21 Mai 2025
"Hoje é tempo de termos uma experiência ética mais integradora que supere a particularizalação da ética do homem e que valorize as contribuições que vêm da ética da mulher. Homem e mulher juntos (animus/anima) permitem fazer uma experiência mais rica e total do humano".
O artigo é de Leonardo Boff, escreveu Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra (Vozes, 2000).
Segundo ele, "cabe à nossa geração e as vindouras, se conscientizarem da importância da cooperação tanto do homem (animus) como da mulher (anima) para juntos não sermos os últimos a salvar a vida no planeta Terra. Justiça e cuidado nos poderão garantir que ainda teremos futuro".
Atualmente, há vários modelos éticos que procuram dar conta das questões suscitadas pela complexidade da vida contemporânea em processo de unificação planetária, não obstante o desmantelamento do processo de globalização econômica perpetrada por Donald Trump, no interesse de um mundo unipolar, comandado pelos EUA.
Alguns modelos vêm do passado, da tradição aristotélico-tomista, assumida como referência teórica por uma instituição tão importante quanto a Igreja Católica, fundada primordialmente ao redor do tema da justiça, da subsidiariedade e da equidade. Outros foram elaborados no seio da modernidade como a ética kantiana do dever. Ou a partir da tradição revolucionária de cunho marxista-socialista, enfatizando a igualdade e a solidariedade. Outros são elaborações recentes, como o ecossocialismo democrático, próprias das sociedades complexas, em vista das práticas sociais, técnico-científicas-ecológicas, realçando o tema da responsabilidade pessoal e coletiva, respeito ao princípio da precaução, reconhecimento dos direitos da natureza e da Terra.
Todos estes sistemas estão de alguma forma presentes no nosso espaço cultural, corroboram na criação de uma pré-compreensão ética e constituem um fundo de reserva histórica para ulteriores discussões e elaborações éticas.
Tomando em conta toda esta diligência histórica sobre o tema da ética, existe ainda uma corrente que marca o discurso ético de ponta a ponta e que nos foi conscientizada pelo movimento feminista mundial. As feministas nos dizem que existem duas portas de entrada para o discurso ético: a porta do homem sob a figura do pai e a porta da mulher sob a figura da mãe.
Notoriamente vivemos ainda, desde o neolítico, sob a era do pai e do patriarca. A ética prevalente foi formulada na linguagem do homem que ocupa o espaço público e detém o poder. Ele se expressa por princípios, imperativos, normas, ordenações e principalmente pelo Estado de direito com suas instituições e culmina com o tema da justiça. Usa como instrumento de construção o logos, a razão nas suas várias formas.
A porta da mulher foi praticamente silenciada ou nem sequer foi aberta totalmente. Ela se expressa pela afetividade, pela receptividade, pela relação, pela estética e pela espiritualidade e culmina com o tema do cuidado. O instrumento de construção é o pathos ou o eros vale dizer, a razão sensível ou cordial.
Efetivamente há uma experiência da vida, própria da mulher e outra, própria do homem. Embora homem e mulher sejam recíprocos, não são redutíveis uns aos outros, pois mostram singularidades que aparecem em todos os campos também nos discursos éticos.
Hoje é tempo de termos uma experiência ética mais integradora que supere a particularizalação da ética do homem e que valorize as contribuições que vêm da ética da mulher. Homem e mulher juntos (animus/anima) permitem fazer uma experiência mais rica e total do humano.
Portanto, junto com a voz da justiça importa escutar a voz do cuidado. Algumas filósofas norte-americanos trabalharam com profundidade esta questão: Carol Gilligan (1982), Nel Noddings (2000), Annete C. Baier (1995) e M. Mayeroff (1971). Entre nós no Brasil se destaca toda a obra de Vera Regina Waldow (1993, 1998, 2006). Nós mesmos em Saber cuidar (1994) acenamos para as dimensões do masculino (trabalho) e do feminino (cuidado) como fundadoras de modos de existir e de de viver eticamente.
Convém, entretanto, de saída, esclarecer que os temas da justiça e do cuidado não se concretizam exclusivamente do homem ou da mulher. Homem e mulher são apenas portas de entrada. Ambos compõem o ser humano, masculino e feminino. Em razão disso, o masculino não pode ser identificado com homem e reduzido só a ele. Da mesma forma o feminino, com a mulher. Ambos são portadores da dimensão do animus e da dimensão da anima em outras palavras, do feminino e do masculino simultaneamente, mas cada qual de forma diferente e singular (Boff; Muraro, 2002).
Por isso, o cuidado (feminino) afeta o homem bem como a justiça (masculino), a mulher. Ambos realizam a justiça e o cuidado, a seu modo, embora a justiça ganha mais visibilidade no homem, daí ser ele seu principal elaborador e o cuidado adquire mais densidade na mulher, sendo ela, portanto, sua principal portadora (Gilligan, 1982, p. 2).
Em razão desta inclusão insistem as referidas filósofas feministas em dizer que o tema do cuidado e respectivamente da justiça não são temas de gênero mas da totalidade do humano (Noddings 1984).
Hoje, dado o clamor ecológico geral, justiça e cuidado, masculino e feminino devem, como nunca antes na história, darem-se as mãos e caminharem juntos, cada qual contribuindo face às ameaças que pesam sobre a vida no planeta Terra. Precisamos de justiça social face ao imenso número de pobres e miseráveis e de justiça ecológica diante da sistemática agressão que nosso modo de produção industrialista/consumista pratica contra a natureza e os ecossistemas.
Ao mesmo tempo, necessitamos do cuidado para com os milhões de afligidos e jogados nas periferias em termos de relação respeitosa, saúde, inclusão social. Igualmente faz-se urgente o cuidado para com a Terra ferida e para com a preservação dos bens e serviços naturais que garantem nossa sobrevivência nesse planeta.
Cabe à nossa geração e as vindouras, se conscientizarem da importância da cooperação tanto do homem (animus) como da mulher (anima) para juntos não sermos os últimos a salvar a vida no planeta Terra. Justiça e cuidado nos poderão garantir que ainda teremos futuro.