09 Mai 2025
Em todos os níveis e modalidades de ensino, o sistema educacional apresenta redução drástica de matrículas, fechamento de escolas e destruição da carreira docente
O artigo é de Gabriel Grabowski, professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal ExtraClasse, 05-05-2025.
O Censo Escolar da Educação Básica de 2024, divulgado no mês de abril deste ano, confirma um histórico e estrutural dilema educacional brasileiro que persiste: o “arcaísmo” da escola brasileira – que é de fundo institucional –, enquanto privilégio de poucos na ascensão social e na formação dos “privilegiados”.
O sistema educacional brasileiro abrange instituições escolares que não se ajustam, nem qualitativa nem quantitativamente, a necessidades educacionais prementes, que são compartilhadas em escala nacional ou que variam de uma região para outra do país. Daí ser urgente e vital alterar a estrutura, o funcionamento e o modo de integração das instituições.
Entre vários fatores, os educadores destacam a polarização entre a escola pública e a privada, que tem, como divisor de águas, o estado, o qual, em sua acepção, deveria gozar de autonomia para estruturar a educação pública.
O estado se omite e não impõe o interesse da coletividade e o livre jogo dos comportamentos espontâneos revela-se, em regra, incapaz de promover as políticas educacionais necessárias e desejáveis para o conjunto da população.
Em âmbito nacional, o Censo Escolar de 2024, registrou 47,1 milhões de matrículas nas 179,3 mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 216 mil matrículas a menos em comparação com o ano de 2023.
Essa leve queda é reflexo do recuo de 0,8% observado no último ano na matrícula da rede pública, que passou de 37,9 milhões em 2023 para 37,6 milhões em 2024, e que não foi “compensado” pelo aumento na rede privada, que passou de 9,4 milhões para 9,5 milhões de matrículas.
As matrículas estão distribuídas nas diversas redes de ensino. As redes municipais detêm 49,1% das matrículas na educação básica, enquanto as redes estaduais representam 29,8% das matrículas. Por outro lado, a rede privada conta com 20,2% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas.
Somente a rede privada apresentou um crescimento de 0,3% em 2024, se comparado a 2023. Porém, a lógica da privatização não ocorre somente pelas matrículas, mas por variadas estratégias político-pedagógicas, curriculares e parcerias público privadas (PPPs).
O censo 2024 apontou que esta distorção alcança 15,7% das matrículas dos anos finais do ensino fundamental e 17,8% das matrículas do ensino médio.
Além disso, a proporção de alunos do sexo masculino com defasagem de idade em relação a etapa que cursam é maior do que a do sexo feminino em todas as etapas de ensino.
As matrículas no ensino médio (EM) continuam sendo o maior desafio brasileiro.
Em 2024, foram registradas 7,8 milhões de matrículas, um aumento de 1,5% em relação ao ano anterior; no entanto, é ainda inferior à matrícula observada em 2022. Estas matrículas estão assim distribuídas: a rede estadual possui a maior participação: com 83,1%, seguida pela rede privada (13,3%) e a rede federal possui 243,6 mil matrículas, o que corresponde a 3,1% do total.
O Censo Escolar 2024 traz informações preocupantes para o estado do Rio Grande do Sul, e que se agravam desde 2015. São dados educacionais que requerem análises aprofundadas, com a participação dos segmentos escolares e pesquisadores em educação.
O resultado do Censo, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), indica que:
– O RS registrou uma redução de 44,3 mil alunos matriculados na educação básica. É o equivalente a uma redução de 2% ante 2023;
– No ensino médio ocorreu mais uma diminuição nas matrículas no RS de 5,2%, na contramão do crescimento nacional e de outros estados;
– Santa Catarina e Paraná tiveram o segundo e o terceiro maior aumento de estudantes no recorte – que inclui educação infantil e os ensinos fundamental e médio das redes privadas, municipais, estadual e federal;
– Na educação profissional, enquanto entidades empresariais reclamam da escassez de mão de obra qualificada, o RS também apresentou uma queda de 4%. Já no Brasil as matrículas cresceram de 6,7%;
– A elevada evasão na etapa final da educação básica é uma realidade reincidente no Rio Grande do Sul, mesmo com o Programa Todo Jovem na Escola desde 2021;
– A educação básica da rede estadual tinha, em 2019, 838.776 estudantes matriculados, número que caiu para 694.664 em 2024, o que representa uma redução de 17,2% (menos 144 mil alunos);
– No ensino médio, o dado mais grave está na queda registrada entre 2023 e 2024: uma perda de quase 17 mil alunos em apenas um ano, o que representa um recuo de 6%;
– Registra-se, também, entre 2019 e 2024, uma redução de 153 escolas estaduais: de 2.471 unidades em 2019 para 2.318 em 2024, o que representa uma diminuição de aproximadamente 6,2%. Esta diminuição escolas expressa, por sua vez, uma redução de 3.114 turmas ou cerca de 8,1%;
– Entre 2019 e 2024, observa-se uma tendência geral de queda no número de docentes da educação básica da rede estadual do Rio Grande do Sul. Em 2019, o estado contava com 40.116 professores, número que diminuiu gradualmente nos anos seguintes, atingindo 37.538 em 2024, uma redução total de 2.578 docentes, equivalente a uma queda de aproximadamente 6,4% no período;
– Além disso, notou-se que as modalidades de contratos precários dos docentes na rede estadual do Rio Grande do Sul, em 2024, atingiram 60,9% dos docentes;
– Os dados de 2024, em comparação com 2023, revelam uma redução de quase 8 mil matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede estadual. Desde 2019, a queda já chega a 46.827 matrículas, o que representa uma retração de 65,3% no número de estudantes atendidos;
– O estado do RS é, também, é o segundo pior na oferta de Educação Integral do Brasil.
Enfim, em todos os níveis e modalidades, da educação infantil, das creches ao ensino fundamental e ensino médio, da EJA à educação profissional, o estado do RS apresenta redução drástica de matrículas, fechamento de escolas e precarização/destruição da carreira docente pública estadual.
Este cenário da educação básica gaúcha não é exclusividade da rede estadual. Nas últimas avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a rede privada pouco diferenciou-se das redes públicas. Ou seja, mesmo com investimento mais elevado dos pais, o desempenho dos estudantes no ensino e na aprendizagem das diversas redes muito se assemelham.
E, a capital do RS – Porto Alegre – tem o pior índice do país de estudantes que concluem o ensino fundamental com aprendizagem adequada, conforme análises da ONG Todos Pela Educação, que abrangeu as cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes.
Dos 32 municípios estudados e que têm ao menos 20% das matrículas de anos finais na rede municipal, a capital gaúcha apresentou os piores índices tanto em língua portuguesa quanto em matemática.
Todo este mau desempenho não se dá por mera coincidência, mas em decorrência das diversas reformas educacionais na educação básica das últimas três décadas, especialmente as operadas a partir de 2016 – entre elas, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio (NEM).
Essas reformas desencadeiam uma intensa disputa pelo grande mercado da educação, particularmente a educação profissional e o ensino médio, por meio da flexibilização curricular, parcerias com setor privado mediante a introdução de reformas empresariais conservadoras, da educação a distância, da redução de concursos públicos e o aumento exponencial de contratos temporários e emergenciais em muitas redes estaduais e municipais, como é o caso do RS e de Porto Alegre.
É urgente que se pare de pensar e acusar as universidades de má formação de professores, de culpar os docentes pela desmotivação, de apontar supostos problemas metodológicos e didáticos-pedagógicos, de ignorar as reivindicações dos profissionais de educação e do excesso de greves, de supor falta de domínio e conhecimento de tecnologias educacionais ou de desinteresse dos estudantes.
O Rio Grande do Sul e Porto Alegre possuem as melhores universidades públicas federais e públicas comunitárias do país, pesquisadores e professores qualificados com graduação e pós-graduação, com estudantes e jovens interessados e com espírito inovador.
O que nos falta é valorização da carreira, melhores salários, escolas com melhor infraestrutura (bibliotecas, laboratórios e espaços de convivência e aprendizagem), prioridade de investimentos em Educação, Ciência & Tecnologia e o trabalho em conjunto com as Instituições de Ensino Superior (IES) do estado e entidades educacionais e científicas.
O estado precisa ser uma defensor da escola pública e liderança construtiva de um movimento unitário em defesa da educação de estado, trabalhando em cooperação com os 497 municípios, valorizando todos os educadores (professores e funcionários de escolas), efetivando investimento integral dos recursos previstos na Constituição Estadual em Educação e C&T, dialogando com as comunidades escolares, com todos os segmentos da sociedade, com os jovens e estudantes.
Os diversos movimentos internacionais, nacionais e regionais de negação da ciência, da cultura, da educação e da crise ambiental; os discursos e a propagação de ideias em prol da extinção de departamentos e ministérios da educação; os programas das escolas cívico-militares; os defensores das escolas domiciliares; a precarização das escolas públicas; a redução de investimentos na educação; ataques e violências praticadas contra escolas, professores e estudantes; restrições à liberdade de cátedra e a liberdade de ensinar e aprender configuram uma conspiração contra a educação e a escola pública que, no caso brasileiro, é uma constante histórica.