

No cânone 6 do Concílio de Niceia em 325 se lê que a cidade de Alexandria, é ‘apostólica’ por ter-se originada de um discípulo de Pedro, o evangelista Marcos. Do mesmo modo, Antioquia se proclama ‘apostólica’ por ter recebida a visita de Pedro. Mais delicada é a situação de Constantinopla, no Bósforo, escolhida pelo imperador Constantino para ser sua cidade residencial, em 330, assim como a de Milão, no Ocidente, que hospeda a nova residência imperial no Império ocidental. Essas cidades não ostentam ‘visum’ apostólico. Além disso, o que fazer com Jerusalém, cidade ‘apostólica’ por excelência, ou com Éfeso, onde atuou o apóstolo João, ou ainda com Corinto, onde atuou Paulo? Aqui se revela a camuflagem da invocação ‘apostólica’: essas últimas cidades ficam fora da briga por serem pequenas demais para rivalizar com as grandes. A questão tem, por conseguinte, claros indícios dinásticos.

7. A camuflagem ‘petrina’

O mesmo se diga da invocação ‘petrina’, invocada por Roma. Ela oculta as repetidas esfregas, a partir do século IV, entre duas ‘metrópoles’: Constantinopla e Roma. O primeiro atrito entre as duas ‘potências’ aparece em 381 dC, por ocasião do Concílio de Constantinopla, convocado e presidido pelo imperador Teodósio I. Quando o cânone 3 do referido Concílio atribui à igreja de Constantinopla a presidência de honra, por Constantinopla ser a nova Roma, os bispos ocidentais, enviados por Dámaso, bispo de Roma (?-384), se retiram. É provável que desse atrito tenha nascido o famoso texto, conhecido sob o nome de Decretum Gelasianum e atribuído a Gelásio (que governa de 492 a 496), em que se afirma que a igreja de Roma é caput (‘cabeça’) de todas as demais igrejas por decreto divino. Quando o Concílio de Calcedônia (451) repete a formulação de 381, cria-se uma dupla visão acerca do ‘primado’: a visão ‘ortodoxa’ (ou seja, das igrejas orientais) e a visão ‘romana’. A primeira segue o cânone 6 do Concílio de Niceia (325) e, portanto, afirma que três ‘metrópoles’ exercem um ‘primado’ sobre as demais: Roma, Antioquia e Alexandria. É uma visão dinástica, com certeza, mas ao mesmo tempo pragmática e aberta, capaz de admitir que uma quarta ‘metrópole’, Constantinopla, venha a entrar no ‘clube dos grandes’. Do outro lado aparece a visão intransigente do ‘Decretum Gelasianum’, que apela para a única apostolicidade de Roma. Daí por diante, Roma vai se distanciando do cristianismo oriental e começa uma caminhada separada.

É diante desse painel histórico que convém ler a história de Pedro. O mínimo que se pode dizer é que existem, nos primeiros documentos, duas principais imagens de Pedro: a de um discípulo exorcista, que se baseia em não poucos textos e a do líder do movimento de Jesus, que se apoia num único texto de Mateus (16, 17-20).

- Pedro discípulo: os Atos dos Apóstolos informam que ele, na qualidade de exorcista, viaja com João para a Samaria onde, após o espetacular sucesso do diácono Filipe, que também opera como exorcista (At 8, 5-25), o mago Simão, muito respeitado na região, se aproxima do movimento e pede o batismo (9, 13). Para reforçar esse sucesso, Pedro e João viajam para a região. Quando o mago Simão observa o poder dos apóstolos por meio da imposição das mãos (uma prática exorcista), ele oferece dinheiro para conseguir o mesmo poder. Pedro o repreende e Simão, aparentemente, se deixa convencer. No século IV, o bispo Eusébio de Cesareia (ca. 265-339), que participa do Concílio de Niceia em 325, elabora um texto em que o mago Simão aparece como cabeça de uma seita repugnante de exorcistas e foge para Roma a fim de escapar do poder de Pedro e tentar aí um novo sucesso. Mas, sempre segundo Eusébio, Pedro vai atrás dele, munido de armas divinas, e finalmente derrota Simão em Roma. Eusébio explica: a força de Simão provém dos demônios, enquanto a de Pedro provém de Deus. Veja a história toda em Eusébio, História Eclesiástica, 2, 14, 6 (Patrística 15, Paulus, São Paulo, 2000, p. 88-91).

Com essa história, Eusébio mata dois coelhos com uma só paulada: ele mostra Pedro investido de poder divino e justifica uma pretensa ida dele a Roma.

- Pedro líder: a partir do século IV, a historiografia eclesiástica passa por cima dessas e de outras primeiras referências a respeito de Pedro e se concentra unicamente num trecho do capítulo 16 do Evangelho de Mateus, v. 17-20. Enquanto, em Marcos 9, v. 27 a v. 33, Jesus, com ímpeto, critica Pedro na presença dos discípulos, gritando: Para trás, Satanás, você não tem o espírito de Deus, mas o dos homens (v. 33), ou seja, considera Pedro como um discípulo em meio de outros, em Mateus 16, ele o exalta de modo impressionante, por meio de expressões cheias de insinuações, sujo significado dificilmente conseguimos captar hoje, pois temos de ter em mente que Jesus falava uma linguagem recheada de simbolismos e comparações, não em categorias cartesianas. Expressões como: nem a carne, nem o sangue, mas o Pai (v. 17); as portas do inferno não podem nada contra minha igreja (v. 18); eu lhe darei as chaves do Reino dos Céus (v. 18); as chaves na terra, as chaves nos Céus (v. 19); o que você ligar sobre a terra será ligado nos Céus, o que você desligar sobre a terra será desligado nos Céus (v. 19); não digam a ninguém que sou o Ungido (v. 20), por exemplo, nos soam em grande parte enigmáticas. Constitui uma temeridade aplicar, sem mais nem menos, essas palavras de Jesus a um tipo de poder político, como se costuma fazer na igreja romana.

8. O bispo historiador Eusébio de Cesareia

Paradoxalmente, é um bispo da obediência constantinopolitana, Eusébio de Cesareia, que assenta o bispo romano no trono de Pedro. Apoiados em sua História Eclesiástica, os ocidentais se apressam em eliminar as pretensões de Ambrósio, bispo de Milão, residência imperial no Ocidente, e afirmar o caráter ‘petrino’ de Roma. A respeito do historiador Eusébio, o mínimo que se pode dizer é que se trata de uma figura ousada, que não teme traçar largas linhas ‘dinásticas’ do episcopado sem os devidos cuidados heurísticos, ou seja, sem uma séria procura de ‘fontes’ historiográficas e topográficas confiáveis. É verdade que ele, no primeiro capítulo de seu trabalho, reconhece que não conseguiu descobrir pegadas dos que trilharam esse caminho antes de mim e resolveu selecionar o que me pareceu relevante, como quem colhe flores em campos literários.

Seja como for, Eusébio se mostra resoluto em escolher as flores que lhe agradam, como se evidencia no seguinte trecho de sua História, que cito aqui: Os bem-aventurados apóstolos, depois de haverem fundado e edificado a Igreja, puseram o ministério do episcopado em mãos de Lino. Este Lino é mencionado por Paulo em sua carta a Timóteo. Sucede-o Anacleto e depois deste, em terceiro lugar a partir dos apóstolos, obtém o episcopado Clemente, que também havia visto os bem-aventurados apóstolos e tratado com eles, e tinha ainda nos ouvidos a pregação dos apóstolos e diante dos olhos sua tradição. E não apenas ele, porque então ainda sobreviviam muitos que haviam sido instruídos pelos apóstolos. E, após um breve espaço, Eusébio continua: A este Clemente sucede Evaristo, e a Evaristo, Alexandre; depois é instituído Sixto, o sexto, portanto, a partir dos apóstolos; e depois deste, Telésforo, que também sofreu gloriosamente o martírio; logo Higinio; depois Pio, e depois deste Aniceto; havendo Sotero sucedido a Aniceto, agora é Eleutério que ocupa o cargo do episcopado, em décimo segundo lugar a partir dos apóstolos. Pela mesma ordem e com a mesma sucessão chegaram até nós a tradição e a pregação da verdade que procedem dos apóstolos na Igreja. (Patrística 15, passim). Sem comentário.

9. ‘Pelo olho de uma agulha’: o papado ‘salva’ o Império Romano

Em 2014, o historiador irlandês Peter Brown publicou um livro intitulado Through the Eye of a Needle: Wealth, the Fall of Rome and the Making of Christianity in the West (Pelo olho de uma agulha: prosperidade, a queda de Roma e a formatação da cristandade no Ocidente).

Eis o pano de fundo da historiografia de Brown: no século V, o sistema imperial romano entra em colapso, tanto na Itália, onde dominam os ostrogodos, quanto na Gália e na Espanha, onde chegam os visigodos, no norte do Rio Loire (na atual França), onde se instalam os francos e burgundos, e no Norte da África, onde entram os vândalos. Símbolo desse colapso é a tomada de Roma em 410 por Alarico, líder ostrogodo.

Aí aparece a figura do Papa Leo, que toma seu nome emprestado ao de um imperador romano e que governa a igreja romana entre 440 e 461. Diante do líder huno Átila, em 452, ele se apresenta como sucessor de imperadores romanos. Isso é realmente novo. Leo pratica uma nova leitura do papado. Ele enxerga a figura do apóstolo Pedro pelo prisma do direito romano e aplica à estrutura eclesiástica o sistema diocesano, um instrumento da política imperial romano que visa controlar grandes espaços no intuito de cobrar impostos com maior eficiência. Na visão de Leo, o bispo é o administrador de uma diocese e o papa, por sua vez, é o administrador do sistema episcopal. Seguindo essa lógica, Leo se promulga, ao mesmo tempo, vicarius Petri e bispo da diocese de Roma. É nessa qualificação que ele ganha progressivamente autoridade, na Itália e na África no Norte. Quando procura integrar a Grécia em seu organograma, Leo encontra resistência por parte de Constantinopla, de modo que o Segundo Concílio de Éfeso, em 449, resulta num fracasso. Mas, dois anos depois, o Concílio de Calcedônia (451) é um sucesso.

O mais importante, para nossa análise, consiste em seguir a intuição do historiador Peter Brown e compreender que, com o papa Leo (posteriormente chamado Leão I), a ideia imperial romana, despojada de poder militar, passa ‘pelo buraco de uma agulha’ e se reveste religiosa. Quando, em 476, o líder visigodo Odoacro finalmente derruba militarmente o último imperador romano Rômulo Augústulo, ele se mostra fascinado ao ver o papa, ou seja, o imperador romano revestido de líder religioso.

Eis umas pinceladas acerca do papado como dinastia. Uma história que, embora sendo ‘de longa duração’ (Fernand Braudel), tem início e fim, nascimento e morte. Pois, como diz a canção: tudo passa, tudo passará; e nada fica, nada ficará.

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