16 Mai 2025
A Faixa de Gaza está à beira do abismo. Um novo relatório devastador do Integrated Food Security Phase Classification (IPC), divulgado em 12 de maio de 2025, traça um retrato sombrio de uma catástrofe humanitária em curso: 100% da população enfrenta níveis agudos de insegurança alimentar, com 470 mil pessoas — uma em cada cinco — já vivendo em condições de fome catastrófica. As conclusões do Snapshot IPC Gaza Strip Acute Food Insecurity and Malnutrition são tão contundentes quanto inescapáveis: a fome em Gaza não é uma ameaça distante — é uma realidade tangível, mortal e cada vez mais difícil de conter.
A informação é do Instituto Fome-Zero, 13-05-2025.
Baixe aqui o relatório do IPC intitulado Gaza Strip Acute Food Insecurity Malnutrition April-September 2025.
O documento, elaborado com base em análises conduzidas entre 28 de abril e 6 de maio por 50 especialistas de 17 organizações, aponta que a totalidade dos 2,1 milhões de habitantes da Faixa de Gaza está em alguma das fases de crise alimentar do IPC (Fase 3 ou superior). Mais da metade da população — cerca de 1,1 milhão — encontra-se na Fase 4 (Emergência), enquanto 22% — aproximadamente 470 mil pessoas — estão na Fase 5 (Catástrofe), a etapa imediatamente anterior à classificação oficial de fome.
A definição técnica da fome, segundo o IPC, exige a convergência de três indicadores: níveis extremos de insegurança alimentar, alta prevalência de desnutrição aguda e taxas elevadas de mortalidade. Embora algumas regiões não tenham alcançado ainda todos esses limiares simultaneamente, o risco de que isso ocorra nos próximos meses é considerado alto e crescente.
A situação das crianças em Gaza é particularmente alarmante. Estima-se que 70.500 delas — entre 6 e 59 meses de idade — estejam desnutridas, sendo 14.100 em estado grave. Além disso, cerca de 17 mil gestantes e lactantes necessitam urgentemente de tratamento contra desnutrição aguda.
Os dados revelam um cenário de privações generalizadas: 75% das crianças consomem menos de dois grupos alimentares por dia, índice considerado extremamente abaixo do necessário para crescimento e desenvolvimento saudáveis. A carência de alimentos frescos — vegetais, frutas, carnes e laticínios — e de micronutrientes essenciais está gerando um colapso nutricional.
Desde 2 de março de 2025, nenhum tipo de ajuda humanitária ou insumo comercial foi autorizado pelo governo israelense a entrar no território. Em um contexto de escalada militar, esse bloqueio total inviabilizou qualquer resposta humanitária significativa. A escassez extrema de alimentos, medicamentos, água potável, combustível e gás de cozinha tornou-se absoluta. Os preços dos alimentos dispararam, com a farinha de trigo chegando a custar mais de 3.000% acima do valor de fevereiro — alcançando US$ 520 por 25 kg em Gaza e Khan Younis.
Segundo o relatório, todas as 25 padarias apoiadas pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP) fecharam as portas no início de abril, e os estoques de alimentos nos 177 centros de distribuição de refeições quentes estão praticamente esgotados. Não há mais suprimentos preventivos de nutrição nos armazéns da UNICEF e do WFP.
Mais de 430 mil pessoas foram deslocadas desde meados de março, e 90% da população total — quase 1,9 milhão de pessoas — já foi forçada a deixar seus lares pelo menos uma vez. A fragmentação social se aprofunda: um terço dos lares recorre à venda de lixo para obter alimento, enquanto um quarto informa que nem mesmo lixo com valor econômico ainda está disponível. O tecido social, já em frangalhos, começa a ruir sob o peso da escassez, do medo e da desestruturação completa dos serviços básicos.
O colapso da infraestrutura de saúde é um dos motores mais cruéis da crise. Hospitais sem insumos, profissionais atacados, ausência de vacinas e impossibilidade de tratar doenças comuns compõem um cenário em que a mortalidade infantil e o risco de epidemias aumentam exponencialmente. A água potável é escassa, os sistemas de esgoto e coleta de lixo entraram em colapso, e a superlotação de abrigos improvisados propicia surtos de doenças e amplia a insegurança sanitária.
Embora o relatório não declare formalmente a ocorrência de fome na totalidade da Faixa de Gaza, a análise conduzida por especialistas do IPC afirma que essa possibilidade é real e iminente, sobretudo se as atuais condições persistirem. O cenário projetado entre 11 de maio e 30 de setembro de 2025 contempla a continuação da ofensiva militar, a manutenção do bloqueio e o fracasso de mecanismos logísticos recém-anunciados pelas autoridades israelenses, considerados “altamente insuficientes” para atender às necessidades básicas da população.
O Comitê de Revisão da Fome do IPC (Famine Review Committee) respaldou integralmente os achados do relatório, mesmo sem ter sido formalmente acionado, e alertou: “A atual intensidade de sofrimento humano, destruição e privação é extrema e requer ação imediata de todas as partes”.
A tragédia humanitária em Gaza é, como apontou a diretora executiva da UNICEF, Catherine Russell, uma calamidade que não chegou de surpresa, mas se desenrolou gradualmente, diante de uma sucessão de bloqueios, bombardeios e destruição sistemática das condições mínimas de sobrevivência. O alerta está dado — com precisão, com dados, com urgência. Ignorá-lo agora é aceitar a fome como destino.
Os organismos internacionais são categóricos em seus apelos: é necessária uma cessação imediata das hostilidades, o restabelecimento irrestrito do acesso humanitário e a retomada de fluxos comerciais e serviços essenciais. Apenas a ajuda alimentar não será suficiente. O relatório destaca a necessidade de intervenções multissetoriais — alimentação, saúde, nutrição, água e saneamento, e meios de subsistência — para evitar o colapso total. Programas específicos de nutrição para crianças pequenas, mulheres grávidas e lactantes precisam ser urgentemente restabelecidos e ampliados.
Enquanto caminhões com alimentos e remédios esperam nas fronteiras, crianças morrem por falta de leite, famílias sobrevivem com restos de lixo e a dignidade humana é esmagada sob os escombros da guerra.
A questão já não é se a fome virá. A pergunta agora é: o que será feito para impedi-la?