09 Mai 2025
“A Igreja diz que não tem o poder de mudar o estado das coisas, mas a Comissão de Paulo VI e até mesmo o Catecismo dizem o contrário. Seria preciso mais coragem”, uma entrevista com a teóloga feminista, médica e monja beneditina que deixou a clausura por dois anos para se engajar na política lutando pela independência da Catalunha, Teresa Forcades lança na Itália uma nova edição de Siamo tutti diversi! (Somos todos diferentes, em tradução livre, Castelvecchi). Uma das teólogas mais lidas do mundo, ela está empenhada contra o lobby da indústria farmacêutica, pelos direitos de gênero e pelo mundo LGBT.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por Il Manifesto, de 08-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
133 homens são chamados a eleger o sucessor de Pedro, nenhuma mulher é admitida à eleição. O que acha?
É um sinal do sexismo estrutural da Igreja, é uma discriminação. Não há uma justificativa teológica. Já Paulo VI, em 1976, encarregou a Comissão Teológica de estudar o papel das mulheres nas Escrituras e, em particular, a questão da ordenação sacerdotal feminina. E o parecer final da Comissão não foi negativo. No Catecismo, entre outras coisas, o número 1256 afirma que qualquer pessoa, mesmo uma mulher, pode batizar uma criança ou um adulto em um caso de emergência e esse batismo é válido para todos os efeitos. Não há mulheres no conclave porque só há apenas sacerdotes ordenados. A Igreja diz que não tem o poder de mudar o estado das coisas, mas a Comissão de Paulo VI e também o Catecismo dizem o contrário. Portanto, acredito que seria preciso mais coragem.
Forcades, por que vários homens da Igreja falam da necessidade de valorizar as mulheres, mas depois, concretamente, a Igreja permanece, pelo menos em suas hierarquias, masculinas?
O fato de as hierarquias dizerem que não podem mudar as coisas, que não está em seu poder, soa como uma desculpa. Sou uma monja beneditina. Minha regra fala de abade e de abadessa, ambos como pessoas que agem in persona Christi em sua comunidade. E mais: em 1970, Ludmila Javorová, uma mulher, foi ordenada padre em segredo por um bispo da Igreja clandestina da Tchecoslováquia. A ordenação foi um privilégio concedido por Roma a uma igreja perseguida pelo comunismo. Esse é outro exemplo que mostra que algo pode mudar porque houve exceções. O mesmo acontece nas igrejas anglicanas, onde as mulheres ordenadas são enviadas para paróquias de periferia com um salário inferior ao dos padres homens, mas ainda assim são ordenadas. Por sexismo - as coisas têm de ser chamadas pelo nome - os padres acabam tendo que administrar na Igreja Católica até dez paróquias juntas, enquanto as mulheres podem se tornar teólogas e escrever livros. É uma coisa boa, mas não é a melhor.
Se você tivesse que votar no novo Papa, quem escolheria?
Eu tenho uma tríade: o português José Tolentino de Mendonça, que anos atrás fez o prefácio de um livro meu traduzido para o português. Ele tem um perfil de poeta e, por essa razão, é muito interessante. Não tem medo de encarnar a teologia na cultura pós-moderna. E gosto de seu lema episcopal: “Como os lírios do campo”. Depois, eu diria o cardeal inglês Timothy Radcliffe. Ele tem um grande senso de humor, não tem um lema episcopal porque não é bispo. Ele é um cardeal sacerdote de grande humanidade. Por fim, o teólogo amigo de Francisco, Cardeal Victor Manuel Fernández, que tem um importante lema episcopal: “No meio de teu povo”. O lema episcopal é algo íntimo para cada um, fala de uma direção a ser tomada.
Pelo menos na Europa, o cristianismo está em grande crise. As igrejas estão cada vez mais vazias. Você não acha que o modelo teísta do cristianismo - um Deus que vive no mais alto dos céus e cuida de seu rebanho de lá - não é mais crível hoje? Que mudança é necessária para que o cristianismo não morra?
Ele deve se tornar um cristianismo kolpotikos e não apenas espermático. No século II, Justino Mártir desenvolveu a doutrina do Logos spermatikos (razão-verbo): ele é como que “disseminado” em todos os homens, a quem permite conhecer a verdade. Isso significa que todo o mundo está disseminado com essa presença de Deus. Mas Deus não é apenas aquele que fecunda o mundo, mas também aquele que recebe do mundo, que tem sua própria receptividade. Portanto, não é apenas o Deus todo-poderoso que governa, mas também o Deus inerme que recebe. É preciso desenvolver hoje a doutrina do Logos kolpotikos. A palavra kolpos significa vagina e é aplicada a Deus Pai e também a Jesus no Evangelho de João. Como a vagina da mulher que está apta a receber, sabe como receber, assim é Deus: penetrável por amor.
Fala-se que Francisco não mudou a doutrina. Mas vimos uma enorme mudança de estilo: em sua Igreja, por exemplo, todos tinham que se sentir em casa sem que ninguém pedisse uma carteira de identidade, uma licença, a ninguém.
Em seu funeral, estavam várias pessoas trans... O que pensa?
Lembro-me do documento Evangelii Gaudium (2013) que fala sobre o gozo: um desafio a todos aqueles que pensam que quanto mais sério, mais religioso se é. Não é assim. E, além disso, a Querida Amazônia de 2020, uma formulação contra o capitalismo no sentido mais claro e devastador. As paróquias devem se tornar hospital de campanha, abertas a todos. Por exemplo, Francisco ajudou economicamente pessoas trans que trabalham como prostitutas no litoral romano. Foi, de fato, uma denúncia ao legalismo em favor do amor que sempre supera a lei.
Por que a moral sexual da Igreja ainda é muito fechada? Por que o catecismo ainda condena a homossexualidade?
Há um desequilíbrio entre as várias palavras que até mesmo os papas dedicaram às pessoas homossexuais, dizendo que Deus não as julga e que elas são amadas como são, e o Catecismo que, em vez disso, fala de orientação intrinsecamente desordenada e condena os atos sexuais entre homossexuais. Nesse sentido, há uma incoerência que ainda precisa ser corrigida.
Você falou de uma “teologia queer”. O que significa?
É uma reflexão teológica que veio antes da chamada teoria queer, que se desenvolveu a partir de 1990 como teoria crítica sobre o sexo e o gênero. Procura investigar e explorar a sexualidade humana e as identidades de gênero e sua relação com Deus. Quando Deus olha para nós, não vê diferenças de nacionalidade ou de orientação sexual, mas vê uma só peça. Isso é o que me interessa de um ponto de vista teológico. Deus vê em nós um pedaço único da pessoa, ou seja, uma imagem de Deus que pode, no espaço e no tempo, gerar algo único. Nesse sentido, eu uso o termo teologia queer.