08 Mai 2025
Pesquisa mostra que 1,69 bilhão de crianças entre 5 e 18 anos viverão mais eventos climáticos extremos do que qualquer geração anterior, com impactos mais severos sobre populações vulneráveis e países tropicais; cientistas alertam para urgência de limitar o aquecimento global a 1,5°C antes da COP30 no Brasil.
A informação é de Free University of Brussels, publicada por EcoDebate, 08-05-2025.
Ondas de calor, perdas agrícolas, enchentes fluviais, ciclones tropicais, incêndios florestais e secas tendem a se intensificar com o avanço do aquecimento global. As crianças de hoje enfrentarão mais eventos climáticos extremos do que qualquer geração anterior.
“Em 2021, mostramos que as crianças viverão um aumento desproporcional na exposição a eventos extremos – especialmente em países de baixa renda. Agora, identificamos onde a exposição acumulada ao longo da vida será muito maior do que teria sido em um clima pré-industrial”, afirma Wim Thiery, professor de ciência do clima na Universidade Livre de Bruxelas (VUB) e autor sênior do estudo publicado na revista Nature.
“Viver uma vida sem precedentes, neste contexto, significa que, sem as mudanças climáticas provocadas pelo homem, haveria menos de 1 chance em 10 mil de se experimentar tantos extremos climáticos ao longo da vida”, explica o cientista climático Dr. Luke Grant, autor principal da pesquisa e pesquisador da VUB e do órgão canadense Environment and Climate Change Canada (ECCC).
Esse limite rigoroso define populações expostas a extremos climáticos muito além do que se esperaria em um mundo sem alterações antrópicas no clima. O estudo mostra que a gravidade da exposição varia de acordo com o local e o tipo de evento extremo.
Combinando dados demográficos e projeções climáticas para cada região do planeta, os pesquisadores calcularam o percentual de pessoas nascidas entre 1960 e 2020 que enfrentarão níveis inéditos de exposição a extremos climáticos ao longo da vida.
Quanto mais jovem a pessoa, maior a probabilidade de enfrentar uma vida marcada por eventos climáticos extremos sem precedentes. Mesmo que o aquecimento global seja limitado a 1,5°C, 52% das crianças nascidas em 2020 enfrentarão um número sem precedentes de ondas de calor durante a vida – contra apenas 16% das nascidas em 1960. Esse efeito é especialmente acentuado para quem nasceu após 1980, período em que as mudanças climáticas passaram a influenciar fortemente os níveis de exposição.
“Se estabilizarmos o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, cerca de metade das crianças de hoje viverá um número inédito de ondas de calor. Já em um cenário de 3,5°C, mais de 90% delas enfrentarão esse tipo de exposição”, alerta Grant.
O mesmo padrão se aplica a outros eventos extremos, como secas, incêndios e enchentes, embora com percentuais um pouco menores. Ainda assim, o estudo evidencia uma clara e injusta disparidade geracional.
Em um cenário de aquecimento de 1,5°C, crianças de países tropicais serão as mais afetadas. Mas, sob trajetórias de altas emissões, quase todas as crianças do mundo terão uma vida exposta a extremos sem precedentes.
A pesquisa também ressalta as desigualdades sociais na crise climática. Sob as políticas climáticas atuais, 95% das crianças nascidas em 2020 em situação socioeconômica mais vulnerável enfrentarão exposição inédita a ondas de calor ao longo da vida – em comparação com 78% das crianças mais privilegiadas.
“São justamente as crianças mais vulneráveis que sofrem a pior escalada dos eventos climáticos extremos. Com poucos recursos e opções de adaptação, enfrentam riscos desproporcionais”, observa Thiery.
Às vésperas da COP30, que será realizada no Brasil, os países precisam apresentar compromissos climáticos mais ambiciosos. Com as políticas atuais, estima-se que o aquecimento global ultrapasse 2,7°C até o fim do século. O estudo e o relatório relacionado da organização Save the Children reforçam a urgência de limitar o aquecimento a 1,5°C para proteger as gerações atuais e futuras.
“Crianças em todo o mundo estão sendo forçadas a suportar o peso de uma crise pela qual não são responsáveis: calor perigoso que prejudica sua saúde e aprendizado, ciclones que destroem suas casas e escolas, secas que arrasam colheitas e esvaziam seus pratos”, afirma Inger Ashing, CEO da Save the Children International.
“Diante dessa sequência diária de desastres, as crianças nos imploram para não virarmos as costas. A pesquisa mostra que ainda há esperança – mas apenas se agirmos com urgência e ambição para limitar rapidamente o aquecimento global a 1,5°C, colocando de fato as crianças no centro da resposta climática.”
Com as emissões globais ainda em alta e a temperatura média do planeta a apenas 0,2°C do limite de 1,5°C, “os líderes mundiais devem agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aliviar o fardo climático imposto à juventude atual”, conclui Thiery.
Grant, L., Vanderkelen, I., Gudmundsson, L. et al. Global emergence of unprecedented lifetime exposure to climate extremes. Nature 641, 374–379 (2025). Disponível aqui.