29 Mai 2025
Em meio às discussões da COP 30, ex-presidente do Ibama critica a expansão petrolífera e aponta riscos da exploração na Foz do Amazonas.
Em entrevista ao podcast Entrando no Clima, a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, alertou para a contradição central da política ambiental brasileira: enquanto o País busca se posicionar como líder nas negociações climáticas globais, avança com planos para ampliar a produção de petróleo. Para ela, insistir nesse caminho em meio à crise climática é uma escolha que compromete não apenas a imagem internacional do Brasil, mas também seu próprio futuro ambiental e econômico.
“Mesmo que esse petróleo que venhamos a produzir seja exportado, ele vai gerar aquecimento global onde for queimado. Pode até não contar nas emissões brasileiras diretamente, mas vai contar nas emissões de algum outro país”, diz a especialista.
Suely Araújo é urbanista, advogada e doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Atuou por quase 30 anos como consultora legislativa da Câmara dos Deputados, especializada em meio ambiente e urbanismo. Foi presidente do Ibama entre 2016 e 2018 e, atualmente, é coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
A entrevista é de Luana Novaes Scatigna, publicada por ((o))eco, 28-05-2025.
A gente tem ouvido falar nessa intenção do Brasil de aumentar a exploração no País. Quando a gente fala isso, do que estamos falando exatamente?
O Brasil já é um grande produtor de petróleo, ele é o oitavo maior produtor mundial, com cerca de 3,4 milhões de barris por dia. Então, o Brasil já está no jogo como um grande player, mas a área de energia do governo, o ministro de Minas e Energia, principalmente, e a AIE, têm planos de que o Brasil fique na quarta posição. Isso briga com a Arábia Saudita e companhia, isso em plena crise climática. Esse é o questionamento: por que optar por essa expansão da produção quando estamos falando de um produto que, uma hora ou outra, vai cair em declínio?
O mundo vai precisar reduzir o uso do petróleo se quiser continuar com condições de sobrevivência. A própria AIE, há uns dois anos atrás, publicou que, se o mundo quisesse manter o limite de 1,5°C de aumento de temperatura, considerando os níveis pré-industriais, que é um limite assumido a partir do Acordo de Paris, não poderia existir mais expansão de petróleo para novas áreas. Isso não é uma ONG ambientalista falando. Não há como não questionar essa proposta do governo de ampliar, e muito, a produção de petróleo no País.
Existe uma briga interna no governo por esse aumento de expansão. O Lula já falou que o Ministério do Meio Ambiente está tendo uma lenga-lenga na liberação. Como está isso dentro do governo?
Tem uma briga e tem uma confusão de escalas na hora de fazer a crítica, porque o centro da discussão foi direcionado pelo bloco 59, na Foz do Amazonas, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, que é uma licença de perfuração. Nós estamos no meio do processo da cadeia do petróleo; não é uma licença de produção. Eles ainda vão perfurar para ver se tem petróleo e se tem quantidade suficiente para futura produção. Entre perfurar agora e produzir, vai uma década, em média. Então, estamos no meio da cadeia, e esse bloco virou uma espécie de símbolo.
Nós temos no offshore, no mar, mais de 2 mil blocos de perfurações que foram feitas com licença do Ibama. Todas as licenças offshore são feitas pelo Ibama. Eles estão falando: “Neste bloco não dá”, e o mundo caiu. Eu, como presidente do Ibama, em 2018, neguei cinco blocos na Foz do Amazonas para a empresa Total, também perfuração, pelos mesmos motivos, e nem saiu nos jornais. Saiu na página do Ibama avisando que eu tinha negado.
Se criou uma narrativa em que o bloco 59 virou o símbolo desse projeto expansionista. Então, é o bloco na bacia sedimentar da Foz que está com o licenciamento mais avançado, e, se eles conseguirem essa licença, o Ibama provavelmente terá muita dificuldade em negar os futuros licenciamentos. Só no leilão da ANP de 17 de junho agora, tem 47 blocos a mais na Foz do Amazonas. Eles estão estudando mais de 100 na mesma bacia. É uma grande aposta que se tem bastante petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas e o bloco 59 virou a ‘porteira’, virou o que obteria a licença de perfuração mais cedo.
Essa é a questão: quando se trata do licenciamento desse bloco, o que o Ibama está debatendo é se a Petrobras tem condições de agir em casos de incidentes, porque mesmo sendo só perfuração — não é ainda produção, nas condições que aquele local tem —, há risco de acidente. É uma área com correntes fortíssimas, muito mais fortes do que a Petrobras está acostumada a trabalhar em outros locais da nossa costa, e a Petrobras não mostrou, até agora, real capacidade de gerenciamento em casos de acidentes. Estão debatendo a questão sobre os animais, mas tudo isso faz parte do gerenciamento de acidentes. É o que pegou quando neguei as licenças da empresa Total, e é o que está pegando agora.
Mas isso não é a discussão, o Ibama não está discutindo o futuro do petróleo do País, isso não cabe a ele; o que cabe é o licenciamento do 59 em si. O futuro do petróleo no País, na minha opinião, deveria caber a todos os brasileiros, porque nós estamos no meio de uma crise climática, com eventos extremos para todo lado, durante o ano inteiro, e apostar em petróleo hoje é olhar para o passado. Vai trazer dinheiro a que custo? Até quando o mundo vai aguentar esse aumento no uso dos combustíveis fósseis? Eu acho que, em termos de opções para o futuro do País, é um caminho extremamente equivocado, até do ponto de vista econômico, que é um produto que vai cair a demanda ao longo dos anos. Tem que cair, se a gente quiser sobreviver.
Tem uma corrida contra o tempo, porque a autorização para o bloco 59 vence no dia 18 de junho, que é um dia depois de quando está marcado o leilão. Você usou uma expressão de que o presidente do Ibama está sofrendo uma pressão com rompante de assédio. É por conta dessa data de vencimento da autorização?
Sim, essa autorização é um “ok” para os órgãos ambientais tocarem adiante, não substitui o licenciamento, é um “ok” prévio que dura cinco anos. Os cinco anos completam dia 18 de junho, exatamente por isso o leilão foi marcado um dia antes. Esse “ok” que está vencendo não é só para os blocos da bacia sedimentar da Foz, tem vários blocos que estão no leilão que estão com esse timing vencido. E, se isso vencer, eu acredito que eles terão muita dificuldade para renovar essa autorização dos órgãos ambientais no atual governo, com Marina no Ministério, com outro olhar. Há cinco anos, nós estávamos no governo Bolsonaro. Eles estão correndo contra o tempo, tem até prazos anteriores, que é o prazo de manifestação de interesse das petroleiras.
Misoginia
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Abaixo-assinado liderado por Manuela D'Ávila pede cassação de Marcos Rogério por ataques a Marina
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Tem um processo que a legislação certamente estabelece, mas estão com a autorização dos órgãos ambientais para seguir adiante, realmente, é um dos grandes motivos dessa pressão toda no presidente do Ibama, que eu considero absolutamente inaceitável. O presidente do Ibama está tomando as decisões com base nos pareceres da equipe técnica, e essa pressão, na verdade, só piora a situação. O Ibama tem a Petrobras como um de seus grandes ‘clientes’, vamos dizer assim. No período Lula 3, entre janeiro de 2023 e fevereiro deste ano, o Ibama deu 1.150 licenças e autorizações na diretoria de licenciamento ambiental; quase 30% foram petróleo e gás. É, de longe, a área que tem mais licença, não tem porque questionar alguma coisa do Ibama nessa área, porque eles estão priorizando ela. O governo não tem do que se queixar; é totalmente injusto impor que o órgão licenciador não possa falar um “não”. Essa é a questão: falar “Senhora empresa, essa área é muito sensível, pouco estudada, com concorrentes fortíssimos, e o que você me mostrou neste processo em termos de gestão de acidentes não é o suficiente, então a resposta é não”. O órgão licenciador pode ter essa liberdade. É um absurdo não dar espaço para isso.
A queima de combustíveis fósseis é responsável por 80% das emissões globais. Como você vê essa situação que o Brasil está passando agora, de querer, por um lado, aumentar a exploração e, por outro, ter toda uma agenda de liderança climática?
Eu acho os dois papéis realmente incompatíveis: ser um megaprodutor de petróleo e, ao mesmo tempo, um líder climático que quer que os outros países sigam pelo exemplo, e o nosso exemplo não está bom. O Brasil não pode ser um petroestado e um líder climático ao mesmo tempo.
Para mim, a principal contradição na política ambiental do governo Lula — que tem avanços no controle do desmatamento, evidentes, aliás — está justamente aí. O desmatamento é a origem de 46% das emissões de gases de efeito estufa no caso brasileiro (com base nos números de 2013), então, eles têm avanços. Eles construíram a governança da política ambiental, da política climática em específico e nós não podemos negar isso, mas não dá para querer ser um megapetroestado, a essa altura do campeonato, com 2024 sendo o ano mais quente já registrado na história, e o segundo mais quente sendo 2023. A curva do aumento da temperatura está se verticalizando.
Então, no lugar de conseguirmos reduzir as emissões e o aquecimento global, o mundo inteiro está piorando. Mesmo que esse petróleo que venhamos a produzir seja exportado, ele vai gerar aquecimento global onde for queimado. A Petrobras e outras autoridades do governo costumam dizer que têm bons resultados em termos de emissões de petróleo, mas, na verdade, estão falando da planta de produção em si — que representa menos de 20% da emissão. Combustíveis fósseis emitem na queima. Esse petróleo, que vai ser exportado, vai ser queimado em algum lugar, pode até não contar nas emissões brasileiras diretamente, mas vai contar nas emissões de algum outro país.
Eles falam muito de demanda interna, mas o Brasil não precisa de mais petróleo para isso. Hoje, metade do que produzimos já é exportado. Já é o principal produto na nossa pauta de exportações — superou, no ano passado, a soja. O que eles querem é crescer — e dinheiro. E a dúvida é: esse dinheiro vai trazer riqueza? Uma riqueza com justiça social? O petróleo traz dinheiro, mas ele é altamente concentrador de renda. É essa a riqueza que o País quer? Quem realmente vai ganhar com isso? Porque o dano vai para todo mundo. Quem vai botar esse dinheiro no bolso? Essa é a discussão que eu acho que deveria ser feita de forma muito clara com a população.
Para mim, esse caminho é olhar para trás. É um caminho para piorar uma situação de crise climática que já ultrapassou todos os limites possíveis, e estamos querendo contribuir para que essa crise não tenha solução. É uma solução equivocada em termos de investimentos, em termos de políticas públicas, pode ser um caminho sem retorno. A ministra Marina Silva costuma falar que a licença do bloco 59 é uma questão apenas do Ibama – e ela está coberta de razão. Não cabe recurso, quem tem que falar é o presidente do Ibama, e acabou. Mas eu acho que também é uma questão da população brasileira; e nós temos que deixar muito claro para eles quais são as consequências dessa opção equivocada.