29 Mai 2025
"Para as gerações que viveram suas juventudes entre as décadas de 40 a 70, o advento de reflexões filosóficas, antropológicas, políticas, econômicas trouxe aprofundamento,discernimento crítico e já apontando os inúmeros equívocos do paradigma moderno, mas também suas brechas e possibilidades. Por esse caminho, adentrou a Teologia da Libertação na América latina, que colocou nas mãos dessas juventudes as ferramentas para articular tantas dimensões e integrar o pensamento teológico nos contextos políticos, sociais e eclesiais"
O artigo é de Rosemary Fernandes da Costa, Teóloga, assessora do MEL (Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras), professora na PUC-Rio, membro da Comunidade Batismo do Senhor, Caxias, Rio de Janeiro.
Rosemary Fernandes (Foto: Arquivo Pessoal)
O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui.
O tema do diálogo intergeracional tem ocupado alguns espaços nos movimentos sociais e políticos, nas aproximações e diálogos entre espiritualidades religiosas e não-religiosas, nos espaços pedagógicos, nos espaços das trocas de afetos, saberes, causas e projetos de vida.
Como assessora do Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras, essa vem sendo uma experiência extremamente desafiadora, revolucionária e transformadora. Estar com as juventudes é movimento, redemoinho, decolonialidade na veia.
Como nos diz Nicolás Panotto, ainda vivemos em um processo de colonialidade, que integra o ser, o poder e o saber. Esse processo afetou e afeta as relações humanas, geopolíticas, mas também as subjetividades. Como movimento paradigmático, afeta todas as subjetividades e não apenas uma faixa etária específica. Enfim, estamos imersos em uma ontologia que domina a compreensão de humano, de pessoa, de homem, de mulher, de fé, de projeto político, de relação com a terra. Não é simples construir processos de aproximação nos quais esses espelhos ideológicos sejam identificados, quebrados, e que possamos nos perceber e nos reconstruir em outras bases relacionais.
É um pressuposto inter-relacional que indica compreensões, jogos de poder, hegemonias de significados e de crenças, lógicas de dominação e processos epistemológicos centrados apenas na racionalidade. Nessa breve reflexão, não podemos nos dedicar ao processo de decolonização do ser, do poder e do saber, mas aqui ressaltamos que não há como dar passos dentro do diálogo intergeracional sem esse pressuposto.
Estamos imersos nesse tempo de profunda consciência dos processos colonizadores e suas consequências e na construção dos processos decoloniais. Esses últimos, em plena gestação e com bons frutos em muitos dos agrupamentos que acima citamos.
Para as gerações que viveram suas juventudes entre as décadas de 40 a 70, o advento de reflexões filosóficas, antropológicas, políticas, econômicas trouxe aprofundamento,discernimento crítico e já apontando os inúmeros equívocos do paradigma moderno, mas também suas brechas e possibilidades. Por esse caminho, adentrou a Teologia da Libertação na América latina, que colocou nas mãos dessas juventudes as ferramentas para articular tantas dimensões e integrar o pensamento teológico nos contextos políticos, sociais e eclesiais.
A partir desses referenciais, essas juventudes já assumiam como Projeto de Vida uma revolução paradigmática, não apenas como enraizamento sociopolítico, mas como uma motivação fundamental que dava sentido a muitos: a espiritualidade encarnada. Aqui, trazemos rostos que nos inspiraram nesse agir e que nos conduzem e fortalecem, sejam na proximidade cotidiana seja no abraço transvivencial, daqueles que nos orientam como sementes sagradas no chão da história e do sonho que sonhamos juntos.
Esse sangue corre nas veias dos ‘jovens há mais tempo’ no diálogo com as juventudes atuais. Os encontros, as aproximações, são como as do pequeno príncipe com a raposa... são desejados e, ao mesmo tempo, observadores para ambas as gerações. São esperados, preparados e também espaços de descobertas, perplexidades, construções e desconstruções, puro movimento. Vamos, pouco a pouco, sentando mais perto, e nos abraçando integralmente, nos corpos, nas vidas, nas causas, nos sonhos, nas lutas, nas alegrias e lágrimas compartilhadas.
São muitas as possibilidades diante do que já vem sendo construído e dos desafios já identificados. Em abril deste ano, no último encontro do Grupo Emaús, este foi o tema central de reflexão. Neste encontro, com o apoio de muitas companheiras e companheiros do próprio Grupo e também de um Seminário promovido pelo ISER, o tema do diálogo intergeracional foi aprofundado em seus desafios, perspectivas e propostas direcionadas sempre para metodologias participativas.
Alguns exemplos, apenas para manter a caminhada no seu caráter dialético, sedutor, e pleno de brechas por onde as novas inspirações nos ajudam a manter a conspiração coletiva: garantir circularidade, a partilha, os planejamentos participativos e flexíveis; vivenciar a ecumenicidade em todos os momentos; orientar processos grupais em seus contextos, avaliar e replanejar sempre coletivamente.
Sem pretensão de concluir, é necessária a articulação entre mística e militância, entre fé e política, espiritualidade e ética, entre a abertura para o sagrado e o enraizamento histórico. Como nos ensinou a querida Simone Weil, a gravidade e a graça estão em tensão dialética constante e fundamental. São os dois polos de atração em nossa existência histórica, é processo dialético e kairológico, pleno de sentido e sem ele ficamos dualistas ou mesmo alienados da própria integração conosco mesmos, com a história, com todo o cosmos em movimento.